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Cartas ‐ Caso clínico
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Disponível online em 28 de abril de 2025
Comprometimento ungueal por doença relacionada à imunoglobulina‐4 (IgG4) em pessoa vivendo com HIV
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Valéria Lukenczuk Saida,
Autor para correspondência
valeria_luk@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Monique Freire dos Reisb, Tiago Vencato da Silvac, Virgínia Vilasboas Figueirasa, Nathália Matos Gomesa
a Departamento de Dermatologia, Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil
b Departamento de Patologia e Medicina Legal, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil
c Laboratório de Patologia Bacchi Ltda., Botucatu, SP, Brasil
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Recebido 23 Julho 2024. Aceite 09 Setembro 2024
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Prezado Editor,

A doença relacionada à imunoglobulina‐4 (IgG4) é distúrbio imunomediado caracterizado pela presença de infiltrado linfoplasmocitário rico em plasmócitos tissulares IgG4 positivos e elevação sérica de IgG4. Essa condição causa inflamação com fibrose e apresenta‐se com sintomas variados a depender do órgão acometido. Em geral, afeta pâncreas, glândulas salivares, glândulas lacrimais, trato biliar e peritônio. O envolvimento cutâneo é raro e ocorre mais frequentemente na mandíbula, queixo e região cervical. Esta é a primeira descrição na literatura acometendo o aparato ungueal.1

Paciente do sexo masculino, de 47 anos, vivendo com HIV, apresentando CD4 de 349 células e carga viral indetectável, queixava‐se de alterações ungueais progressivas nos últimos dois meses, assintomáticas e sem melhora após automedicação com pomadas. Na história pregressa, havia tratamento para tuberculose pulmonar e onicomicose. Ao exame, notava‐se tumefação na dobra ungueal proximal, ulceração do leito e completo desaparecimento da placa ungueal do quarto quirodáctilo de mão direita, além de onicodistrofia nas demais unhas (fig. 1). A onicoscopia da lesão demonstrou vascularização irregular do leito ungueal (fig. 2). Não havia outras lesões de pele ou alterações no sistema linfático, cardiovascular, respiratório ou do trato gastrintestinal.

Figura 1.

Manifestação clínica da Doença relacionada à IgG4 na unha. (A) Comprometimento importante do aparato ungueal, com tumefação em dobra ungueal proximal, ulceração do leito e completo desaparecimento da placa ungueal. (B) Onicodistrofia nas demais placas ungueais.

(0.23MB).
Figura 2.

Onicoscopia da doença relacionada à IgG4 na unha: erosão e vascularização irregular do leito ungueal.

(0.14MB).

A biopsia de pele foi realizada e enviada para microscopia tecidual, cultura e histopatologia. O exame microbiológico foi negativo para fungos e BAAR. O exame histopatológico evidenciou pele ulcerada com infiltrado dérmico linfoplasmocitário, de permeio a granulócitos, eosinófilos e extensas áreas de fibrose. A reação de imuno‐histoquímica confirmou presença de plasmócitos IgG4+> 200/campo de grande aumento (CGA), com razão de IgG4+/IgG > 40% (fig. 3). Histoquímica adicional não evidenciou organismos fúngicos ou bactérias. Além disso, a IgG4 sérica estava aumentada (434mg/dL). Os exames laboratoriais, com exceção do VHS (10mm), foram normais ou negativos: hemograma; bioquímica; VDRL; anti‐LA; C‐anca; P‐anca; anti‐DNA e PCR. Não havia comprometimento ósseo ao raio‐X. Foram realizados exames de tomografia computadorizada do tórax, abdome e pelve, que detectaram distorção arquitetural em ápices pulmonares, em virtude de faixas de atelectasias e bronquiectasias de permeio, além de múltiplas linfonodomegalias retroperitoniais calcificadas, sugerindo infecção granulomatosa prévia. O paciente foi submetido a duas sessões de infiltração intralesional com acetonido de triancinolona 2,5mg/mL, apresentando melhora completa da lesão, sem perda da funcionalidade do membro (fig. 4), e segue em acompanhamento multidisciplinar.

Figura 3.

Exame histopatológico da lesão ungueal. (A) Epiderme ulcerada, com derme exibindo denso infiltrado inflamatório perivascular, perianexial e intersticial, superficial e profundo em meio a áreas de fibrose (Hematoxilina & eosina, 40×). B, Infiltrado inflamatório constituído predominantemente por plasmócitos, de permeio a linfócitos e eosinófilos (Hematoxilina & eosina, 100×). Exame imuno‐histoquímico evidenciando aumento da relação IgG4/IgG > 200 plasmócitos IgG4 positivos por campo de grande aumento (em C, IgG; em D, IgG4).

(1.81MB).
Figura 4.

Resultado do tratamento da doença relacionada à IgG4 na unha: melhora importante com manutenção funcional do dedo.

(0.1MB).

O comprometimento cutâneo na doença relacionada à IgG4 refere‐se a lesões tumorais em virtude de processo inflamatório local na pele. A prevalência de lesões cutâneas nessa condição varia entre 4,2% e 6,3% e são descritas mais comumente como pápulas, placas ou nódulos subcutâneos na região da cabeça e pescoço associados a doença sistêmica, em homens de meia idade.2 Apresentação primária na pele, como neste caso descrito, é raríssimo.3 Recentemente, foi relatado um caso semelhante na literatura de paciente vivendo com HIV, com a forma cutânea da doença relacionada à IgG4, apresentando lesão única ulcerada na região inguinal, sem qualquer envolvimento de outros órgãos.4

Segundo o Consenso de 2020 de Revisão e Critérios Diagnósticos da Doença relacionada à IgG4, existem três domínios para estabelecer seu diagnóstico: 1) características clínicas e radiológicas: um ou mais órgãos demonstrando edema difuso ou localizado ou tumoração ou nódulo característico; 2) diagnóstico sorológico: níveis sorológicos de IgG4 > 135mg/dL; e 3) diagnóstico patológico: positividade para dois dos seguintes três critérios: a) denso infiltrado de linfócitos e plasmócitos com fibrose; b) razão de plasmócitos IgG4+/IgG > 40% e o número de células IgG4 > 10/CGA; c) presença de fibrose estoriforme ou flebite obliterativa.2 O diagnóstico é definitivo quando contempla os três domínios; provável quando contempla apenas o critério clínico e patológico; e possível quando contempla o critério clínico e sorológico.5 O paciente do presente caso preencheu todos os critérios, enquadrando‐se como diagnóstico definitivo de doença relacionada à IgG4.

Os esteroides sistêmicos são os agentes de primeira linha para a indução da remissão da doença, porém apresentam altas taxas de recidiva ao desmame. Outros tratamentos já descritos incluem excisão cirúrgica, corticosteroide tópico, azatioprina, rituximabe e metotrexato.6–8 Como o paciente relatado tinha apenas envolvimento do aparato ungueal, acredita‐se que a terapia local foi suficiente, não sendo necessária a utilização de terapia sistêmica. O paciente segue em acompanhamento multidisciplinar.

Em síntese, por meio do caso atípico descrito, espera‐se contribuir para o aumento da suspeição diagnóstica da doença relacionada à IgG4 quanto aos diagnósticos diferenciais das patologias ungueais. Adicionalmente, reforça‐se a importância da correlação clínico‐patológica acurada para diagnóstico preciso.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Valéria Lukenczuk Said: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Monique Freire: Revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

tiago vencato da silva: análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Virginia Vilasboas Figueiras: Revisão crítica da literatura; análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Nathalia Matos Gomes: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Said VL, Reis MF, Silva TV, Figueiras VV, Gomes NM. Nail involvement due to immunoglobulin G4 (IgG4)‐related disease in a person living with HIV. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.09.007.

Trabalho realizado na Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil.

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