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Vol. 97. Núm. 3.
Páginas 369-371 (Maio - Junho 2022)
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Cutis verticis gyrata: achado cutâneo na acromegalia
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Giullia Menuci Chianca Landenbergera, Bárbara Roberta Ongarattib, Júlia Fernanda Semmelmann Pereira‐Limaa,b, Miriam da Costa Oliveiraa,b,
a Centro de Neuroendocrinologia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
b Programa de Pós‐Graduação em Patologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
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Resumo

A acromegalia é doença rara, caracterizada por alterações nos sistemas ósseo e de tecidos moles, induzida por excesso de hormônio de crescimento e fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1. Dentre as lesões dermatológicas associadas à acromegalia, está cutis verticis gyrata, caracterizada por hipertrofia e dobras grosseiras da pele do couro cabeludo, uma associação de incidência incomum e prevalência desconhecida. Relatamos aqui o caso de um paciente com diagnóstico de acromegalia aos 60 anos, com cutis verticis gyrata previamente não identificada. Este relato tem como objetivo revisar a literatura sobre cutis verticis gyrata e sua associação incomum com a acromegalia.

Palavras‐chave:
Acromegalia
Couro cabeludo
Hormônio do crescimento
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Relato do caso

Homem negro de 60 anos foi encaminhado a um centro de neuroendocrinologia ambulatorial terciário por suspeita de acromegalia. Apresentava diabetes mellitus tipo 2, diagnosticado aos 40 anos, com neuropatia diabética e retinopatia, em uso de insulina e metformina. Apresentava hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. O número de seus sapatos havia aumentado aos 40 anos. O paciente relatou uma fratura do colo do fêmur aos 53 anos, após uma queda; a densitometria mineral óssea mostrava osteoporose da coluna lombar. Na história familiar havia diabetes mellitus e obesidade.

Ao exame físico, altura de 182cm, IMC de 26,1 kg/m2, prognatismo e alargamento das extremidades, aumento das dobras e sulcos cutâneos, aumento da sudorese cutânea; à percussão dos nervos medianos, sinal de Tinel bilateralmente positivo, voz grave. Foram observadas convoluções no couro cabeludo nas regiões parietal e occipital (fig. 1). As alterações observadas no couro cabeludo foram igualmente identificadas na ressonância magnética do crânio (figs. 2 e 3). Quando questionado, o paciente relatou que seu barbeiro de longa data referia dificuldade em cortar os cabelos devido a “irregularidades” no couro cabeludo.

Figura 1.

Aspecto clínico do couro cabeludo.

Figura 2.

Ressonância magnética do crânio. (A), Corte sagital. (B), Corte coronal, demonstrando ondulações na pele.

Figura 3.

(A e B), Reconstrução tridimensional (3D) cerebriforme da pele a partir da ressonância magnética do segmento cefálico.

O diagnóstico de acromegalia foi confirmado pelo fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF‐1) de 734 ng/mL (intervalo de referência 81‐225 ng/mL) e hormônio do crescimento (GH) 21,5 ng/mL (intervalo de referência <3 ng/mL). Não havia evidência clínica ou laboratorial de hipopituitarismo. A ressonância magnética da região selar evidenciou lesão hipofisária à direita de 1,3 × 0,7cm no maior eixo e envolvimento do seio cavernoso direito. O paciente foi submetido a ressecção hipofisária transesfenoidal, com confirmação patológica de adenoma hipofisário, imuno‐histoquímica positiva para GH, prolactina e hormônio estimulador da tireoide (TSH) e índice KI‐67 positivo em 2% das células neoplásicas. Em virtude da lesão residual e da permanência da hipersecreção de GH/IGF‐1, o paciente iniciou uso de 30 mg/mês de análogo da somatostatina (octreotida), após controle bioquímico do excesso hormonal.

Discussão

Cutis verticis gyrata (CVG) é o termo que descreve a hipertrofia e o dobramento grosseiro da pele do couro cabeludo, alternando cristas e sulcos profundos que mimetizam o aspecto cerebriforme, isto é, os giros cerebrais. A CVG é classificada como primária quando a etiologia é desconhecida ou tem causa neurológica. A acromegalia é uma das causas secundárias de CVG, juntamente com doenças locais do couro cabeludo, paquidermoperiostose, síndromes genéticas, doenças sistêmicas, outras endocrinopatias e uso de minoxidil ou testosterona.1–3 CVG é uma condição rara, com prevalência de 0,026 a 0,1 em 100.000; relatos de associação com acromegalia são ainda mais raros.4

O número de dobras, normalmente moles e esponjosas, pode variar.1 As dobras cutâneas na CVG primária são geralmente simétricas, seguem direção anteroposterior e costumam envolver o vértice e o occipital, embora todo o couro cabeludo possa ser afetado. Na CVG secundária, as dobras costumam ser assimétricas, não seguindo a direção longitudinal.5 As dobras não são facilmente aplainadas por tração ou pressão.3,6 As áreas do couro cabeludo afetadas na acromegalia são múltiplas, envolvendo desde as regiões frontal, frontoparietal e parieto‐occipital até “da fronte à nuca” e, eventualmente, afetam a glabela e a ponte nasal.1–3,5–8

Enquanto o gênero masculino é amplamente mais afetado nos casos de CVG primária, na proporção de 5‐6:1, essa predominância não está bem estabelecida nos casos secundários.9

Schunter et al. propuseram que níveis excessivos de GH e IGF‐1 estão crucialmente envolvidos na patogênese da CVG na acromegalia, agindo em células‐alvo cutâneas, especialmente fibroblastos dérmicos.7

A deposição de colágeno que caracteriza a CVG é prolongada e progressiva, mas é uma condição benigna, com repercussões limitadas à estética ‐ consequentemente, possível dano emocional e eventual complicação infecciosa da pele, principalmente fúngica, em virtude da difícil higiene dos sulcos. O tratamento consiste em higiene local e ressecção cirúrgica do excesso de pele em casos de desconforto cosmético.

O caso atual não requer manejo específico para CVG, mas chama a atenção para a possibilidade dessa complicação, no contexto de uma doença rara e crônica como a acromegalia.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Giullia Menuci Chianca Landenberger: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Bárbara Roberta Ongaratti: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Júlia Fernanda Semmelmann Pereira‐Lima: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Miriam da Costa Oliveira: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Isolated cutis verticis gyrata of the glabella and nasal bridge: a case report and review of the literature.
J Plast Reconstr Aesthet Surg., 66 (2013), pp. 1421-1423
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Visual vignette. Cutis verticis gyrata (CVG) in acromegaly.
Endocr Pract., 8 (2002), pp. 475
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J.A. Schunter, D. Metze, M. Böhm.
Is IGF‐1 a key player in the pathogenesis of acromegaly‐associated cutis verticis gyrata?.
Exp Dermatol., 26 (2017), pp. 85-86
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C. Yerawar, T. Bandgar, A. Lila, N.S. Shah.
Acromegaly presenting as cutis verticis gyrata.
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F. Larsen, N. Birchall.
Cutis verticis gyrata: three cases with different aetiologies that demonstrate the classification system.
Australas J Dermatol., 48 (2007), pp. 91-94

Como citar este artigo: Landenberger GMC, Ongaratti BR, Pereira‐Lima JFS, Oliveira MC. Cutis verticis gyrata: a cutaneous finding in acromegaly. An Bras Dermatol. 2022;97:369–71.

Trabalho realizado no Centro de Neuroendocrinologia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

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