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Páginas 502-504 (01 Julho 2021)
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Carta ‐ Investigação
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Comparação da cardiotoxicidade entre N‐metil‐glucamina e miltefosina no tratamento da leishmaniose tegumentar americana
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Daniel Holanda Barrosoa,
Autor para correspondência
Danielhbarroso@unb.br

Autor para correspondência.
, Ciro Martins Gomesa, Antônia Marilene da Silvaa, Raimunda Nonata Ribeiro Sampaioa,b
a Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brazil
b Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília, Brasília, DF , Brazil
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Tabela 1. Riscos relativos comparando pacientes tratados com NMG e M
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Prezado Editor,

A N‐metil‐glucamina (NMG) constitui a primeira opção terapêutica para a leishmaniose tegumentar americana (LTA), mas causa muitos efeitos adversos. Uma das complicações mais graves e temidas é a morte súbita, causada por alterações eletrofisiológicas cardíacas associadas no eletrocardiograma (ECG) ao prolongamento do QT corrigido pela fórmula de Bazeett (QTc).1–3A toxicidade dos antimoniais, a ocorrências de recidivas da doença e a resistência a essas substâncias estimularam a busca por outros fármacos ou esquemas terapêuticos mais eficazes para o tratamento da LTA.4 Dessa situação surgiu a miltefosina (hexadecilfosfocolina), que se mostrou efetiva contra várias espécies de Leishmania e outros protozoários.5,6 O medicamento ativa o mecanismo de morte celular programada, inibindo a síntese de fosfatidilcolina, importante para a síntese e integridade da membrana celular.5

Esse medicamento tem potencial teratogênico, o que requer controle da natalidade durante a gestação e até dois meses após o tratamento.4

Realizou‐se um estudo de coorte retrospectivo em dados dos registros de ECG de pacientes tratados para LTA (20mg SbV/kg/dia durante 20 dias para leishmaniose cutânea e 30 dias para a leishmaniose mucosa) ou miltefosina (1,3 a 2mg/kg/dia – duas cápsulas por dia por 28 dias), acompanhados com ECG semanal em Serviço de Dermatologia entre 2008 e 2013.

Os critérios de inclusão foram pacientes tratados para LTA com idade entre 18 e 85 anos, sem uso de quaisquer outras medicações no momento e que não tivessem sido tratados para LTA nos últimos seis meses. Os critérios de exclusão foram gestantes, portadores de doença renal ou hepática crônicas, cardiopatias graves ou outras doenças ou uso de substâncias que pudessem interferir no ECG.

Os pacientes incluídos foram divididos em dois grupos: 1 – tratados com NMG; 2 – tratados com miltefosina (M). Foram comparados nos grupos o risco relativo e o percentual de alterações no EGC durante o tratamento (ritmo e frequência cardíaca, onda P, complexo QRS, intervalo de risco relativo RR, presença ou ausência de arritmias e intervalo QTc). Foi adotada para a frequência cardíaca a faixa de normalidade entre 60 bpm e 100 bpm, e o limite para o QTc de 440ms para ambos os sexos (tabela 1).7

Tabela 1.

Riscos relativos comparando pacientes tratados com NMG e M

  BradicardiaQTC>440 msArritmiasa
  RR (IC 95%)  RR (IC 95%)  RR (IC 95%) 
Dia 7             
NMG  1,14 (0,31–4,23)  0,87  0,25 (0,07–0,94)  0,04  0,85 (0,08–8,74)  0,87 
     
Dia 14             
NMG  0,53 (0,07–3,66)  0,58  6,58 (0,41–105,36)  0,18  1,93 (0,10–37,44)  0,66 
     
Dia 21             
NMG  1,94 (0,12–31,74)  0,64  7,22 (0,45–115,33)  0,16  2,94 (0,16–55,31)  0,47 
     
Dia 28             
NMG  0,36 (0,03–4,54)  0,53  0,54 (0,04–7,25)  0,70  0,13 (0,006–2,86)  0,20 
     

IC, intervalo de confiança; RR, risco relativo.

a

Arritmias encontradas: extrassístoles ventriculares isoladas.

As variáveis foram expressas em frequência, e a comparação entre os grupos foi feita pelo uso do teste de Qui‐Quadrado ou pelo teste exato de Fisher quando mais de 20% das caselas apresentaram frequência esperada inferior a 5. Considerou‐se significativo p<0,05. Empregou‐se um modelo multivariado e RR com intervalo de confiança (IC) de 95%, calculados para analisar a intensidade da associação entre cada variável independente e a proporção de efeitos adversos.

Foram analisados os prontuários de 111 pacientes com recuperação dos dados epidemiológicos e eletrocardiográficos de 53 indivíduos, dos quais 38 foram tratados com NMG e 15 com M.

A média de idade no grupo NMG foi de 48,4±16,29 anos, enquanto no grupo M foi de 58,4±9,16 anos, e mostrou‐se diferente entre os grupos (p=0,033). No grupo NMG, 23 (60,5%) pacientes eram do sexo masculino, e no grupo M foram sete (46,7%) (p=0,37).

No sétimo dia de tratamento (D7), 11,4% dos integrantes do grupo NMG e 33,3% do grupo M apresentaram QTc alargado. No décimo quarto dia (D14), 26,6% do grupo NMG apresentavam QTc alargado, mas nenhum do grupo M. A tendência se manteve no vigésimo primeiro dia (D21), já que 35,3% do grupo NMG apresentaram QTc alterado enquanto não houve alterações no grupo M. Quanto à frequência cardíaca, 28,9% dos pacientes do grupo NMG e 26,6% do grupo MTF apresentaram bradicardia durante o tratamento.

Antes do tratamento, 16 (21%) pacientes do grupo NMG e 37,5% do grupo da M apresentavam bradicardia (RR=0,59; IC 95%: 0,17 a 1,99; p=0,44). O QTc encontrava‐se alargado em 13,51% do grupo NMG e em 6,66% do grupo M (RR=2,02; IC 95%: 0,26 a 15,93; p=0,5495).

A única diferença significativa entre os grupos foi evidenciada no D7 de tratamento, quando os pacientes tratados com miltefosina apresentaram mais frequentemente QTc>440 (RR=0,25; IC 95%: 0,07 a 0,94); p=0,04 (tabela 1).

Estudos anteriores já haviam mostrado que a miltefosina pode aumentar o intervalo QT durante o tratamento, quando comparado como os valores basais.8 O prolongamento QT ≥ 440 ms traduz um aumento exagerado do potencial de ação, levando a não homogeneidade da matriz elétrica ventricular, favorecendo o aparecimento de fenômenos de reentrada, além de favorecer despolarizações diastólicas precoces e atividade “trigada”. Esse prolongamento do QT se associa ao Torsades de pointes, uma taquicardia ventricular polimórfica que pode exibir degeneração em fibrilação ventricular, configurando o mecanismo arrítmico de morte súbita.3,9

Ao contrário do esperado, uma proporção maior de pacientes que fez uso de miltefosina apresentou QTc>440ms no D7, mas essa diferença não se manteve nas segunda e terceira semanas.

O envelhecimento é fator de alterações eletrocardiográficas, e os pacientes do grupo M tinham maior média de idade.10 Mas, por outro lado, essas alterações já estavam presentes no pré‐tratamento, o que nos leva a crer que a idade não tenha tido papel determinante nas alterações. Outra limitação é a realização de múltiplos testes, que pode aumentar a taxa de erros do tipo 1.11

Diante do resultado que sugere cardiotoxicidade da M no contexto da atual tendência do tratamento da LTA com a associação de substâncias potencialmente cardiotóxicas (antimoniais, anfotericina), esse achado deve ser mais bem estudado em esquemas com combinações de fármacos. Este parece ser o primeiro estudo a evidenciar alterações de ECG da M ao longo do tratamento.4 Esses achados, entretanto, têm caráter exploratório e merecem ser confirmados por estudos com maior número de pacientes.

Suporte financeiro

A Sociedade Brasileira de Dermatologia, por meio da Funaderme e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP‐DF), número 0193.001447/2016, agradece pelo apoio financeiro.

Contribuição dos autores

Daniel Holanda Barroso: Escreveu o manuscrito análise dos dados.

Ciro Martins Gomes: Revisou o manuscrito; realizou exames de biologia molecular e analisou os dados.

Antônia Marilene da Silva: Escreveu o manuscrito e analisou os dados cardiológicos.

Raimunda Nonata Ribeiro Sampaio: Analisou os dados; escreveu e revisou o manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimentos

A Sofia Salles Martins e Camille Bresolin Pompeu, pelo apoio operacional.

Referências
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Ministério da Saúde, Departamento de Vigilância, Epidemiológica., Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana, atualizada., Brasília: Ministério da Saúde;. 2017
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Como citar este artigo: Barroso DH, Gomes CM, Silva AM, Sampaio RNR. Comparison of cardiotoxicity between N‐methyl‐glucamine and miltefosine in the treatment of American cutaneous leishmaniasis. An Bras Dermatol. 2021;96:502–4.

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Brasília e no Laboratório de Dermatomicologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

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