O gênero Cladosporium inclui fungos demáceos amplamente distribuídos e frequentemente contaminantes do meio, presente em plantas e solo, embora algumas espécies, como C. cladosporoides, C. herbarum, C. oxysporum e C. sphaerospermum, sejam patogênicas, causando infecções cutâneas superficiais e profundas.1,2
As lesões mais típicas se apresentam como nódulos, placas, úlceras supurativas ou lesões crostosas semelhantes a ectima, localizadas em áreas de trauma ou comprometimento da pele.3,4 Diagnósticos incorretos são comuns em virtude de apresentações sobrepostas com abscessos bacterianos, eczema ou outras infecções fúngicas.1,4 Apresentamos um paciente com infecção fúngica de diagnóstico etiológico tardio, curso insidioso e desfecho clínico grave.
Paciente do sexo masculino, 75 anos, atendido no pronto‐socorro com astenia e úlceras cutâneas. Relata nódulos avermelhados e dolorosos há oito meses, principalmente nos membros, que evoluíam para úlceras, algumas com resolução espontânea, com piora havia 20 dias. Atendido previamente em serviço externo, realizado duas biopsias de sítios diferentes com anatomopatológico inconclusivo, e tratado com hipótese de infecção de pele e partes moles sem resposta à antibioticoterapia.
Estava em tratamento regular para hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, hipertireoidismo com bócio e artrite reumatoide; para esta, fazia uso de leflunomida e metotrexato havia seis anos.
Ao exame, apresentava‐se em regular estado geral, hipoativo, com aumento do volume cervical anterior (bócio). Na pele, lesão na coxa direita e braço esquerdo (fig. 1), além de dezenas de nódulos eritematovioláceos dolorosos de até 1cm de diâmetro nos membros.
O paciente foi internado para investigação; foi realizada biopsia de lesão recente, compatível com eritema nodoso, visto que as lesões antigas não apresentavam histopatológico satisfatório. O exame evidenciou infiltrado inflamatório linfo‐histiocitário perivascular na derme e infiltrado linfocitário com neutrófilos septais na hipoderme, com pesquisa de fungos positiva, sugerindo Histoplasma.
Iniciado itraconazol 800mg/dia, e após 30 dias, dose diária contínua de 400mg/dia. Evoluiu com melhora significante dos sintomas sistêmicos, recebendo alta. Após 12 meses de seguimento regular ambulatorial, o paciente apresentava cicatrização completa das úlceras (fig. 2), diminuição do número de lesões, porém com recorrência da inflamação dos eritemas nodosos (fig. 3). Considerando resposta parcial ao tratamento, decidiu‐se por nova biopsia e realização de reação em cadeia por polimerase (PCR) para fungo e sequenciamento genético do material.
A sequência obtida foi analisada na base de dados genômicos BLASTn (GenBank‐NCBI; https://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi/), com a identificação molecular do complexo Cladosporium cladosporioides, identidade máxima ou similaridade foi de 99,7% a 100% (fig. 4).
Após a identificação do fungo demáceo, optamos por manutenção do tratamento com itraconazol e associação de ressecções cirúrgicas.
Em vigência do tratamento, após 24 meses o paciente ainda apresentava lesões recidivantes. Foi programada troca para a anfotericina B; contudo, o paciente perdeu o seguimento. Retornou ao pronto‐socorro com queixa de tosse e febre intermitente havia três semanas. O paciente evoluiu com insuficiência respiratória aguda grave, intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Na tomografia computadorizada de tórax, sinais de pneumonia atípica, não podendo descartar etiologia fúngica, evoluindo para choque séptico e óbito em poucas horas.
No presente caso, o paciente apresentava idade, morbidades e uso crônico de medicações que o tornaram mais suscetível à infecção. Alguns casos ocorrem em indivíduos imunocompetentes,3 porém a gravidade depende do estado imunológico.5 Doenças graves são mais comuns em indivíduos imunocomprometidos (p. ex., diabetes, uso de esteroides).6 Esses fungos invadem a pele por lesões prévias, produzem enzimas proteolíticas e resistem à ação fagocítica, o que o torna altamente infectante para a pele, podendo raramente disseminar para outros órgãos.2,3
O itraconazol é o agente antifúngico sistêmico de escolha, administrado por três a seis meses com tratamento efetivo e regressão das lesões nos casos relatados na literatura.2,3,7 Tratamentos alternativos incluem voriconazol, anfotericina B e fluconazol – os dois primeiros utilizados/indicados em casos refratários.3
O diagnóstico foi desafiador e, como vimos no presente caso, quando tardio pode levar à progressão da doença e a resultados desfavoráveis, sobretudo com manifestações sistêmicas graves.4 A identificação molecular é capaz de diferenciar C. cladosporioides de outros fungos demáceos,8 tornando‐se uma aliada na solução de casos complexos e arrastados; apesar de ainda pouco empregada, tem potencial de crescimento na Dermatologia.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresOlivia Silva Zanetti: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Maria Paula Barbieri D’Elia: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Sigrid de Sousa Dos Santos: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Giannina Ricci: Aprovação da versão final do manuscrito; análise e interpretação do exame anatomopatológico.
Conflito de interessesNenhum.
EditorSílvio Alencar Marques.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Como citar este artigo: Zanetti OS, D’Elia MPB, Dos Santos SS, Ricci G. Phaeohyphomycosis caused by Cladosporium cladosporioides: importance of molecular identification in challenging cases. An Bras Dermatol. 2025;100:501196.
Trabalho realizado no Hospital Universitário, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.