O arsênio, reconhecido como substância potencialmente letal e cancerígena, tem sido associado ao risco aumentado de câncer de pele; entretanto, os resultados têm sido inconsistentes. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da exposição ao arsênio no risco de câncer de pele (incluindo melanoma e não melanoma) por meio de metanálise dos dados disponíveis.
ObjetivosAvaliar o risco de câncer de pele pela exposição ao arsênio.
MétodosBuscas foram realizadas em bases de dados como PubMed, Web of Science, Embase e CNKI (até 10 de junho de 2024). A razão de chances (OR, odds ratio) combinada e seu intervalo de confiança de 95% (IC95%) foram calculados usando o modelo de efeitos aleatórios. Análises de subgrupos foram realizadas considerando o tamanho da amostra, centros de estudo, regiões dos EUA, vias de exposição ao arsênio e métodos de mensuração.
ResultadosForam incluídos 12 artigos no total, abrangendo 48.003 participantes. Os resultados indicaram associação entre a exposição ao arsênio e o risco de câncer de pele (OR=1,51; IC95% 1,26‐1,80). Especificamente, a OR foi de 1,52 (IC95% 1,06‐2,17) para melanoma, 1,64 (IC95% 1,16‐2,32) para carcinoma espinocelular e 1,36 (IC95% 1,04‐1,77) para carcinoma basocelular. As análises de subgrupos também revelaram associação entre a exposição ao arsênio e o câncer de pele nos EUA (OR=1,52; IC95% 1,25‐1,87). Tanto a ingestão quanto a inalação do arsênio mostraram tendência ao risco aumentado de câncer de pele.
Limitações do estudoUma importante limitação deste estudo é o grau de heterogeneidade, e outra é decorrente do número limitado de artigos de pesquisa disponíveis.
ConclusãoEsta metanálise indica que a exposição ao arsênio pode estar associada ao risco elevado de câncer de pele. Pesquisas prospectivas adicionais são necessárias para verificar a associação entre a exposição ao arsênio e a incidência de câncer de pele, abrangendo tanto o melanoma cutâneo maligno quanto o câncer de pele não melanoma.
Os cânceres de pele podem ser categorizados em dois grupos principais: melanoma e câncer de pele não melanoma (CPNM). O CPNM, predominantemente composto por carcinoma espinocelular (CEC) e carcinoma basocelular (CBC), é o câncer mais comumente identificado, representando aproximadamente 1/3 de todos os tumores malignos diagnosticados globalmente a cada ano.1,2 O CBC representa quase 80% de todos os casos de CPNM detectados a cada ano,3 e o CEC representa os 20% restantes.4,5 O melanoma, um tipo agressivo de câncer de pele que surge dos melanócitos, representa menos de 5% de todos os casos de câncer de pele, mas representa uma ameaça substancial. Se não tratado, o melanoma, responsável por 75% de todas as mortes relacionadas ao câncer de pele, tem a capacidade de enviar metástases para diferentes áreas do corpo.6,7 Coletivamente, o melanoma e o CPNM representam substancial ônus econômico e de saúde, que deverá continuar aumentando no futuro.
O arsênio tem sido usado como medicamento (solução de Fowler) para o tratamento de sífilis, malária e psoríase nos últimos dois séculos.8 Entretanto, após 30 anos de tratamento, os pacientes desenvolveram múltiplos cânceres de pele.9 Pesquisas subsequentes demonstraram progressivamente que a exposição crônica de longo prazo ao arsênio pode resultar em uma variedade de cânceres, incluindo câncer de pele, pulmão,10,11 e, em menor extensão, câncer de fígado, rim e bexiga.12–14 Consequentemente, muitos medicamentos contendo arsênio foram restringidos ou eliminados completamente. A International Agency for Research on Cancer (IARC) classifica o arsênio como carcinógeno humano do Grupo I.15 No entanto, o arsênio é comumente encontrado no solo, em sedimentos e águas subterrâneas, ocorrendo naturalmente ou como resultado de atividades humanas, como preparação de alimentos, processos industriais, mineração e uso de pesticidas. Os seres humanos podem ser expostos ao arsênio por diversas vias.16 De acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o nível de arsênio na água potável não deve exceder 10μg/L.17 Entretanto, essa diretriz é frequentemente aumentada para 50μg/L em vários países em desenvolvimento.18 Globalmente, mais de 100 milhões de indivíduos correm o risco de consumir níveis de arsênio acima de 50μg/L na água potável.19 A exposição alimentar média ao arsênio inorgânico (iAs) varia de 0,1 a 3,0μg/kg por dia na Europa, Ásia e EUA.20 A avaliação de risco do National Research Council (NRC) de 2001 sugere que mesmo a exposição a concentrações mais baixas de arsênio representa risco relativamente alto de câncer.21
Pesquisas extensas foram conduzidas sobre a associação entre exposição ao arsênio e CPNM.22–28 Várias investigações epidemiológicas estabeleceram associação entre exposição ao arsênio e probabilidade aumentada de desenvolver CPNM em diferentes locais, como Taiwan, México, Bangladesh e Chile.29–31 Pesquisas em Taiwan31,32 revelaram relação dose‐resposta significante para essa associação, enquanto outros estudos não observaram tal efeito.23,25,26,28 Por outro lado, pesquisas sobre a associação potencial entre melanoma e exposição ao arsênio resultaram em descobertas divergentes.22,33–38 Embora alguns estudos indiquem possível associação entre exposição ao arsênio e probabilidade aumentada de desenvolver câncer de pele, a natureza definitiva dessa ligação ainda é debatida. Para investigar essa associação potencial de maneira mais completa, uma metanálise foi realizada para revisar sistematicamente os dados existentes sobre a exposição ao arsênio e sua associação ao câncer de pele, abrangendo casos de melanoma e não melanoma.
MétodosProtocoloA metanálise foi registrada na plataforma PROSPERO (CRD42024556618) e seguiu as diretrizes PRISMA para relatórios completos.39 O Apêndice Suplementar 1 contém a lista de verificação PRISMA. A aprovação do comitê de ética em pesquisa institucional não foi necessária para este estudo, pois consistiu em revisão sistemática e metanálise da literatura existente.
Estratégia de busca bibliográficaDois pesquisadores, Li Jiao He e Mei Ying Wei, realizaram buscas individuais nos bancos de dados PubMed, Embase, Web of Science, Biblioteca Cochrane e CNKI (desde 10 de junho de 2024). Termos‐chave como arsênio, carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular e melanoma foram empregados. A expansão da busca foi conduzida utilizando termos MeSH no banco de dados PubMed, como Melanoma Maligno, Arsênio‐75, Carcinoma Epidermoide e Úlcera de Roedor. Não houve limitações de idioma ou tempo na estratégia de busca. Cada autor conduziu revisão independente de todos os títulos e selecionou resumos relevantes, enquanto artigos duplicados e não relacionados foram excluídos. As decisões finais sobre inclusão ou exclusão de estudos foram tomadas por consenso. A análise incluiu estudos que examinaram a associação entre exposição ao arsênio e câncer de pele, abrangendo melanoma e não melanoma (estratégias de busca específicas são complementadas no Apêndice Suplementar 2).
Critérios de inclusão e exclusãoOs critérios para inclusão de estudos foram definidos como: 1) desenho de estudo de caso‐controle ou coorte prospectiva; 2) estudos envolvendo populações com melanoma, CBC, CEC ou grupos controle correspondentes; 3) documentação do histórico de exposição ao arsênio; 4) disponibilidade de IC95% ou dados suficientes para calcular OR ou riscos relativos (RR) para os desfechos do estudo.
Os critérios de exclusão para este estudo incluíram: 1) dados ou resultados insuficientes; 2) estudos não comparativos, experimentos in vitro, experimentos com animais, relatos de caso, mecanismos de ação, resumos de conferências, cartas, revisões e opiniões de especialistas; e 3) indivíduos sem diagnóstico de câncer de pele.
Extração de dadosDois pesquisadores revisaram a literatura de maneira independente com base nos critérios de inclusão e exclusão e coletaram os dados com formulário padronizado para extração de informações. Os dados obtidos foram verificados por ambos os pesquisadores, e as inconsistências foram abordadas por um terceiro especialista. Cada estudo forneceu os seguintes detalhes: 1) detalhes do estudo, incluindo desenho, país, duração do seguimento, população do estudo (número de casos e controles ou membros da coorte) e características demográficas; 2) tipo de exposição ao arsênio (p. ex., água, poeira, amostras biológicas, questionários); 3) definições de desfechos, como melanoma, CBC e CEC (incluindo diagnóstico histológico e códigos CID); 4) medidas de efeito relatadas, incluindo OR, RR e IC95% correspondentes para grupos expostos e não expostos.
Avaliação de qualidade e risco de viésA qualidade desses estudos foi cuidadosamente avaliada por dois revisores utilizando a Escala Newcastle‐Ottawa (NOS).40 Essa avaliação se concentrou em três critérios principais: seleção do estudo, comparabilidade das exposições e avaliação dos desfechos. A NOS revisada utiliza um sistema de classificação de nove estrelas: a pesquisa é avaliada com uma a três estrelas para baixa qualidade, quatro a seis estrelas para qualidade média e sete a nove estrelas para excelente qualidade. Dois revisores independentes utilizaram a ferramenta Cochrane Non‐Randomized Study Intervention (ROBINS‐I) para avaliar o risco de viés nos estudos selecionados.41 Durante o processo de avaliação, o risco de viés foi classificado em cinco níveis: baixo, moderado, grave, crítico ou informação insuficiente, com base em sete domínios: 1) viés em virtude de confundidores; 2) viés no desvio dos resultados pretendidos; 3) viés na classificação das intervenções; 4) viés por desvio da intervenção pretendida; 5) viés em virtude de dados ausentes; 6) viés na mensuração dos desfechos; 7) viés na seleção dos resultados relatados. Se pelo menos um domínio fosse classificado como alto ou moderado, o risco geral de viés era classificado como alto ou moderado; caso contrário, era classificado como baixo. Quaisquer divergências entre os dois pesquisadores foram resolvidas por unanimidade, por meio de consenso.
Análise estatísticaO software Stata SE 15.0 foi utilizado para conduzir a análise estatística para o cálculo do OR e dos correspondentes IC95% referentes às variáveis binárias. A escolha entre modelos de efeitos fixos e aleatórios foi baseada nos valores de p do índice I2 e do teste Q de Cochran.42 A heterogeneidade foi categorizada como baixa (I2 <25%), moderada (25% a 75%) ou alta (I2 >75%).43 A heterogeneidade significante foi determinada pelo teste Q de Cochran, com valor de p <0,05. Análise de subgrupo foi realizada para examinar as origens da variabilidade, e a análise de sensibilidade foi realizada removendo estudos individuais para avaliar a estabilidade dos desfechos. A avaliação do viés de publicação foi realizada pela inspeção visual da assimetria do gráfico de funil utilizando o teste de Begg.44 Todos os testes estatísticos foram conduzidos como testes bilaterais, com nível de significância estabelecido em p<0,05.
ResultadosResultados da busca bibliográficaInicialmente, um total de 2.937 artigos foram recuperados por meio de busca bibliográfica. Após a exclusão de 718 artigos duplicados, 2.106 artigos adicionais foram removidos de acordo com os critérios predefinidos. Inicialmente, 68 estudos foram submetidos à revisão de títulos e resumos. Após a avaliação do texto completo, 56 estudos não atenderam aos critérios de inclusão e foram excluídos. Após análise completa, 12 estudos atenderam aos critérios estabelecidos e foram incluídos na metanálise. As especificidades do processo de triagem da literatura e seus resultados são esclarecidos na figura 1.
Características básicas dos estudos incluídosA análise abrangeu 12 estudos, dos quais 11 eram de caso‐controle e um de coorte. Informações demográficas detalhadas da população, como proporção dos sexos e país de origem, são apresentadas na tabela 1. As definições de exposição ao arsênio diferiram entre os estudos, com alguns enfatizando a exposição pela água potável e outros destacando a contaminação química ou indicadores indiretos, como concentrações de arsênio nas unhas dos pés e na urina. Essas definições apresentaram pequenas discrepâncias entre os estudos.
Características clínicas e demográficas dos estudos incluídos na metanálise
Primeiro autor | Ano | Tipo de pesquisa | País de autoria | Amostra (n) | Idade (anos) | Sexo (Masculino/ Feminino) | Definições de exposição ao arsênio | Seguimento (anos) | Tipo de câncer de pele | |||
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Câncer de pele | Câncer não cutâneo | Câncer de pele | Câncer não cutâneo | Câncer de pele | Câncer não cutâneo | |||||||
Bedaiwi33 | 2022 | Estudo de caso‐controle | EUA | Melanoma (87) | Câncer não cutâneo (12.615) | 64,6 | 45,4 | M: 51,7% / F: 44,7% | M: 50,0% / F: 50,0% | Concentração de arsênio na urina (> 50 ug/L) | NA | Melanoma |
Langston34 | 2022 | Estudo de caso‐controle | EUA | Melanoma (1096) | Câncer não cutâneo (1.033) | 20−39: 13%40−49: 14%50−59: 21%60−69: 23%70−79: 18%80+: 11% | 20−39: 17%40−49: 15%50−59: 25%60−69: 26%70−79: 13%80+: 4% | M: 52% / F: 48% | M: 45% / F: 55% | Água potável com arsênio (> 10ug/L) | NA | Melanoma |
Beane Freeman35 | 2004 | Estudo de caso‐controle | EUA | Melanoma (326) | Câncer não cutâneo (329) | 40−49: 26%50−59: 22,8%60−69: 23,1%70−79: 19,6%80−89: 8,4% | 40−49: 15,8%50−59: 29,8%60−69: 28,4%70−79: 18,2%80−89: 7,8% | M: 55,7% / F: 44,3% | M: 64,3% / F: 35,7% | Concentração de arsênio nas unhas dos pés(>0,084 ug/g) | NA | Melanoma |
Collatuzzo36 | 2023 | Estudo de caso‐controle | Itália | Melanoma (295) | Câncer não cutâneo (293) | <35: 14,8%35−49: 27,6%50−64: 3,2%≥ 65: 24,3% | <35: 20%35−49: 25,2%50−64: 31,2%≥ 65: 23,6% | M: 47% / F: 53% | M: 47,2% / F: 52,8% | Exposição ocupacional ao arsênio (indefinido) | NA | Melanoma |
Dennis37 | 2010 | Estudo de coorte | EUA | Melanoma (150) | Câncer não cutâneo (24.554) | 57 | 48 | NA | NA | Exposição a pesticidas com arsênio | 10,3 anos | Melanoma |
Kennedy‐122 | 2005 | Estudo de caso‐controle | Países Baixos | Melanoma (47) | Câncer não cutâneo (164) | NA | NA | NA | NA | Exposição ocupacional ao arsênio (indefinido) | NA | Melanoma |
Kennedy‐222 | 2005 | Estudo de caso‐controle | Países Baixos | Carcinoma basocelular (249) | Câncer não cutâneo (164) | NA | NA | NA | NA | Exposição ocupacional ao arsênio (indefinido) | NA | Carcinoma basocelular |
Kennedy‐322 | 2005 | Estudo de caso‐controle | Países Baixos | Carcinoma espinocelular (103) | Câncer não cutâneo (164) | NA | NA | NA | NA | Exposição ocupacional ao arsênio (indefinido) | NA | Carcinoma espinocelular |
Surdu‐123 | 2013 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma basocelular (500) | Câncer não cutâneo (515) | 67 | 61 | M: 44,8% / F: 55,2% | M: 51,6% / F: 48,4% | Exposição ocupacional ao arsênio (fumaça de poeira) | NA | Carcinoma basocelular |
Surdu‐223 | 2013 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma espinocelular (70) | Câncer não cutâneo (515) | 71,5 | 61 | M: 54,3% / F: 45,7% | M: 51,6% / F: 48,4% | Exposição ocupacional ao arsênio (fumaça de poeira) | NA | Carcinoma espinocelular |
Mitropoulos24 | 2004 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma espinocelular (404) | Câncer não cutâneo (395) | NA | NA | NA | NA | Exposição ocupacional ao arsênio (indefinido) | NA | Carcinoma espinocelular |
Sánchez25 | 2013 | Estudo de caso‐controle | Colômbia | Carcinoma espinocelular (166) | Câncer não cutâneo (166) | 70,8 | 71,8 | M: 31% / F: 69% | M: 31% / F: 69% | Exposição ocupacional ao arsênio (carpintaria, comércio de madeira, pólvora, indústrias metalúrgicas) | NA | Carcinoma espinocelular |
Suárez‐126 | 2007 | Estudo de caso‐controle | França | Carcinoma basocelular (1.333) | Câncer não cutâneo (1.507) | 60,5 | 58,2 | M: 63% / F: 37% | M: 62% / F: 38% | Exposição ocupacional ao arsênio (trabalhos agrícolas) | NA | Carcinoma basocelular |
Suárez‐226 | 2007 | Estudo de caso‐controle | França | Carcinoma espinocelular (183) | Câncer não cutâneo (1.507) | 60,5 | 58,2 | M: 63% / F: 37% | M: 62% /F: 38% | Exposição ocupacional ao arsênio (trabalhos agrícolas) | NA | Carcinoma espinocelular |
Karagas‐127 | 2001 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma basocelular (587) | Câncer não cutâneo (524) | <40: 7,2%40−49: 17%50−59: 21%60−69: 34,9%≥ 70: 19,9% | <40: 5,3%40−49: 12,6%50−59: 19,7%60‐69: 39,3%≥ 70: 23,1% | M: 57,6% / F: 42,2% | M: 60,1% / F: 39,9% | Concentração de arsênio nas unhas dos pés (0,345–0,81 ug/g) | NA | Carcinoma basocelular |
Karagas‐227 | 2001 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma espinocelular (284) | Câncer não cutâneo (524) | <40: 1,1%40−49: 6%50−59: 16,6%60−69: 40,9%≥ 70: 35,6% | <40:5,3%40−49: 12,6%50−59: 19,7%60−69: 39,3%≥ 70: 23,1% | M: 64,1% / F: 35,9% | M: 60,1% / F: 39,9% | Concentração de arsênio nas unhas dos pés (0,345–0,81 ug/g) | NA | Carcinoma espinocelular |
Gilbert‐Diamond28 | 2013 | Estudo de caso‐controle | EUA | Carcinoma espinocelular (470) | Câncer não cutâneo (447) | <50:4%50−59: 19,4%60−69: 45,3%≥70: 31,3% | <50: 7,6%50−59: 18,6%60−69: 45,4%≥70: 28,4% | M: 60,4% / F: 39,6% | M: 57,7% / F: 42,3% | Concentração de arsênio na urina >5,31 ug/L) | NA | Carcinoma espinocelular |
M, Masculino; F, Feminino; EUA, Estados Unidos da América; câncer não cutâneo; controles saudáveis.
A NOS foi utilizada para avaliar a qualidade dos estudos de coorte incluídos, com os resultados apresentados na tabela 2. Em resumo, cinco artigos foram classificados como de alta qualidade, cada um recebendo pontuação de sete estrelas. Entre eles, dois estudos se concentraram na análise dos níveis de arsênio na urina, outros dois mediram os níveis de arsênio nas unhas dos pés e apenas um investigou o nível de arsênio na água potável. Essas análises levaram em conta variáveis como idade, sexo, histórico de exposição solar e tipo de pele para mitigar potenciais efeitos de confusão residuais. Além disso, sete estudos examinaram a associação entre exposição ocupacional ao arsênio e câncer de pele, com cinco classificados como de qualidade moderada (seis estrelas). Esses estudos utilizaram escala semiquantitativa de três estágios (baixa, média e alta) para avaliar a exposição ocupacional ao arsênio com base em intensidade, frequência e probabilidade. Além disso, os resultados foram ajustados para os principais fatores de confusão, incluindo idade, sexo, tipo de pele, histórico de exposição à radiação solar, histórico familiar de câncer, histórico de tabagismo e nível de escolaridade. Os dois estudos restantes foram classificados como de qualidade relativamente baixa (cinco estrelas) por sua dependência exclusiva de dados coletados em questionários aplicados por equipe especialmente treinada.
NOS Formulário de Avaliação de Qualidade. O sistema de avaliação avalia a seleção dos participantes, a comparabilidade dos grupos e a avaliação dos resultados usando uma escala de 9 estrelas. Uma pesquisa é considerada de baixa qualidade se for avaliada de 1 a 3 estrelas, de qualidade moderada se for avaliada de 4 a 6 estrelas e de alta qualidade se for avaliada de 7 a 9 estrelas
Estudo | Seleção | Comparabilidade | Desfechos | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 1 | 2 | 3 | |||
Ahmed Bedaiwi | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 7 | |
Marvin E. Langston | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 7 | |
Laura E. Beane Freeman | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 7 | |
Giulia Collatuzzo | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 6 | ||
Leslie K. Dennis | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 5 | |||
Cornelis Kennedy | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 6 | ||
Simona Surdu | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 6 | ||
Panagiotis Mitropoulos | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 6 | ||
Guillermo Sánchez | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 5 | |||
Berta Suárez | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 6 | ||
Margaret R. Karagas | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 7 | |
Diane Gilbert‐Diamond | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | ★ | 7 |
A maioria dos estudos apresenta risco de viés baixo a moderado, principalmente em virtude de viés de confusão (idade, sexo, histórico de radiação solar, tipo de pele), viés de seleção (áreas de alta exposição), viés de intervenção (classificação incorreta da exposição). Embora ajustes sejam feitos, essa preocupação é particularmente evidente em estudos observacionais. Dois outros estudos apresentaram sério risco de viés em virtude do viés na seleção do resultado relatado (ver tabela S1 no Apêndice Suplementar 3).
Resultados da metanáliseAnálises preliminaresA figura 2 ilustra a associação entre a exposição ao arsênio e os vários tipos de câncer de pele, incluindo melanoma, CBC e CEC, por meio de um gráfico de floresta. A análise foi baseada em 12 estudos envolvendo 48.003 participantes, com OR geral=1,51 e IC95% 1,26‐1,8). Uma metanálise foi conduzida usando o modelo de efeito aleatório (I2=42,6%). Especificamente, a exposição ao arsênio foi associada ao melanoma (OR=1,52; IC95% 1,06‐2,17), CEC (OR=1,64; IC95% 1,16‐2,32) e CBC (OR=1,36; IC95% 1,04‐1,77). Esses resultados coletivamente implicam que a exposição ao arsênio aumenta o risco desses cânceres de pele. Para explorar potenciais fontes de variação, análises de sensibilidade adicionais foram conduzidas à luz da heterogeneidade observada.
Análises de sensibilidadeA análise de sensibilidade foi conduzida nos estudos incluídos, conforme ilustrado na figura 3. Cada estudo individual foi metodicamente removido da metanálise para avaliar sua influência na estimativa geral de risco. Os resultados revelaram que os estudos restantes convergiram consistentemente em torno de um OR geral de 1,51. Não foram observadas alterações significantes nos desfechos impulsionados por estudos individuais ao longo desse processo. A heterogeneidade observada pode ser atribuída a variações nas definições de exposição ao arsênio entre os artigos incluídos, bem como a diferenças nos métodos de avaliação da exposição, como níveis na água, poeira, urina e exposições autorrelatadas. Alguns estudos se concentraram principalmente no arsênio na água potável, enquanto outros abordaram a exposição ocupacional, a contaminação química ou utilizaram indicadores indiretos de exposição. Apesar dessas discrepâncias, a heterogeneidade geral permaneceu moderada e o modelo de metanálise utilizado foi considerado robusto e confiável.
Análises de subgruposA análise abrangente de subgrupos foi conduzida nos estudos incluídos, considerando fatores como tamanho amostral, centros de estudo, regiões dos EUA, vias de exposição ao arsênio e métodos de mensuração. A análise revelou um total de 43.469 participantes das regiões dos EUA, 44.703 participantes envolvidos nos métodos de mensuração e 48.003 participantes considerados nas análises de tamanho amostral, centros de pesquisa e vias de exposição ao arsênio. Os resultados são apresentados na tabela 3. Nenhuma fonte significante de heterogeneidade foi identificada nessas análises. A análise de subgrupos revelou ainda um aumento significante no risco de câncer de pele (tanto melanoma quanto não melanoma) nos EUA em virtude de exposição ao arsênio, com OR combinada de 1,48 (IC95% 1,20‐1,83). Seja por ingestão alimentar (OR=1,33; IC95% 1,07‐1,64) ou inalação (OR=1,72; IC95% 1,23‐2,27), houve uma tendência consistente de aumento do risco de câncer de pele associado à exposição ao arsênio. Na análise do método de mensuração do arsênio (OR do biomarcador=1,33; IC95% 1,07‐1,64, escala semidefinível de avaliação ocupacional OR=1,80; IC95% 1,34‐2,42), os resultados não apresentam viés.
Tabela de análise de subgrupos: tamanho da amostra, centro de estudo, região dos EUA, métodos de mensuração e análises de subgrupos das vias de exposição ao arsênio; os pesos são de modelos de efeitos aleatórios
Subgrupo | Estudo | OR (IC95%) | p‐valor | I2 |
---|---|---|---|---|
EUA | ||||
Melanoma | 3 | 1,35 (1,10‐1,65) | 0,004 | 65,1 |
Carcinoma basocelular | 2 | 1,58 (1,19‐2,11) | 0,002 | 0 |
Carcinoma espinocelular | 4 | 1,54 (1,18‐2,01) | p=0,001 | 47,8 |
Tamanho da amostra | ||||
<100 | 3 | 1,64 (1,15‐2,23) | 0,006 | 64,6 |
>100 | 9 | 1,46 (1,23‐1,72) | p<0,001 | 35,8 |
Via de exposição | ||||
Consumo | 5 | 1,33 (1,07‐1,64) | 0,233 | 26,9 |
Inalação | 7 | 1,72 (1,30‐2,27) | 0,034 | 48,7 |
Centro de pesquisa | ||||
Centro único | 8 | 1,41 (1,09‐1,82) | 0,009 | 26,3 |
Multicêntrico | 4 | 1,61 (1,24‐2,11) | p<0,001 | 42,6 |
Método de mensuração | ||||
Biomarcador | 5 | 1,33 (1,07‐1,64) | 0,233 | 26,9 |
Escala semidefinível de avaliação ocupacional | 5 | 1,80 (1,34‐2,42) | 0,061 | 46,3 |
OR, odds ratio; IC, intervalo de confiança.
A figura 4 ilustra um gráfico de funil que mostra a distribuição dos tamanhos de efeito de todos os estudos, avaliando o viés de publicação. O gráfico não apresentou assimetria notável, visto que todos os estudos estavam dentro do intervalo de confiança de 95% (p de Begg=0,149). Os resultados sugerem que a análise não revelou nenhum viés claro e significante na publicação.
DiscussãoEsta metanálise inovadora é o estudo inicial a investigar a associação entre a exposição ao arsênio e a probabilidade de desenvolver câncer de pele, abrangendo as variedades melanoma e não melanoma. Primeiramente, a pesquisa examinou 12 artigos, compreendendo estudos prospectivos e de caso‐controle envolvendo 48.003 participantes, oferecendo algumas evidências de associação entre a exposição ao arsênio e maior probabilidade de desenvolver câncer de pele. Em segundo lugar, a quantificação da exposição ao arsênio na literatura revisada apresenta vantagens distintas, como a identificação precisa de biomarcadores, incluindo concentrações de arsênio na água, urina e unhas dos pés. Além disso, o uso de escalas semiquantitativas de três níveis (baixo, médio, alto) para quantificação aumenta o potencial de pesquisa dos dados. Em terceiro lugar, estudos anteriores que não atenderam aos presentes critérios também apoiaram esses achados. Por exemplo, um estudo mostrou associação significante entre iAs e CBC, mesmo em concentrações médias de iAs na água <40μg/L.45 Uma investigação separada conduzida nos EUA revelou probabilidade 1,5 vez maior de desenvolver CEC em decorrência à exposição ao arsênio no arroz, em contraste com indivíduos que não consumiram arroz.46 Além disso, pesquisa realizada em Bangladesh por meio de estudo de coorte estabeleceu associação direta entre os níveis de arsênio na água e a ocorrência de melanoma, CBC e CEC.47 Em uma metanálise, Shuai et al.48 descobriram que a exposição ao arsênio estava associada ao risco aumentado de melanoma, com OR combinada de 1,47 (IC95% 1,01‐2,13). Os resultados de estudos anteriores, juntamente com a presente metanálise, indicam consistentemente a possibilidade de associação positiva entre a exposição ao arsênio e o risco elevado de melanoma, CBC e CEC. Além disso, a avaliação usando gráficos de funil e teste de Begg não mostrou nenhuma evidência significante de pequenos efeitos do estudo. As análises de subgrupo e sensibilidade indicaram consistentemente fortes correlações.
O presente estudo tem várias limitações. Nesta metanálise, foi observado grau notável de heterogeneidade, que permaneceu evidente mesmo após análises de subgrupos e de sensibilidade. Embora tal variabilidade não seja incomum em estudos semelhantes, ela provavelmente se deve a diferenças subjacentes na literatura, incluindo características populacionais, ajustes para variáveis de confusão, metodologias para determinar desfechos e abordagens para avaliar a exposição. Em virtude da quantidade limitada de artigos de pesquisa disponíveis, não foi possível realizar análises estratificadas de acordo com os níveis de exposição ao arsênio na urina, ao arsênio na água ou à exposição no local de trabalho. Além disso, estimativas combinadas das concentrações de arsênio em diferentes meios de exposição podem resultar em classificação errônea da exposição. Avaliações autorrelatadas por meio de questionários são suscetíveis a viés de memória, enquanto dados de amostras biológicas, água ou análises do ar podem estar sujeitos a imprecisões, afetando potencialmente a confiabilidade da associação entre a exposição ao arsênio e o risco de desenvolver câncer de pele. Em última análise, medidas de proteção individual, tipo de pele, mobilidade populacional e fatores socioeconômicos também representam variáveis de confusão potencialmente significantes. A precisão da metanálise depende da qualidade da pesquisa subjacente. Em estudos de caso‐controle, questões‐chave como viés de memória, critérios de mensuração variáveis e fatores de confusão residuais contribuem para o risco de viés. Embora as avaliações da qualidade da literatura e as avaliações de risco de viés indiquem que a maioria dos estudos fez ajustes para potenciais fatores indutores de viés, os resultados das metanálises ainda podem ser influenciados. Em virtude da falta de estudos de alta qualidade que possam controlar efetivamente esses fatores de viés, e porque os resultados de estudos com amostras pequenas ou falta de significância estatística muitas vezes não são fáceis de publicar, os resultados das metanálises ainda podem ser afetados e tendem a relatar resultados positivos. Portanto, devemos ser cautelosos na interpretação desses resultados.
Os mecanismos moleculares precisos envolvidos na carcinogênese por arsênio ainda estão sendo ativamente pesquisados. É amplamente reconhecido que o arsênio exerce sua toxicidade por diversas vias, como indução de estresse oxidativo,49 disfunção imunológica,50 genotoxicidade,51 comprometimento do reparo do DNA10,52 e interrupção da transdução de sinal.53 Acredita‐se que esses procedimentos desempenhem papel crucial na formação do câncer de pele após exposição ao arsênio.
O arsênio desencadeia o estresse oxidativo por meio da regulação positiva da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato oxidase (NADPHO), que resulta na produção de espécies reativas de oxigênio (ERO). Essas ERO perturbam o equilíbrio do óxido nítrico e da glutationa, antioxidantes essenciais, e afetam outras proteínas responsáveis pela homeostase redox.49,54 A formação de ERO desencadeia a ativação de fatores de transcrição como AP‐1 e NF‐κB, resultando na produção excessiva de fatores pró‐inflamatórios, que podem aumentar a proliferação celular e potencialmente iniciar a carcinogênese.55
A exposição ao arsênio ativa a via de sinalização da resposta proteica desdobrada, que prejudica a imunidade inata e adaptativa, reduzindo a função e o número de células imunes, criando um microambiente propício ao desenvolvimento de tumores.51 Dentro das células, o metabolismo do arsênio envolve enzimas‐chave como o S‐adenosilmetionina (SAM). A depleção de SAM em virtude das ERO induzidas por arsênio leva à metilação do iAs em formas metiladas. Esses compostos de arsênio metilado esgotam ainda mais o SAM e podem metilar o DNA de maneira desregulada, alterando a expressão gênica intracelular e potencialmente promovendo a carcinogênese.51,56 Além disso, o arsênio interrompe os mecanismos de reparo do DNA celular, como excisão de base, reparo de incompatibilidade e excisão de nucleotídeos, principalmente por interferir com o ATP e interagir com complexos como a poli‐ADP ribose polimerase, O6‐metil‐guanina‐DNA metiltransferase e DNA polimerase β.10,52 O comprometimento dessas vias de reparo pode comprometer a estabilidade genômica e interromper a expressão gênica normal relacionada ao câncer. Pesquisas recentes indicam que o arsênio ativa a via Hippo, crucial para a sobrevivência e o crescimento das células. O arsênio modula a atividade da via Hippo por meio da regulação positiva de proteínas‐chave como a cinase supressora de grandes tumores Hippo/1/2 (LATS1/2), o homólogo Salvador‐1 (Sav1) e a Cinase 1/2 semelhante a ste20 (Mst1), que são conhecidas por desempenhar papéis em vários tipos de câncer, incluindo o de pele.53,57
ConclusõesEste estudo demonstra a associação entre a exposição ao arsênio e o risco de câncer de pele (tanto melanoma quanto não melanoma), independentemente da via de exposição – seja por inalação, ingestão ou contato dérmico. Esse achado pode ter implicações significantes para iniciativas de educação de pacientes, aumentando a conscientização pública sobre a prevenção do câncer de pele e, consequentemente, reduzindo seus impactos à saúde e à economia. Além disso, pode servir como referência valiosa para profissionais envolvidos na mitigação da exposição ocupacional. Entretanto, as limitações do estudo destacam a necessidade de pesquisas futuras. Há clara necessidade de estudos prospectivos mais rigorosos que possam controlar melhor as potenciais variáveis de confusão para compreender o impacto preciso do arsênio no risco de câncer de pele. Além disso, avaliar a resposta a diferentes doses fornecerá base científica mais robusta para a criação de regulamentações sobre os níveis de arsênio em diversas fontes, incluindo água potável, solo, ar e alimentos. Com base nos estudos mais recentes, a recomendação dos autores é iniciar medidas proativas visando não apenas validar o arsênio como elemento contribuinte para o câncer de pele, mas também elaborar táticas preventivas bem‐sucedidas para áreas afetadas pela exposição crônica ao arsênio.
EditorLuciana P. Fernandes Abbade.
Disponibilidade de dados de pesquisaTodo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLijiao He: Conceitualização; metodologia; software; investigação; análise formal; redação ‐ rascunho original.
Meiying Wei: Curadoria de dados; software; validação.
Qikui Yang: Visualização.
Yun Huang: Software; validação.
Zuyuan Wei: Conceitualização; supervisão; redação ‐ revisão e edição.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: He L, Wei M, Yang Q, Huang Y, Wei Z. Arsenic exposure and risk of skin cancer (melanoma and non‐melanoma): A systematic review and meta‐analysis. An Bras Dermatol. 2025;100:501161.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Wenshan Zhuang and Miao Autonomous Prefecture Hospital of Traditional Chinese Medicine, Wenshan, China.