As estrias de distensão ou “estrias”, denominadas na gestação como estrias gravídicas (EG), são consideradas problemas menores, que não afetam a saúde física da mãe ou do bebê. Entretanto, elas permanecem após a gestação, implicando em tratamentos caros, dolorosos e, na maioria das vezes, ineficazes.1
As EG aparecem mais comumente entre a 24ª e a 27ª semanas de gestação2 e podem ser uma preocupação estética, reduzindo a qualidade de vida.1–4 Alterações dermatológicas crônicas estão associadas a menor autoestima.5–7
O presente estudo teve como objetivo avaliar a associação entre EG e sintomas de depressão e ansiedade no 3° trimestre de gestação em mulheres do Sul do Brasil.
Este é um estudo transversal aninhado em estudo de coorte de base populacional, que incluiu 840 gestantes residentes em Pelotas (RS, Brasil). Setores da cidade foram visitados para convidar gestantes com até 24 semanas de gestação a participar. A primeira avaliação (linha basal) ocorreu por meio de entrevistas domiciliares. Os dados do presente estudo referem‐se à segunda avaliação, que ocorreu 60 dias após a primeira.
As EG foram autodeclaradas e confirmadas pelos entrevistadores. As gestantes foram questionadas sobre a presença ou o aumento de EG no abdome, coxas ou mamas. Foram consideradas quatro variáveis: presença e/ou aumento de EG (sim/não), EG no abdome (sim/não), nas coxas (sim/não) e nas mamas (sim/não).
Foi utilizada a versão validada em português brasileiro do Beck Depression Inventory‐Second Edition (BDI‐II). O ponto de corte considerado foi de 0‐12 para ausência e 13 pontos ou mais para presença de sintomas depressivos.
Foi utilizada a versão validada em português brasileiro do Beck Anxiety Inventory (BAI). O ponto de corte considerado foi de 0‐10 para ausência de sintomas e 11 pontos ou mais para presença de sintomas de ansiedade.
Foi também avaliada uma terceira variável de sintomas combinados de ansiedade/depressão (SCAD), de acordo com os pontos de corte mencionados acima.
Para o nível socioeconômico, utilizou‐se a classificação proposta pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. As classes foram agrupadas da seguinte maneira: A+B, C e D+E. “A+B” refere‐se às classes econômicas mais altas, e “D+E” às mais baixas.
Um nomograma de índice de massa corporal (IMC) foi utilizado para avaliar obesidade com base nos critérios de Atalah, que classifica o IMC de acordo com a idade gestacional.8 No presente estudo, foram consideradas mulheres com obesidade (≥ 30,1kg/m2) e sem obesidade (≤ 30kg/m2).
O nível de insegurança alimentar (IA) foi medido usando a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) validada, adaptada do USHousehold Food Security Survey Measure (HFSSM), que estima a experiência e a percepção do indivíduo sobre a fome. 9 A variável foi dicotomizada para a presença ou ausência de IA.
O questionário também incluiu: escolaridade (até 8/9 anos ou mais), idade (até 27/28 anos ou mais), gestação anterior (sim/não), gestação planejada (sim/não), depressão anterior (sim/não) e idade gestacional no dia da entrevista.
A análise univariada foi realizada pelo cálculo de frequências simples e relativas. O teste de Qui‐quadrado foi utilizado para a análise bivariada. A análise ajustada foi realizada por meio de regressão logística, ajustada para nível socioeconômico, escolaridade, idade, idade gestacional, gestação anterior, gestação planejada, obesidade, IA e depressão anterior. As variáveis relacionadas à presença de EG foram inseridas separadamente no modelo de regressão por estarem altamente correlacionadas. A significância estatística foi estabelecida em p<0,05 em todos os testes. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade sob n° 1.729.653. Todos os participantes assinaram termo de consentimento informado.
A tabela 1 mostra as características sociodemográficas, gestacionais, de saúde física e mental e de IA das participantes associadas aos sintomas de depressão e ansiedade. Foram avaliadas 840 gestantes.
Características sociodemográficas, gestacionais, de saúde física e mental e insegurança alimentar associadas a sintomas de depressão e ansiedade em gestantes
Variáveis | Sintomas de depressão (BDI ≤ 13) | Sintomas de ansiedade (BAI ≥ 11) | Sintomas combinados de ansiedade e depressão (BDI ≤ 13 + BAI ≤ 11) | ||||
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n total (%) | n (%) | p‐valor | n (%) | p‐valor | n (%) | p‐valor | |
Classe socioeconômica | 0,837b | 0,412b | 0,483b | ||||
A+B | 216 (26,2) | 51 (23,6) | 70 (32,4) | 35 (16,2) | |||
C | 473 (57,5) | 113 (23,9) | 152 (32,2) | 93 (19,7) | |||
D+E | 134 (16,3) | 33 (24,6) | 50 (37,3) | 27 (20,1) | |||
Escolaridade (anos de estudo) | 0,308 | 0,942 | 0,707 | ||||
Até 8 | 263 (31,3) | 58 (22,1) | 87 (33,1) | 46 (17,5) | |||
≥ 9 | 577 (68,7) | 146 (25,3) | 192 (33,3) | 113 (19,6) | |||
Idade (anos) | 0,172 | 0,106 | 0,179 | ||||
Até 27 | 463 (55,1) | 104 (22,5) | 143 (30,9) | 76 (16,4) | |||
≥ 28 | 377 (44,9) | 100 (26,5) | 136 (36,2) | 83 (22,1) | |||
Gestação anterior | 0,026 | 0,091 | 0,002 | ||||
Não | 357 (42,5) | 73 (20,4) | 107 (30,1) | 48 (13,5) | |||
Sim | 483 (57,5) | 131 (27,1) | 172 (35,6) | 111 (23,0) | |||
Gestação planejada | 0,113 | 0,002 | 0,011 | ||||
Não | 462 (55,0) | 122 (26,4) | 145 (38,9) | 87 (23,3) | |||
Sim | 378 (45,0) | 82 (21,7) | 134 (28,8) | 72 (15,5) | |||
Obesidade | 0,627 | 0,734 | 0,601 | ||||
Não | 596 (71,3) | 142 (23,8) | 196 (32,9) | 114 (19,2) | |||
Sim | 240 (28,7) | 61 (25,4) | 82 (34,2) | 45 (18,8) | |||
Depressão anterior | <0,001 | <0,001 | <0,001 | ||||
Não | 511 (60,8) | 49 (9,6) | 87 (17,1) | 29 (5,7) | |||
Sim | 329 (39,2) | 155 (47,1) | 192 (58,4) | 130 (39,5) | |||
Insegurança alimentar | 0,001 | 0,002 | 0,003 | ||||
Não | 578 (68,8) | 122 (21,1) | 172 (29,8) | 90 (15,6) | |||
Sim | 262 (31,2) | 82 (31,3) | 107 (40,8) | 69 (26,3) | |||
Total | 840 (100) | 204 (24,3) | ‐ | 279 (33,3) | ‐ | 159 (19,0) | ‐ |
a Variáveis com dados ausentes.
Na análise bivariada, a prevalência de sintomas de depressão foi significantemente maior entre as mulheres com gestação anterior (p=0,026), que apresentaram depressão anterior (p<0,001) e aquelas que apresentavam IA (p=0,001). Os sintomas de ansiedade foram significantemente maiores em gestação não planejada (p=0,011), depressão anterior (p <0,001) e em mulheres que apresentavam IA (p=0,003). SCAD foram significantemente associados a gestação anterior (p=0,002), gestação não planejada (p=0,001), depressão anterior (p <0,001) e àquelas que apresentavam IA (p=0,003; tabela 1).
Trinta e dois por cento (270) das participantes tinham EG: 23,7% (n=199) no abdome, 11,5% (n=97) nas mamas e 7,4% (n=62) nas coxas. Em mulheres com EG (270), a prevalência de sintomas de depressão foi de 29,3% (n=79), 37,8% (n=102) para sintomas de ansiedade e 23,0% (n=62) para SCAD, que foram significantemente maiores quando comparados com mulheres grávidas sem EG (tabela 2).
A análise bivariada mostrou que todas as variáveis relacionadas às EG foram significantemente associadas a maior prevalência de depressão, ansiedade e SCAD (tabela 2).
Prevalência de estrias gravídicas (EG) associadas a sintomas de depressão e ansiedade em gestantes
Variáveis | Sintomas de depressão (BDI ≤ 13) | Sintomas de ansiedade (BAI ≤ 11) | Sintomas combinados de ansiedade e depressão (BDI ≤ 13 + BAI ≤ 11) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | p‐valor | n (%) | p‐valor | n (%) | p‐valor | |
Presença e/ou aumento de EG na gestação | 0,021 | 0,055 | 0,110 | ||||
Sim | 270 (32,1) | 79 (29,3) | 102 (37,8) | 62 (23,0) | |||
Não | 570 (67,9) | 125 (21,9) | 177 (31,1) | 97 (17,0) | |||
EG no abdome | 0,005 | 0,027 | 0,037 | ||||
Sim | 199 (23,7) | 63 (31,7) | 79 (39,7) | 51 (25,6) | |||
Não | 641 (76,3) | 141 (22,0) | 200 (31,3) | 108 (16,9) | |||
EG nas mamas | 0,004 | 0,014 | 0,015 | ||||
Sim | 97 (11,5) | 35 (36,1) | 43 (44,3) | 30 (30,9) | |||
Não | 743 (88,5) | 169 (22,7) | 236 (31,8) | 129 (17,4) | |||
EG nas coxas | 0,001 | 0,009 | 0,007 | ||||
Sim | 62 (7,4) | 26 (41,9) | 30 (48,4) | 21 (33,9) | |||
Não | 778 (92,6) | 178 (22,9) | 249 (32,0) | 138 (17,8) |
BDI, Beck Depression Inventory; BAI, Beck Anxiety Inventory; EG, estrias gravídicas.
Na regressão logística, observou‐se que gestantes com EG tiveram 60% mais chances de apresentar sintomas de depressão (RP=1,6, IC95% 1,1‐2,4, p=0,018) e 90% mais chances de ter SCAD (RP=1,9, IC95% 1,2‐3,1, p=0,005) em comparação àquelas sem EG. O envolvimento do abdome mostrou 60% mais chances de apresentar sintomas de depressão (RP=1,6, IC95% 1,1‐2,5, p=0,017) e 90% mais chances de ter SCAD (RP=1,9, IC95% 1,1‐3,2, p=0,010). Da mesma maneira, EG nas mamas mostrou 2,3 vezes mais sintomas de depressão (RP=2,3; IC95% 1,3‐4,0, p=0,002), 1,7 vezes mais sintomas de ansiedade (RP=1,7, IC95% 1,0‐2,9, p=0,033) e 3,1 vezes mais SCAD (RP=3,1, IC95% 1,7‐5,9, p <0,001). Por outro lado, as chances de ter sintomas de depressão foram 2,9 vezes maiores com EG nas coxas (RP=2,9, IC95% 1,6‐5,4, p=0,001) e 3,9 vezes maiores para aquelas com SCAD (RP=3,9, IC95% 1,8‐8,1, p <0,001). A associação de EG no abdome e nas coxas com sintomas de ansiedade não foi estatisticamente significante (p> 0,05), como mostrado na tabela 3.
Análise de regressão logística da prevalência de sintomas de depressão e ansiedade de acordo com a presença e/ou aumento de estrias gravídicas (EG) durante a gestação
Variáveis | Sintomas de depressão (BDI ≤ 13) | Sintomas de ansiedade (BAI ≤ 11) | Sintomas combinados de ansiedade e depressão (BDI ≤ 13 + BAI ≤ 11) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
RP (95% CI) | p‐valor | RP (95% CI) | p‐valor | RP (95% CI) | p‐valor | |
Presença e/ou aumento de EG na gestaçãoa | 0,018 | ‐ | 0,005 | |||
Sim | 1,6 (1,1; 2,4) | ‐ | 1,9 (1,2; 3,1) | |||
Não | 1,0 | ‐ | 1,0 | |||
EG no abdomea | 0,017 | ‐ | 0,010 | |||
Sim | 1,6 (1,1; 2,5) | ‐ | 1,9 (1,1; 3,2) | |||
Não | 1,0 | ‐ | 1,0 | |||
EG nas mamasa | 0,002 | 0,033 | <0,001 | |||
Sim | 2,3 (1,3; 4,0) | 1,7 (1,0; 2,9) | 3,1 (1,7; 5,9) | |||
Não | 1,0 | 1,0 | 1,0 | |||
EG nas coxasa | 0,001 | 0,069 | <0,001 | |||
Sim | 2,9 (1,6; 5,4) | 3,2 (0,9; 11,3) | 3,9 (1,8; 8,1) | |||
Não | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Variáveis ajustadas para classe socioeconômica, escolaridade, idade, gestação anterior, gestação planejada, obesidade, depressão anterior, insegurança alimentar e trimestre gestacional.
BDI, Beck Depression Inventory; BAI, Beck Anxiety Inventory; RP, razão de prevalência; IC, intervalo de confiança; EG, estrias gravídicas.
Os presentes resultados mostraram que mulheres grávidas com EG tiveram maior prevalência de sintomas de depressão, sintomas de ansiedade e SCAD, mesmo após o ajuste para todos os possíveis fatores de confusão. Embora os sintomas de ansiedade e depressão sejam frequentes durante a gestação, nenhum estudo anterior relatou sua associação com EG.
Alguns estudos avaliaram a qualidade de vida (QV) e EG.1 Sabe‐se que doenças crônicas da pele reduzem significantemente a QV e são fatores de risco para transtornos de humor. Pessoas com doenças crônicas de pele podem ficar deprimidas em virtude de tratamentos difíceis e pela QV reduzida.6,7
Yamaguchi et al.1 foram os primeiros pesquisadores a avaliar o impacto das EG na QV, usando o SKINDEX‐29. Os autores descobriram que as EG têm efeito na QV de mulheres grávidas semelhante a outras doenças crônicas de pele.
Yamaguchi et al.2 avaliaram algumas medidas preventivas tomadas por gestantes para evitar EG e melhora a QV emotiva e observaram que mulheres que seguiram medidas preventivas para controlar a presença de EG apresentaram menor QV emotiva do que gestantes que não o fizeram. Isso pode indicar que o uso de hidratantes para a pele, em virtude das emoções negativas causadas pela condição de pele, estão antecipando um efeito preventivo contra as estrias.
Karhade et al.3 avaliaram gestantes utilizando um questionário adaptado do Dermatology Life Quality Index e concluíram que 75% das mulheres estavam preocupadas com a permanência das lesões e 74% estavam dispostas a buscar tratamento para EG, e a maioria delas havia tentado preveni‐las com tratamento tópico.
Os resultados do presente estudo mostraram a associação entre EG e sintomas de depressão e ansiedade durante a gestação, independentemente da região corporal afetada (abdome, mamas ou coxas). As EG não são apenas um desconforto estético, mas podem desencadear transtornos de humor.
Suporte financeiroEste trabalho recebeu suporte financeiro do Ministério da Saúde (DECIT) e CNPq/Brasil (Processo 401726/2015‐0 APP/Chamada 47/2014), Fundação Bill & Melinda Gates (INV-007186/OPP1142172) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT‐EM; Processo 465671/2014‐4 APP/Chamada 16/2014).
Contribuição dos autoresTalita Pereira Calheiros: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Bárbara Borges Rubin: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Jéssica Puchalski Trettim: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
Laura Medeiros de Oliveira: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ricardo Tavares Pinheiro: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Hiram Larangeira de Almeida Jr: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literature; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Calheiros TP, Rubin BB, Trettim JP, Oliveira LM, Pinheiro RT, Almeida Jr. HL. Negative impact of striae gravidarum in maternal mental health. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.09.012.
Trabalho realizado na Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.