O pênfigo representa um grupo de doenças autoimunes bolhosas intraepidérmicas raras.1 O pênfigo vulgar (PV) é o subtipo mais comum de pênfigo e é caracterizado pela presença de autoanticorpos direcionados contra as proteínas de adesão epitelial, desmogleínas (Dsg) 1 e 3, resultando na perda de adesão dos queratinócitos.2–4 O envolvimento peniano no PV é raramente documentado, particularmente como manifestação inicial da doença.1,2,5 Descreve‐se um caso atípico de PV com início no pênis e sem envolvimento de outras membranas mucosas durante o curso da doença.
Paciente do sexo masculino, de 52 anos, apresentou‐se com história de quatro meses de erosões penianas dolorosas envolvendo a glande e o prepúcio (fig. 1). Havia sido previamente diagnosticado com candidíase, balanopostite e impetigo e foi tratado para essas condições, sem melhora. A dermatose evoluiu com o aparecimento de lesões em outras localizações, com bolhas flácidas, erosões e crostas aderentes na região inguinal, tronco e couro cabeludo (fig. 2), levando à hipótese diagnóstica de PV. O exame histológico da pele lesional foi sugestivo de PV (fig. 3), e a imunofluorescência direta na pele perilesional revelou depósitos intercelulares de IgG e C3 na epiderme inferior. Os níveis séricos (detectados por ELISA) de autoanticorpos IgG anti‐Dsg‐1 e anti‐Dsg‐3 foram >200 U/mL (normal <20) e 149,2 U/mL (normal <20), respectivamente, confirmando o diagnóstico. O paciente foi tratado com prednisolona oral 100mg/dia (1mg/kg de peso corporal/dia) juntamente com azatioprina 150mg/dia.
Em virtude da elevação dos níveis de enzimas hepáticas, a azatioprina foi descontinuada e rituximabe foi iniciado (duas infusões de 1g com intervalo de duas semanas e uma infusão de 1g após seis meses como terapia de manutenção). Isso resultou em resposta clínica favorável, com normalização dos valores de anti‐Dsg 1 e 3, acompanhada por redução progressiva na dose de prednisona ao longo de seis meses. As lesões penianas levaram mais tempo para cicatrizar e, após 24 meses de seguimento, o paciente permanece livre de recidivas.
Embora o PV frequentemente se manifeste na mucosa oral, o envolvimento de outras membranas mucosas é menos comum e há poucos relatos de casos na literatura de acometimento do pênis.1 No presente caso, a apresentação inicial consistiu em erosões dolorosas no pênis. Embora tenha sido observado envolvimento subsequente de outras áreas do tegumento, a doença não afetou outras membranas mucosas. Um estudo com 12 pacientes com pênfigo peniano5 constatou que 11 apresentavam envolvimento oral, dois apresentavam envolvimento esofágico e um paciente apresentava envolvimento da laringe, epiglote e conjuntiva. Isso destaca o quão incomum é o envolvimento do pênis sem acometimento de outras membranas mucosas.
Em pacientes do sexo feminino, o envolvimento genital é mais frequente e está significativamente associado ao envolvimento nasal e a sintomas genitais.6,7 Em geral, ocorre quando outros locais são extensivamente afetados.7 O envolvimento do colo do útero, vagina e vulva foi descrito concomitantemente com outros locais afetados ou quando outros locais envolvidos já estavam em remissão.7
No presente caso, a localização distinta na região genital levou inicialmente à formulação de diagnósticos alternativos, resultando na administração de intervenções terapêuticas injustificadas, no adiamento do diagnóstico e na piora do quadro. Outros diagnósticos diferenciais devem incluir herpes simplex e erupções induzidas por medicamentos, ambos os quais podem apresentar lesões erosivas semelhantes. Além disso, a infecção por herpes tem sido associada ao PV e pode complicar o manejo terapêutico.8
Os médicos devem considerar doenças imunobolhosas, como penfigoide bolhoso, penfigoide da membrana mucosa e pênfigo vulgar, como causa de lesões crônicas da mucosa em locais genitais. A presença de lesões genitais pode estar associada à resistência ao tratamento.1 Embora raro, o pênfigo vulgar deve fazer parte do diagnóstico diferencial de erosões dolorosas no pênis e, em caso de dúvida, biopsias devem ser realizadas.
EditorAna Maria Roselino.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresHugo J. Leme: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
José Ramos: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
António Magarreiro Silva: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Ana Isabel Gouveia: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
João Alves: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Leme HJ, Ramos J, Magarreiro‐Silva A, Gouveia AI, Alves J. Penile erosions: an atypical initial manifestation of pemphigus vulgaris. An Bras Dermatol. 2025;100:501189.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Venereologia, Hospital Garcia de Orta EPE, Almada, Portugal.