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Vol. 96. Núm. 1.
Páginas 114-116 (Janeiro - Fevereiro 2021)
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Vol. 96. Núm. 1.
Páginas 114-116 (Janeiro - Fevereiro 2021)
Carta ‐ Caso clínico
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Eritema anular centrífugo associado à ingestão crônica de amitriptilina
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Diego Fernandez‐Nieto
, Daniel Ortega‐Quijano, Juan Jimenez‐Cauhe, Sonia Bea‐Ardebol
Departamento de Dermatologia, Hospital Universitario Ramón y Cajal, Madri, Espanha
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Prezado Editor,

Uma mulher de 41 anos procurou cuidados médicos devido a um exantema levemente pruriginoso que havia aparecido dois meses antes. A paciente vinha apresentando episódios semelhantes nos últimos cinco anos, tendo sido tratada com corticosteroides tópicos e ciclos curtos de metilprednisolona. Cada novo episódio durou mais e foi mais extenso do que o anterior. A paciente negou febre ou quaisquer sintomas sistêmicos; relatava história de enxaqueca tratada com amitriptilina por cinco anos e uso ocasional de anti‐inflamatórios. O uso de amitriptilina foi iniciado duas semanas antes do primeiro aparecimento das lesões cutâneas, mas a paciente não associou os dois eventos. O exame físico revelou placas anulares e policíclicas, com descamação e clareamento na parte central, predominantemente nos membros inferiores (fig. 1). Foi realizada biópsia de pele da borda da lesão, evidenciando discreto edema da derme papilar, espongiose, exocitose linfocitária e infiltrado linfo‐histiocitário perivascular “em manguito” (fig. 2). A coloração pelo método do ácido periódico de Schiff (PAS) não mostrou formas fúngicas. A cultura para fungos foi negativa. Testes laboratoriais, incluindo hemograma completo, testes de função renal e hepática, testes sorológicos para VHB, VHC, HIV, Borrelia e sífilis, ANA, titulação de ASLO, fator reumatoide, complemento, níveis de IgE, proteinograma, β‐2 microglobulina e teste de função tireoidiana foram normais. A radiografia de tórax, o teste cutâneo de Mantoux e a ultrassonografia abdominopélvica foram normais. Esses achados eram consistentes com eritema anular centrífugo (EAC) do tipo superficial.

Figura 1.

Placas eritematosas anulares com descamação localizada nas coxas e pernas.

Figura 2.

Espongiose leve, exocitose de linfócitos, edema da derme papilar e infiltrado linfo‐histiocitário perivascular com aspecto em “manguito”. Nenhum eosinófilo foi observado (Hematoxilina & eosina, 100×).

Suspendeu‐se a administração de amitriptilina e prescreveu‐se creme de furoato de mometasona a 0,1%, com melhora moderada na visita de acompanhamento de um mês. Fluconazol 100mg/dia foi prescrito por quatro semanas. Devido à ineficácia, o tratamento foi alterado para eritromicina 250mg, quatro vezes ao dia, por quatro semanas. Após esse tratamento, a paciente apresentou resposta quase completa. No período de acompanhamento de um ano, algumas recorrências menores foram observadas, que exigiram apenas cursos curtos de corticosteroides tópicos. O teste de reexposição à amitriptilina oral foi recusado pela paciente.

O EAC é classificado como um eritema reacional, juntamente com o eritema crônico migratório, o eritema marginado e o erythemagyratum repens. A distinção entre esses três eritemas é feita através da correlação clinicopatológica. O EAC é dividido em formas superficiais e profundas.1 A forma superficial geralmente tem bordas descamativas, tendendo a se formar em torno da lesão anular. A forma profunda tem bordas endurecidas não descamativas, sem alterações epidérmicas acentuadas. O tipo superficial está associado a recorrências e a uma duração mais curta das lesões cutâneas em comparação com o tipo profundo.1 O diagnóstico diferencial comum inclui outros eritemas anulares, como o eritema crônico migratório, micose fungoide, urticária, psoríase, tinha do corpo e sarcoidose anular. A histopatologia mostra um infiltrado linfo‐histiocitário perivascular em ambos os tipos, superficial e profundo, de EAC. No tipo superficial, há inflamação perivascular e edema na derme superior. Podem ser observadas alterações epidérmicas como acantose, espongiose e até vesiculação. No tipo profundo, o infiltrado perivascular é encontrado na derme média e inferior, com aspecto em “manguito”.1 Edema e alterações epidérmicas são incomuns.

Acredita‐se que o EAC represente uma manifestação cutânea de uma reação de hipersensibilidade do tipo IV a várias etiologias; entretanto, muitos casos são idiopáticos. O tratamento e a erradicação da doença subjacente, se houver, geralmente são eficazes. O EAC tem sido associado a infecções bacterianas, parasitárias, virais e fúngicas. Distúrbios endócrinos e imunológicos como doença de Graves, tireoidite de Hashimoto e síndrome de Sjögren foram relatados.2 Quando ocorre em um contexto paraneoplásico, ele geralmente precede (46% dos casos) ou é simultâneo no prazo de um mês (33% dos casos) à descoberta do câncer relacionado.3 O EAC geralmente apresenta resolução após o tratamento do câncer, e a recorrência está associada à recidiva do tumor.3 O EAC também foi relacionado ao uso de medicamentos, incluindo hidroxicloroquina, hidroclorotiazida, espironolactona, cimetidina, salicilatos, piroxicam, penicilina, ustekinumabe e amitriptilina.2

A amitriptilina tem sido considerada classicamente uma causa típica de EAC desde sua associação comprovada em 1999 por García‐Doval et al.4 Entretanto, este é o único caso relatado na literatura médica. No presente caso, a amitriptilina foi considerada a causa do EAC em decorrência de sua associação temporal e relato anterior. No entanto, a suspensão do medicamento não resolveu o EAC. A cronicidade de ingestão desse medicamento (cinco anos de duração) pode ter desencadeado uma resposta imune sustentada que permaneceu mesmo após a suspensão da amitriptilina. Outra explicação possível é que a amitriptilina não estava relacionada ao EAC, que era, em vez disso, idiopático ou associado a um foco bacteriano oculto. Eritromicina e azitromicina foram relatadas como terapia segura e eficaz para EAC, como neste caso.5 Esses antibióticos podem ter efeito sobre um foco bacteriano oculto ou atuar em razão de seu efeito anti‐inflamatório.

Em conclusão, o EAC crônico relacionado ao uso de medicamentos pode persistir mesmo após a descontinuação da substância. Os macrolídeos são uma terapia segura e eficaz para EAC.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Diego Fernandez‐Nieto: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Daniel Ortega‐Quijano: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Juan Jimenez‐Cauhe: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Sonia Bea‐Ardebol: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
D.H. Kim, J.H. Lee, J.Y. Lee, Y.M. Park.
Erythema Annulare Centrifugum: Analysis of Associated Diseases and Clinical Outcomes according to Histopathologic Classification.
Ann Dermatol., 28 (2016), pp. 257-259
[2]
V.D. Mandel, B. Ferrari, M. Manfredini, F. Giusti, G. Pellacani.
Annually recurring erythema annulare centrifugum: a case report.
J Med Case Rep., 9 (2015), pp. 236
[3]
H.M. Chodkiewicz, P.R. Cohen.
Paraneoplastic erythema annulare centrifugum eruption: PEACE.
Am J Clin Dermatol., 13 (2012), pp. 239-246
[4]
I. García-Doval, C. Peteiro, J. Toribio.
Amitriptyline‐induced erythema annulare centrifugum.
Cutis., 63 (1999), pp. 35-36
[5]
K. Sardana, S. Chugh, K. Mahajan.
An observational study of the efficacy of azithromycin in erythema annulare centrifugum.
Clin Exp Dermatol., 43 (2018), pp. 296-299

Como citar este artigo: Fernandez‐Nieto D, Ortega‐Quijano D, Jimenez‐Cauhe J, Bea‐Ardebol S. Erythema annulare centrifugum associated to chronic amitriptyline intake. An Bras Dermatol. 2021;96:114–6.

Trabalho realizado no Hospital Universitario Ramón y Cajal, Madri, Espanha.

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