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Vol. 99. Issue 3.
Pages 439-442 (01 May 2024)
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Cartas ‐ Investigação
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Corticofobia e adesão ao corticoide tópico no tratamento da dermatite atópica no Sul do Brasil
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Bruna Ossanai Schoenardiea,
Corresponding author
bruna@ossanai.com

Autor para correspondência.
, Gabriela Fortes Escobara, Jéssica Pauli Damkea, Gabriel Cardozo Müllerb,c, Renan Rangel Bonamigoa,d
a Serviço de Dermatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
b Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
c Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, RS, Brasil
d Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
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Tabela 1. Resumo das características dos pacientes com DA
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Prezado Editor,

A dermatite atópica (DA) é dermatose inflamatória com prevalência elevada em todo o mundo. Em virtude da natureza crônica da DA, é imprescindível boa adesão ao tratamento. Estudos recentes em países desenvolvidos mostraram ligação entre a corticofobia e a baixa adesão ao tratamento na DA. No Brasil, poucos dados estão disponíveis sobre esse assunto.1

Trata‐se de estudo transversal realizado em um Hospital Universitário do Sul do Brasil. Foram convidados a participar pacientes subsequentes de todas as idades, que frequentaram o Ambulatório de Dermatologia, no período de junho de 2021 a março de 2022. O critério de inclusão foi diagnóstico de DA de acordo com o UK Working Party. O critério de exclusão foi nunca ter utilizado corticosteroide tópico (CST) anteriormente. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital (número 2021‐0091). Termo de consentimento informado foi fornecido e assinado pelo paciente ou pelo cuidador.

Todas as análises foram conduzidas no R Studio (versão 2022.2.2.485), ambiente para computação estatística R (versão 4.2.0). As variáveis quantitativas foram analisadas de acordo com a simetria da distribuição, expressa em média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil. Nesse contexto, foram utilizados o teste t de Student ou o teste de Mann‐Whitney para amostras independentes. Para analisar a correlação entre qualidade de vida e escores de corticofobia foram utilizados os métodos de Spearman e Kendall. Todas as análises foram bicaudais, e o valor de alfa foi estabelecido em 0,05.

O tamanho da amostra foi calculado para associar a adesão ao tratamento ao grau de corticofobia (utilizando o questionário TOPICOP – Topical Corticosteroid Phobia –) usando o programa PSS Health versão 0.1.5,2 com base nos dados de Lee et al.3 Foram estabelecidos o poder em 80% e nível de significância em 5%. Utilizando o tamanho do efeito de 0,382 encontrado por Lee et al., estimou‐se tamanho de amostra de 75 pacientes.

O TOPICOP é um questionário validado que avalia a corticofobia.1,4 É composto por 12 questões, divididas em dois domínios: preocupações e crenças.4 Todas as perguntas oferecem quatro respostas possíveis, e os resultados são apresentados em porcentagens (escores mais altos indicam maior corticofobia). Para pacientes <17 anos, o cuidador principal respondeu ao questionário TOPICOP.

Foi incluído no estudo 75 pacientes, e a média do escore TOPICOP(t) foi 41,44 (± 21,58). A tabela 1 resume as características dos pacientes.

Tabela 1.

Resumo das características dos pacientes com DA

  Crianças e adolescentes (< 17 anos)  Adultos (≥ 17 anos) 
n  38  37   
Idade, média (DP)  8,79 (5,57)  33,65 (15,57)   
Gênero (%)
Masculino  20 (52,6)  13 (35,1)   
História familiar (%)
Sim  9 (23,7)  14 (37,8)   
Parente afetado (%)
Pai  0 (0,0)  0 (0,0)   
Mãe  2 (22,2)  2 (14,3)   
Irmão(ã)  2 (22,2)  6 (42,9)   
Primo(a)  0 (0,0)  1 (7,1)   
Outro  5 (55,6)  5 (35,7)   
Nível educacional em anos, média (DP)  –  11,11 (2,69)   
Nível educacional do cuidador primário em anos, média (DP)  10,61 (3,05)  –   
Adesão autorrelatada aos CST (%)
Nem sempre  15 (39,5)  12 (32,4)  0,693 
Sempre  23 (60,5)  25 (67,6)   
Já usou CST sem receita médica (%)
Sim  17 (44,7)  23 (62,2)  0,200 
Já usou CST por período prolongado (%)
Sim  11 (28,9)  20 (54,1)  0,048 
Já usou CST com maior frequência (%)
Sim  12 (31,6)  14 (37,8)  0,744 
TOPICOP(t), média (DP)  45,18 (23,07)  37,61 (19,51)  0,130 
SCORAD (mediana [IIQ])  26,68 [18,43–45,17]  30,01 [14,26–43,26]  0,916 

Não foi encontrada associação entre corticofobia e taxas de adesão autorreferida ao tratamento (dicotomizada em dois grupos: “sempre adere completamente” e “nem sempre adere”; p=0,3797).

Os cuidadores com nível de escolaridade mais elevado apresentaram menos corticofobia [TOPICOP(t)], como mostrado na figura 1 (p=0,005132), e não houve associação entre os adultos (fig. 1; p=0,7856). Os cuidadores tiveram escores mais altos do que os pacientes adultos no TOPICOP(b) (p=0,02648; fig. 2). Adultos com maior nível de escolaridade apresentaram melhor adesão (p=0,024). Os escores do Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI, do inglês Dermatology Life Quality Index) não se correlacionaram com corticofobia; no entanto, escores mais altos no Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia Infantil (CDLQI, do inglês Children's Dermatology Life Quality Index) correlacionaram‐se com escores mais altos no TOPICOP(t) (fig. 3; p=0,0086). A ferramenta SCORAD (“SCORing Atopic Dermatitis”) não se correlacionou com o TOPICOP(t) (p=0,3189).

Figura 1.

Correlação entre nível de escolaridade e corticofobia. (A) Pacientes <17 anos; escolaridade do cuidador e TOPICOP(t). (B) Pacientes ≥ 17 anos; nível educacional do paciente e TOPICOP(t). *Nível de escolaridade do cuidador; EM, Ensino Médio.

(0.2MB).
Figura 2.

Comparação da corticofobia entre faixas etárias. a, anos.

(0.09MB).
Figura 3.

Correlação entre índices de qualidade de vida e corticofobia. (A) CDLQI e TOPICOP(t). (A) DLQI e TOPICOP(t).

(0.11MB).

Foram avaliadas fontes de informação sobre CST (foi permitida mais de uma opção) e apenas 65,33% (n=49) responderam que obtiveram informações de um dermatologista. Os pacientes que relataram obter informações de amigos e familiares (10,66%; n=8) apresentaram menos corticofobia do que aqueles que não o fizeram, na análise univariada (p=0,028). Contudo, o presente estudo não teve poder suficiente para realizar análise multivariada, e essa informação precisa ser confirmada com estudos adicionais.

Os escores TOPICOP(t) entre os cuidadores foram semelhantes àqueles descritos anteriormente.5,6 Os escores gerais do TOPICOP(t) foram mais altos do que aqueles relatados por Stalder et al.1 em São Paulo, Brasil (média=33,5). Entretanto, aproximadamente metade dos pacientes do presente estudo tinha menos de 17 anos, o que pode explicar mais corticofobia, e o tamanho da amostra em Stalder et al. era pequeno (n=48). Além disso, o Brasil é um país com diferenças sociais, educacionais e culturais substanciais entre suas regiões e estados. Escores TOPICOP(t) mais elevados entre os cuidadores do que entre os pacientes adultos indicam que muitas vezes os pais estão mais preocupados com a saúde de seus filhos do que com a sua própria. Um estudo português recente não encontrou resultados semelhantes; entretanto, os dois estudos utilizaram pontos de corte diferentes para separar crianças/adolescentes de adultos,7 e as populações avaliadas eram distintas (pacientes da Europa Ocidental em comparação com pacientes de um país em desenvolvimento da América do Sul). Também não avaliaram adesão ou qualidade de vida.

Não foi encontrada associação entre corticofobia e adesão. Vale ressaltar que a adesão foi avaliada retrospectivamente, em virtude de limitações metodológicas, o que poderia resultar em viés de recordação, e foi autorrelatada pelos pacientes, o que poderia gerar viés de resposta.

Associação entre corticofobia e adesão ao tratamento foi descrita anteriormente,3 mas ainda não é um consenso.8 Curiosamente, um estudo de Mueller et al. descobriu que a corticofobia medida pela escala visual analógica (EVA) estava associada a pior adesão; entretanto, ao aplicar o questionário TOPICOP na mesma amostra isso não ocorreu.9 Ainda não foi definido ponto de corte nos escores do TOPICOP que possa ser classificado como clinicamente relevante.5

Frequentemente são atendidos pacientes no Sul do Brasil que não sabem que uma formulação específica contém esteroides. Portanto, embora as taxas de corticofobia tenham sido comparáveis àquelas observadas em países desenvolvidos, é possível que não afetem no mesmo grau a adesão ao tratamento no Brasil por esse motivo.

Diferentemente do presente estudo, trabalhos anteriores descreveram associação entre nível educacional e corticofobia.5 No entanto, existe a possibilidade de que características culturais possam estar envolvidas, uma vez que a maioria dos estudos foi realizada em países ocidentais do Hemisfério Norte. Um estudo chinês não encontrou nenhuma associação.8

O presente estudo sugere que as pessoas que obtêm informações sobre CST de amigos e familiares podem ter menos corticofobia, o que está de acordo com Song et al.10 Isso é especialmente relevante no Brasil, onde os CST são vendidos livremente em farmácias, sem necessidade de receita médica. Mais da metade dos pacientes do presente estudo compraram CST sem receita médica no passado. Apenas 65% responderam que o dermatologista era uma de suas principais fontes de informação. Isso indica a necessidade de educar melhor os pacientes ao prescrever tratamento para DA. Curiosamente, um recente estudo português encontrou associação inversa entre educação em saúde e a corticofobia.7

Parece não haver associação entre corticofobia e adesão ao tratamento no Sul do Brasil. Além disso, níveis educacionais mais baixos estão associados ao maior grau de corticofobia entre cuidadores de crianças e adolescentes com DA e menor adesão entre adultos.

Suporte financeiro

Este projeto recebeu financiamento do Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

G.C. Müller recebeu honoráros da Organização Mundial de Saúde (OMS – OPAS) como consultor.

Contribuição dos autores

Bruna Ossanai Schoenardie: A concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Gabriela Fortes Escobar: A concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Jéssica Pauli Damke: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão final do manuscrito.

Gabriel Cardozo Müller: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão final do manuscrito.

Renan Rangel Bonamigo: A concepção e o desenho do estudo; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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J.F. Stalder, H. Aubert, E. Anthoine, M. Futamura, D. Marcoux, M.A. Morren, et al.
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Steroid phobia among general users of topical steroids: a cross‐sectional nationwide survey.
J Dermatolog Treat., 30 (2019), pp. 245-250

Como citar este artigo: Ossanai Schoenardie B, Fortes Escobar G, Pauli Damke J, Müller GC, Bonamigo RR. Corticophobia and adherence to topical corticosteroids in atopic dermatitis treatment in southern Brazil. An Bras Dermatol. 2024;99:439–42.

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

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