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Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
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Disponível online em 22 de abril de 2025
Esporotricose pioderma gangrenoso‐símile: relato de três casos e revisão da literatura
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Lucas Campos Garciaa,
Autor para correspondência
lucascampos@outlook.com

Autor para correspondência.
, Marianne de Sousa Nunes Soaresa, Gustavo Gomes Resendeb, Luciana Baptista Pereiraa
a Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Departamento de Reumatologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
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Recebido 04 Agosto 2024. Aceite 27 Outubro 2024
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Tabela 1. Casos publicados na literatura (base de dados PubMed, língua inglesa até julho de 2024) e os aqui relatados
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Prezado Editor,

A esporotricose é micose subcutânea subaguda ou crônica, causada por fungos termodimórficos do gênero Sporothrix.1 Embora o diagnóstico da forma clássica seja relativamente fácil, outras variantes representam desafio diagnóstico. Morfologicamente, pode simular ceratoacantoma, erisipela, sarcoidose e pioderma gangrenoso (PG). O termo esporotricose pioderma gangrenoso‐símile (EPGS) é utilizado para descrever formas ulcerativas extensas.2–11 São relatados três casos novos e faz‐se a revisão dos já publicados.

Paciente do sexo feminino, de 48 anos, com úlcera dolorosa na coxa direita havia três meses, com aumento progressivo e lesões satélites (fig. 1). A paciente era portadora de hepatite autoimune, em tratamento com prednisona 1mg/kg/dia e azatioprina 3mg/kg/dia havia cinco anos. As culturas teciduais foram negativas e o exame anatomopatológico demonstrou paniculite granulomatosa, supurativa e agressão vascular. Diante da hipótese de PG, a paciente recebeu pulsoterapia intravenosa com metilprednisolona, 1g/dia por três dias, sem melhora. Como não houve resposta, nova biopsia foi realizada na borda da mesma lesão, uma semana após a pulsoterapia. Estruturas leveduriformes coradas por PAS (Peridodic Acid Schiff) foram encontradas no tecido subcutâneo (fig. 2A). Simultaneamente, o gato de estimação foi diagnosticado com esporotricose por cultura de secreção (fig. 2B). Como a paciente apresentava síndrome hepatorrenal, mesmo sendo imunossuprimida, optou‐se pelo tratamento com iodeto de potássio (2g/dia). A paciente evoluiu com cicatrização quase completa em três meses de tratamento (fig. 1), quando apresentou descompensação do quadro hepático e óbito. Embora a hepatotoxicidade associada ao iodeto de potássio seja rara, ela pode ocorrer em pacientes com hepatopatias prévias. Entretanto, a equipe de Gastroenterologia relacionou o desfecho à piora da doença de base.

Figura 1.

Esporotricose pioderma gangrenoso‐símile. (A) Úlcera na região medial da coxa direita com lesões satélites em trajeto linfático. (B) Melhora clínica importante da lesão após três meses de tratamento com iodeto de potássio.

(0.26MB).
Figura 2.

(A) Estruturas leveduriformes ovais e alongadas na derme profunda. (PAS, 400×). (B) Felino da paciente com ulceração nasal diagnosticada como esporotricose.

(0.47MB).

O segundo paciente, sexo masculino, 49 anos, apresentava úlcera dolorosa na fossa antecubital direita com lesões satélites e linfonodomegalia perilesional de um mês de evolução (fig. 3A). O paciente era portador de artrite psoriásica e diabetes mellitus. Estava em tratamento com infliximabe 3mg/kg havia quatro anos, sulfassalazina 2g/dia havia três anos, prednisona 20mg/dia havia seis meses. Diante da suspeita inicial de ectima gangrenoso, iniciou‐se clindamicina e ciprofloxacino por um mês, sem melhora. Posteriormente, Sporothrix sp. foi isolado no fragmento da úlcera enviado para cultura. No exame anatomopatológico, verificou‐se granulomas abscedidos, com pesquisa de fungos negativa. Itraconazol foi iniciado, porém o paciente evoluiu com síndrome hepatorrenal, o que levou à suspensão do medicamento. Em substituição, iodeto de potássio (3g/dia) foi administrado por dois meses, com cicatrização da úlcera (fig. 3B).

Figura 3.

Esporotricose pioderma gangrenoso‐símile. (A) Úlcera na fossa antecubital direita com lesão satélite. (B) Cicatrização da lesão após dois meses de tratamento com iodeto de potássio.

(0.18MB).

O terceiro paciente, sexo masculino, 39 anos, apresentava lesão dolorosa, ulcerada, de aspecto cribriforme, e pápulas e nódulos abscedidos satélites na perna esquerda, de três semanas de evolução (fig. 4A). Inicialmente, foi realizado tratamento com amoxicilina associado ao clavulanato, clindamicina, vancomicina e cefepima, sem melhora. Portador de doença de Crohn, o paciente fazia uso de metotrexato 20mg/semana havia quatro anos e infliximabe 5mg/kg havia dois anos. Diante da hipótese inicial de PG, associou‐se dapsona 100mg/dia por 30 dias. O exame histopatológico demonstrou infiltrado inflamatório neutrofílico com leucocitoclasia, granulomas abscedidos e raras estruturas leveduriformes em naveta e houve crescimento de Sporothrix sp. na cultura, confirmando o diagnóstico. Itraconazol (200mg/dia) e iodeto de potássio (2g/dia) foram iniciados concomitantemente, com cicatrização após quatro meses (fig. 4B).

Figura 4.

Esporotricose pioderma gangrenoso‐símile. (A) Úlcera na perna esquerda com lesões satélites. (B) Cicatrização da lesão após quatro meses de tratamento com itraconazol e iodeto de potássio.

(0.34MB).

Formas ulcerativas extensas de esporotricose são raramente descritas e ocorrem especialmente em pacientes com imunossupressão. O termo EPGS tem sido adotado em virtude das semelhanças clínicas e histopatológicas com o PG: úlceras fagedênicas com bordas eritematosas, superfície cribriforme e com infiltrado neutrofílico.3 A abordagem inicial de PG requer a exclusão de diferenciais por histopatologia e cultura. No entanto, a pesquisa de patógenos nem sempre resulta positiva no primeiro momento. A ausência de resposta aos imunossupressores deve motivar revisão diagnóstica do caso. Além disso, as estruturas fúngicas dificilmente são visualizadas, tornando o diagnóstico de esporotricose ainda mais difícil.3 Nesse contexto, a cultura do fragmento ou da secreção é extremamente importante,11 assim como a anamnese detalhada, especialmente quanto à presença de felinos e atividades de risco, como jardinagem.

Apenas 10 casos publicados de EPGS foram encontrados na literatura de língua inglesa no PubMed (tabela 1). Mais da metade (n=6) foi publicada nos últimos seis anos, o que pode refletir melhora da acurácia diagnóstica ou aumento da incidência, principalmente em virtude da crescente população de imunossuprimidos. Os casos aqui relatados estavam sob imunossupressão.

Tabela 1.

Casos publicados na literatura (base de dados PubMed, língua inglesa até julho de 2024) e os aqui relatados

  Sexo/idade  Imunossupressão/comorbidades  Local das lesões  Tratamento inicial  Método diagnóstico  Tratamento  Desfecho clínico 
Stroud et al., 19681  M/62  Carcinoma escamoso metastático  Antebraço D  Aguardar propedêutica, apesar da suspeita clínica de PG  Cultura de tecido+  Anfotericina B 25 mg/dia por 5 dias; adicionado iodeto de potássio por 2 dias  Óbito após 7 dias de tratamento por IRA 
Spiers et al., 19862  M/46  Não  Abdome  Tetraciclina, eritromicina, PDN, DDS, AZA  Cultura de tecido+  Iodeto de potássio 3 g/dia  Cura clínica após 2 meses 
Wan‐Qing et al., 19913  F/56  Corticoterapia para artrite reumatoide  Nádega e coxa E  PQT para TBC; PDN; DDS  Cultura de secreção+  Iodeto de potássio (6–8 g/dia)  Melhora clínica das lesões. Óbito após 2 semanas por pneumonia 
Byrd et al., 20014  F/59  Não  Perna D  ATB's sistêmicos, PDN, AZA e ciclosporina  Cultura de tecido+; PAS+no AP  Itraconazol 600 mg/dia, 18 meses  Cura clínica após 3 meses 
Lima et al., 20175  F/39  Não  Abdome e braço D  PDN, imunossupressores infliximabe  Cultura de tecido+; estruturas leveduriformes PAS+no AP  Anfotericina B lipossomal (400 mg/dia) 6 semanas+itraconazol 400 mg/dia por 12 meses  Cura clínica 
Charles et al., 20176  F/57  Obesidade e asma  Braço D  Levofloxacino, ceftriaxona, PDN, penicilina e clobetasol tópico  Cultura de tecido+; estruturas leveduriformes PAS+no AP  Itraconazol 400 mg/dia  Melhora clínica e perda de seguimento 
Takazawa et al., 20187  M/47  Retocolite ulcerativa em uso de mesalazina  Perna D  Corticoides tópicos  Cultura de tecido+; estruturas leveduriformes PAS+no AP  Iodeto de potássio 0,5g por 2 semanas e 1g por 3 semanas  Cura clínica em 5 semanas 
White et al., 20198  M/62  Coronariopata  Coxa E  Cefalexina, PDN, ciclosporina, ustequinumabe, imunoglobulina  Cultura de tecido e hemocultura+  Anfotericina B lipossomal (5 mg/kg/dia); itraconazol 600 mg/dia; anfotericina (4 mg/kg/dia); posaconazol 300 mg/dia  Cura clínica após 6 meses 
Saeed et al., 2019 9  F/35  Abuso de álcool e diabetes tipo II  Pernas, braços e abdome  PDN, doxiciclina  Cultura de tecido+; estruturas leveduriformes PAS+no AP  Anfotericina B lipossomal (5 mg/kg/dia); posaconazol 300 mg/dia; itraconazol 600 mg/dia  Cura clínica após 12 meses 
Tai et al., 2020 10  M/78  Não relatado  Braço E  Ciclosporina, micofenolato de mofetila, PDN, ustequinumabe e imunoglobulina  Cultura de tecido+  Itraconazol 200 mg/dia por 4 meses, evoluiu com insuficiência hepática e renal, iniciado iodeto de potássio  Cura clínica após 4 meses 
Caso 1  F/48  Hepatite autoimune/uso de PDN e AZA  Coxa D  Antibióticos sistêmicos e metilprednisolona  Estruturas leveduriformes PAS+no AP; epidemiologia+  Iodeto de potássio 2 g/dia por 3 meses  Melhora clínica, óbito após 3 meses por síndrome hepatorrenal 
Caso 2  M/49  Artrite psoriásica, fibrilação atrial, hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus, uso de infliximabe, sulfassalazina, prednisona, amiodarona, varfarina  Fossa antecubital D  Clindamicina e ciprofloxacino  Cultura de tecido+; pesquisa de leveduras em PAS e Grocott negativas  Itraconazol 200 mg/dia, evoluiu com síndrome hepatorrenal, iniciado iodeto de potássio 3 g/dia  Cura clínica após 2 meses 
Caso 3  M/39  Doença de Crohn em uso de metotrexato, infliximabe e loperamida  Perna E  Amoxicilina+clavulanato, clindamicina, vancomicina e cefepima, dapsona  Cultura do tecido+  Itraconazol 200 mg/dia e iodeto de potássio 2 g/dia  Cura clínica após 4 meses 

PDN, prednisona; AZA, azatioprina; DDS, dapsona; ATB, antibióticos; PAS, Periodic Acid Schiff; AP, anatomopatológico; PQT, poliquimioterapia; TB, tuberculose; IRA, insuficiência renal aguda.

Curiosamente, os casos apresentavam úlceras com maior eixo no sentido da drenagem linfática, enquanto úlceras de PG têm frequentemente formato mais arredondado. A existência de lesões satélites também ocorreu nos três casos e pode auxiliar a formulação de hipótese de esporotricose.

Embora o iodeto de potássio não seja a primeira escolha terapêutica para pacientes imunossuprimidos, ele pode ser usado como monoterapia quando há contraindicações a outros tratamentos.3,4 Em face da experiência nos dois primeiros casos, pelo efeito sinérgico dos fármacos e do relato da emergência de isolados de S. brasiliensis resistentes a itraconazol,1 optou‐se pela associação no terceiro paciente.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Lucas Campos Garcia: Concepção, revisão crítica, escrita, revisão de literatura, aprovação final do manuscrito.

Marianne de Sousa Nunes Soares: Escrita, revisão de literatura.

Gustavo Gomes Resende: Escrita, revisão de literatura.

Luciana Baptista Pereira: Concepção, revisão crítica, escrita, revisão de literatura, aprovação final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Garcia LC, Soares MSN, Resende GG, Pereira LB. Pyoderma gangrenosum‐like sporotrichosis: case series of three patients and literature review. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.10.005.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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