Lesões por pressão continuam sendo um desafio significante nos serviços de saúde. Elas impactam negativamente esses serviços, aumentando a carga de trabalho, o ônus financeiro e os custos diretos e indiretos relacionados à detecção, prevenção, tratamento e reabilitação. É de extrema importância que dermatologistas e outros profissionais de saúde tenham conhecimento sobre essas lesões. A primeira parte desta revisão discute o histórico e a terminologia das lesões por pressão, a epidemiologia em diferentes contextos, desde adultos até pacientes pediátricos e neonatais; a etiopatogenia, demonstrando o esquema atual do ciclo vicioso de isquemia e morte tecidual; os fatores de risco associados, tanto intrínsecos quanto extrínsecos; a classificação de todos os estágios das lesões por pressão com imagens clínicas; e as principais áreas anatômicas de risco em cada posição – lateral, sentada, supina, prona e com dispositivos médicos. Os diagnósticos diferenciais foram detalhados, incluindo dermatite associada à incontinência e a “úlcera terminal de Kennedy”, fornecendo suporte para avaliação e orientação adequadas sobre medidas preventivas e tratamento, que serão mais detalhados na Parte II desta revisão. O foco principal foi fornecer recursos para profissionais de saúde avaliarem, prescreverem e monitorarem holisticamente pacientes com lesões por pressão ou em risco de desenvolvê‐las.
A lesão por pressão (LP), também conhecida como “úlcera por pressão”, é uma área localizada de lesão na pele e/ou tecido subjacente, geralmente sobre proeminência óssea. Pode se apresentar como área de pele aparentemente intacta com eritema que não embranquece, formação de bolhas ou úlcera com perda completa de pele e possível envolvimento de tecidos profundos subjacentes, como músculos e ossos. LP relacionada a dispositivos médicos foi definida como resultante do uso de dispositivos projetados e aplicados para fins diagnósticos ou terapêuticos. A LP resultante se adapta ao padrão ou formato do dispositivo.1
A LP é condição persistente na área da saúde. Representa um dos problemas clínicos mais desafiadores, que impactam negativamente a vida dos pacientes nos aspectos emocional, psicológico, físico e social, reduzindo globalmente sua qualidade de vida.2 A LP também tem repercussões nas instituições de saúde, levando ao aumento da carga de trabalho e do ônus financeiro. Infelizmente, sua incidência e ônus permanecem em níveis elevados,3 principalmente após a pandemia de COVID‐19.4
O impacto econômico das LP inclui despesas com detecção, prevenção, tratamento e reabilitação.5 O custo do tratamento de uma LP por paciente por dia varia entre 1,71 e 470,49 euros em todos os cenários.6 Em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), as LP podem gerar custos ainda maiores, especialmente em feridas mais graves e profundas.5
Com base nas melhores evidências científicas disponíveis, esta revisão destaca a importância de dermatologistas e outros profissionais de saúde conhecerem as LP, particularmente sua capacidade de diagnosticar e diferenciar LP de outras lesões semelhantes de maneira eficaz. Além disso, considera os mecanismos mais atuais de desenvolvimento, classificações e aspectos clínicos das LP para apoiar os profissionais de saúde em suas rotinas clínicas. Isso inclui avaliar os pacientes quanto a potenciais fatores de risco para a tomada de medidas preventivas assertivas e facilitar a identificação precoce de LP para intervir e prevenir complicações prontamente.
Histórico das LPAs LP fazem parte da história humana desde a Antiguidade. A referência histórica mais antiga conhecida vem de paleopatologistas que identificaram extensas lesões de LP nos ossos isquiáticos e escápulas de uma múmia pertencente a uma idosa sacerdotisa de Amon da 21ª Dinastia do Antigo Egito (1070 a 945 a.C.).7 O primeiro registro escrito de LP corresponde a Hipócrates (460 a 370 a.C.), que descreveu o aparecimento dessas lesões em um paciente paralisado com disfunções da bexiga e do intestino.8
Durante o Renascimento, Ambroise Paré (1510 a 1590), considerado o pai da cirurgia moderna, fez a primeira descrição documentada de uma LP, concentrando‐se em abordar sua causa para facilitar a cura.7
Medidas eficazes na prevenção e no tratamento de LP já estavam sendo implementadas no início do século XIX. Por exemplo, em 1806, J.E. Aronssen, de Berlim, enfatizou a importância da cama no cuidado ao paciente e apresentou projetos para uma nova e aprimorada cadeira para inválidos, de sua invenção.9
O termo “bed sore” ou escara foi documentado pela enfermeira Florence Nightingale em 1859.10 Esse termo mantém sua associação com a cama, apesar do entendimento da época de que a LP pode ocorrer sempre que tecidos moles estão em contato com superfícies de suporte e do papel significante desempenhado pelas forças de cisalhamento e deformação por cisalhamento. A adição de “ferida” implicava uma área em carne viva ou dolorida no corpo.1
A partir da segunda metade do século passado, a conscientização sobre LP aumentou junto com os avanços na área da saúde, levando diversos autores a estudar sua etiologia. Reichel, em 195811, e Kosiak, em 1959,12 com estudos sobre lesões isquêmicas, contribuíram significantemente para a compreensão da etiopatogenia. A busca de Norton, McLaren e Exton‐Smith, em 196213, resultou na primeira escala de avaliação de risco para LP. O termo “úlcera por pressão” começou a ganhar popularidade nas décadas de 1970 e 1980, substituindo termos como “escaras” ou “úlceras de decúbito” e “úlceras por pressão”. A formação de grupos como o National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), nos Estados Unidos, na década de 1970, juntamente com grupos nacionais como o Grupo Nacional para el Estudio y Asesoramiento en Úlceras por Presión y Heridas Crónicasin (GNEAUPP) na Espanha em 1994, e o European Pressure Ulcer Advisory Panel (EPUAP), em 1996, impulsionaram o avanço do conhecimento sobre LP durante esse período.7
Contribuições significantes para a compreensão e prevenção de LP incluem o modelo conceitual de Braden e Bergstrom, em 1987,14 que desenvolveram a Escala de Braden, e Coleman et al., que apresentaram fatores causais diretos e indiretos,15 e o trabalho de García Fernández et al, em 2014,16 que introduziram o termo “lesões por pressão relacionadas à dependência”. Esse trabalho modificou a classificação existente que o GNEAUPP já havia adotado e abriu caminho para a reconsideração do termo “lesões por pressão” em vez de “úlceras por pressão”. Esse termo foi posteriormente adotado pela Pan Pacific Pressure Injury Alliance em 2014 e, recentemente, embora de maneira controversa, pela NPUAP americana, gerando intenso debate em virtude das conotações em inglês do conceito de “lesão”.17 Assim, a NPUAP incorporou o termo “lesão” (National Pressure Injury Advisory Panel – NPIAP),1 porém, na Europa, o termo úlcera por pressão da EPUAP permanece sem essa modificação.1
EpidemiologiaAvaliar a incidência de LP é de extrema importância para demonstrar a relevância desse evento adverso em ambientes hospitalares. É crucial para profissionais de saúde à beira do leito e gestores de serviços, pois indica a qualidade do atendimento prestado,18 tornando‐se uma ameaça à segurança do paciente.19
A prevalência de LP permanece alta na população global, proporcional ao envelhecimento e à crescente prevalência de fatores precipitantes, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.20 Por outro lado, a incidência varia amplamente de acordo com o cenário clínico e é maior entre os grupos de alto risco. Relata‐se que a incidência chega a 60% entre tetraplégicos e pessoas com lesões na medula espinal, 66% entre pacientes submetidos a cirurgias prolongadas e 70% entre idosos com fraturas de quadril ou fêmur.20
A prevalência global de LP relatada em revisão sistemática em pacientes hospitalizados é de 12,8%, com taxa de incidência de 5,4 por 10.000 pacientes‐dia.21 A mesma revisão constatou que 61,8% das LP foram adquiridas em hospitais e 30% de todas as lesões foram consideradas graves (estágios 3 e 4).21
O Brasil é o país que mais relata estudos sobre a incidência e prevalência de LP na América Latina.22 De acordo com o Relatório Nacional de Incidentes Relacionados à Assistência à Saúde (RNPS) reportados ao Serviço Nacional de Vigilância Sanitária (SNSV) de 2014 a 2022, de 1.100.352 incidentes notificados, 223.378 (20,3%) estavam relacionados a LP. Nesse período, as LP foram o segundo tipo de evento mais frequentemente relatado pelo Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) dos serviços de saúde do país e a quinta principal causa de morte relacionada a incidentes em assistência à saúde.23
Dados sobre prevalência e incidência de LP devem ser analisados com cautela em diferentes estudos, visto que os autores utilizam metodologias distintas para o cálculo desses indicadores. Os principais problemas são a inclusão de todos os estágios de LP ou apenas aqueles com úlceras e a inclusão de toda a população ou apenas aqueles em risco de desenvolver LP. Essas diferenças impactam significantemente os resultados de incidência e prevalência encontrados em diferentes estudos e países. Essa limitação já foi encontrada em uma revisão sistemática, por exemplo, na qual nem todos os estágios de LP foram incluídos nos estudos.21
Terapia intensivaEm UTIs, os pacientes são considerados de alto risco para desenvolver LP em virtude de fatores de risco relacionados à condição clínica, como imobilidade, nutrição inadequada e terapias de suporte como ventilação mecânica e hemodiálise.19,24 A incidência e a prevalência cumulativas foram de 10,0% a 25,9% e 16,9% a 23,8%, respectivamente, em uma revisão sistemática global abrangendo todas as restrições diagnósticas e tipos de UTI.24
Pediátrica e neonatalA prevalência e a incidência de LP em populações pediátricas podem variar consideravelmente dependendo do contexto clínico. Poucos estudos se concentram nessa população, mas Razmus et al. conduziram um estudo abrangendo 678 unidades de tratamento intensivo pediátrico com 39.984 pacientes nos Estados Unidos.25 Eles relataram que a taxa de LP adquirida em todas as instalações variou de 0,57% a 3,7% na UTI pediátrica e 4,6% em ambientes de reabilitação.25
Um estudo em hospitais brasileiros, acompanhando 314 crianças, encontrou prevalência média de 7,1% e incidência média de 21,8%, com 22 crianças apresentando 31 casos de LP. De acordo com os tipos de enfermaria, a prevalência média foi de 1,8% na pediatria clínica, 4,0% na pediatria cirúrgica e 32,8% nas UTIs pediátricas.26 Em outro estudo brasileiro que avaliou 83 crianças em uma UTI de hospital terciário no interior de São Paulo, a incidência de LP foi de 21,6%.27
Em neonatos, lesões por dispositivos médicos são mais comuns, especialmente na UTI.28 Um estudo que avaliou a incidência de LP em crianças e neonatos identificou risco 50% maior de LP, principalmente em decorrência de dispositivos médicos, com lesões no septo por sondas enterais e uso de traqueostomias.29 Outro estudo avaliou 625 crianças e neonatos, entre os quais aqueles com menos de 8 anos desenvolveram uma ou mais lesões por dispositivos médicos, com incidência de 7%.30
Uma revisão sistemática recente encontrou prevalência pediátrica geral variando de 0,47% a 31,2%. A prevalência combinada entre neonatos foi de 27,0%; entre crianças menores de 1 ano, foi de 19,2%; e entre crianças maiores de 1 ano, foi de 12,3%. A incidência cumulativa de LP adquirida em hospital em neonatos foi de 9,8%.31
IdososUm cenário cada vez mais frequente é a institucionalização de idosos. Em virtude das características naturais do processo de envelhecimento e dos problemas clínicos que limitam a mobilidade, a LP é considerada uma preocupação para a segurança dos idosos que vivem nessas instituições.32
Uma revisão sistemática com metanálise mostrou que a prevalência, a incidência e a ocorrência de LP adquiridas em instituições de longa permanência para idosos foram de 8,5%, 11,6% e 14,3%, respectivamente. Os estágios mais comuns foram os estágios 1 e 2. As regiões calcânea e sacral foram os locais mais frequentemente afetados. Além disso, observou‐se que a quantidade de LP entre os idosos nessas instituições é semelhante à encontrada em pacientes hospitalizados.32
COVID‐19Em pacientes com COVID‐19, particularmente aqueles admitidos na UTI durante a pandemia, as taxas de LP foram significantemente altas. Um estudo no Brasil demonstrou que, de 80 pacientes admitidos na UTI em decorrência de COVID‐19, 44 (55%) desenvolveram LP durante a hospitalização.33 Outro estudo brasileiro, entre os 393 prontuários analisados, identificou prevalência de LP em 167 casos (42,5%), com pacientes apresentando até quatro LPs.34
Em termos de localização da LP, observou‐se uma diferença durante a pandemia relacionada à posição prona, na qual os pacientes permaneceram por 16 a 24 horas consecutivas diariamente. As LP ocorreram frequentemente nas proeminências ósseas submetidas a essa posição, como frontal, nasal, peitoral, mamária e joelho.35,36 A incidência de LP varia de 25,7% a 48,5% na posição prona.37
Uma preocupação com LP relacionadas ao uso de equipamentos de proteção individual por profissionais de saúde também foi relatada durante a pandemia. Uma revisão sistemática encontrou alta incidência dessas lesões, variando de 30 a 92,8%, predominantemente em LP estágio 138 e 58,8% em outro estudo do mesmo estágio.39 Isso é corroborado por um estudo brasileiro com profissionais de UTI, no qual 91,8% dos pacientes apresentaram algum tipo de lesão/eritema, principalmente na região nasal (74,1%) e na região zigomática (45,9%).40
EtiopatogeniaO impacto patológico da pressão excessiva pode ser atribuído a três fatores: a intensidade da pressão, a duração da pressão e a capacidade dos tecidos (incluindo a pele e outras estruturas) de suportar a pressão sem sofrer danos.20 A influência da pressão capilar e da pressão de fechamento capilar é crucial no desenvolvimento de LP, pois a perfusão insuficiente decorrente da oclusão capilar pode levar à morte de células e tecidos por isquemia, deformação mecânica e estresse bioquímico.41 A compressão dos capilares por pressão externa pode interferir no fluxo sanguíneo local e na perfusão tecidual. Isso reduz o suprimento de oxigênio e nutrientes aos tecidos, resultando no desenvolvimento de LP em áreas submetidas a cargas mecânicas compostas por forças prolongadas de pressão, cisalhamento e fricção41 (fig. 1A).
(A) Ações de pressão, fricção e cisalhamento sobre a proeminência óssea. (B) A pressão externa e a compressão dos capilares (de superfícies como cama ou cadeira) interferem no fluxo sanguíneo local e, consequentemente, na perfusão tecidual, levando ao desenvolvimento de lesão por pressão. Fonte: própria dos autores.
Em indivíduos com sensibilidade, mobilidade e estado mental normais, a pressão prolongada desencadeia resposta de feedback que resulta em ajustes frequentes no posicionamento corporal. No entanto, quando essa resposta de feedback está ausente ou comprometida, a pressão sustentada e contínua pode levar a isquemia, lesão e dano tecidual.42
O dano tecidual ocorre em virtude da exposição intensa e/ou prolongada dos tecidos moles a cargas mecânicas sustentadas, como compressão, tração ou forças de cisalhamento, ou uma combinação desses modos de carga. Carga sustentada (carga quase estática) refere‐se a cargas aplicadas continuamente por longos períodos, variando de minutos a horas ou até dias43 (fig. 1B).
Um novo modelo conceitual sobre a etiopatogenia da LP foi atualizado pelos autores do NPIAP em 2022, representado pelo círculo vicioso da LP44 (fig. 2).
O mecanismo de lesão afeta diversos tecidos, desde a deformação até o dano celular inflamatório.45 A inflamação pode se intensificar em decorrência de condição isquêmica preexistente, especialmente se ocorrer reperfusão, por exemplo, imediatamente após o reposicionamento.44,46 A reperfusão após longo período de isquemia pode agravar ainda mais o dano tecidual, pois leva à liberação de radicais livres nocivos.47 Deformações persistentes em células, vasos sanguíneos e tecidos impulsionam toda essa via de dano, impactando a integridade e a função das organelas celulares e levando à desnutrição de tecidos e órgãos.43 Essas deformações não apenas causam danos diretos às estruturas celulares, mas também desencadeiam inflamação e edema, distorcem a rede capilar, reduzem o suprimento de nutrientes aos tecidos e obstruem o sistema linfático, prejudicando a remoção de resíduos metabólicos.44 Deformações localizadas do tecido podem levar rapidamente a danos microscópicos; no entanto, pode levar várias horas de pressão contínua para que esse dano celular e tecidual inicial se torne clinicamente visível.41
Embora a pressão seja o principal fator desencadeante, a capacidade dos tecidos moles de tolerar deformações sustentadas varia dependendo do tipo de tecido.43 Ela é influenciada por outros fatores, conhecidos como fatores intrínsecos e extrínsecos, que serão descritos a seguir.
Fatores de riscoA LP ocorre por fatores bem estabelecidos, como pressão, fricção e cisalhamento, mas também por diversos fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento dessas lesões.48 Esses fatores de risco são divididos em dois domínios principais: fatores extrínsecos e intrínsecos.49
Fatores extrínsecos referem‐se a condições externas ou aspectos das práticas de saúde que podem aumentar o risco de desenvolver LP, como pressão prolongada, fricção e/ou cisalhamento, umidade, manuseio inadequado, medicamentos, cuidados de higiene e uso de dispositivos médicos.1,50
Fatores intrínsecos estão relacionados às características individuais e fisiológicas do paciente que podem aumentar sua vulnerabilidade ao desenvolvimento de LP, como idade avançada, condições clínicas, mobilidade reduzida, incontinência urinária e fecal, estado hemodinâmico, insuficiência arterial e desnutrição.1
Uma revisão sistemática com metanálise de 39 estudos, incluindo mais de 2,5 milhões de pacientes em todo o mundo, identificou os idosos como grupo vulnerável. O aumento da idade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de LP, visto que indivíduos mais velhos tendem a apresentar problemas de pele, nutrição inadequada e mobilidade reduzida.21
A incontinência urinária e fecal resulta em excesso de umidade, levando à maceração da pele e tornando‐a mais suscetível a lesões por atrito e reposicionamento.21,51
Uma revisão abrangente publicada em 2024 analisou diversas metanálises, que sistematicamente destacaram risco aumentado de desenvolvimento de LP em pacientes com diabetes mellitus. Outros fatores, como a duração da cirurgia e o tempo de internação na UTI, também foram identificados como elementos de risco cruciais.52
Populações potencialmente caracterizadas por múltiplos fatores de risco incluem: pessoas gravemente doentes e/ou em terapia intensiva, indivíduos com fraturas de quadril, lesões na medula espinal, condições neurológicas crônicas, diabetes mellitus, idosos, residentes em instituições de longa permanência ou ambientes de cuidados comunitários e indivíduos submetidos a trauma e/ou cirurgia prolongada.1
Avaliação e documentação clínica e laboratorialAo coletar o histórico da LP atual, é importante atentar para as informações qualitativas do paciente, incluindo localização, duração, potenciais causas ou fatores desencadeantes, dimensões e alterações no tamanho, dor (tipo, gravidade, frequência, fatores que aliviam ou pioram), características como exsudato, tipos de tecido e odor, bem como histórico de outras LP e cicatrizes.42
É necessário avaliar todas as proeminências ósseas e áreas críticas relacionadas ao posicionamento e aos dispositivos invasivos (fig. 3). Os principais locais afetados em adultos são tipicamente a região sacrococcígea e os calcanhares, estes últimos principalmente em virtude de posição dorsal ou sentada.1,21,53 Outras áreas frequentemente afetadas incluem a região isquiática em pacientes que permanecem sentados e o quadril (particularmente o trocanter) em pacientes que se deitam em decúbito lateral.1
Em crianças, a área mais afetada, especialmente em bebês acamados em decúbito dorsal, é a região occipital, seguida pela região sacral e pelos calcanhares. Outras localizações em crianças incluem as orelhas e o nariz, por uso de dispositivos médicos.1,54
EstadiamentoA mudança na terminologia de “úlcera por pressão” para “lesão por pressão” abrange tanto a pele intacta quanto as lesões ulceradas.17 Assim, a LP descreve lesões em estágio 1 e lesões de tecidos profundos sem pele ulcerada. A classificação estadiamento e os exemplos de envolvimento anatômico são descritos na tabela 1.1
Classificação e definição de lesões por pressão de acordo com o European Pressure Ulcer Advisory Panel1
Classificação | Definição |
---|---|
Estágio 1 | Pele intacta com eritema que não embranquece, não clareia com a pressão em área localizada. Pele com pigmentação escura pode não apresentar branqueamento visível; sua cor pode diferir das áreas circundantes. A área pode estar dolorida, firme, macia, mais quente ou mais fria em comparação com o tecido adjacente (fig. 4A‐B). |
Estágio 2 | Perda parcial da espessura dérmica, manifestando‐se como úlcera superficial com leito vermelho‐rosado, sem tecido necrótico ou hematomas. Pode também apresentar‐se como bolha intacta ou rompida. Essas lesões não apresentam tecido necrótico e cicatrizam por epitelização, em vez de tecido de granulação. Este estágio não se aplica a lesões cutâneas associadas à umidade, como dermatite associada à incontinência, dermatite intertriginosa, lesões relacionadas a dispositivos médicos ou feridas traumáticas, como lacerações, queimaduras e abrasões (fig. 5A‐B). |
Estágio 3 | Perda total da espessura da pele. O tecido subcutâneo pode ser visível, mas ossos, tendões ou músculos não estão expostos. Pode haver escara ou esfacelo. Tunelamento, solapamento, erosões e epíbole também podem estar presentes (fig. 6A‐B). |
Estágio 4 | Perda de tecido de espessura total, em que a exposição pode atingir osso, tendão ou músculo. Pode haver esfacelo ou escara em algumas partes do leito da ferida. Frequentemente inclui erosão e tunelamento. O osso/tendão exposto é visível ou diretamente palpável, o que pode levar à osteomielite (fig. 7A‐B). |
Lesão por pressão em tecidos profundos | Descoloração persistente da pele intacta ou presença de bolha, caracterizada por lesão translúcida que pode conter fluido sanguinolento, claro, seroso ou purulento, sugerindo possível dano profundo ao tecido subjacente (fig. 8A‐B). |
Lesão por pressão não classificável | Perda de pele e tecido em toda a espessura, na qual a base da ferida é coberta por escara (amarela, bege, cinza, verde ou marrom) e/ou tecido necrótico (bege, marrom ou preto) no leito da ferida. O estágio não pode ser determinado até que o tecido necrótico ou a escara sejam removidos para revelar a base da ferida. Exclui LP reclassificadas para estágio 3 ou 4 após exposição ou desbridamento (fig. 9A‐B). |
Lesão por pressão relacionada a dispositivos médicos | Causadas pelo uso de dispositivos projetados e utilizados para fins diagnósticos ou terapêuticos. Essas lesões apresentam padrão ou formato consistente com o dispositivo que aplica pressão na pele. Devem ser classificadas usando sistema de estadiamento reconhecido, semelhante a outras LPs (fig. 10A). |
Lesão por pressão nas membranas mucosas | Essas lesões ocorrem nas membranas úmidas que revestem os tratos respiratório, gastrintestinal e geniturinário. Dispositivos médicos, como tubos e equipamentos de estabilização, são as principais causas. Em virtude da anatomia única desses tecidos, essas lesões não podem ser classificadas em estágio 1 a estágio 4 (fig. 10B). |
A LP não se limita à pele; ela também pode ocorrer em membranas mucosas, incluindo os tratos respiratório, gastrintestinal e geniturinário. A LP mucosa está principalmente associada a dispositivos médicos, tipicamente causada por tubos e/ou seus equipamentos de estabilização que exercem forças de compressão e cisalhamento sustentadas sobre membranas mucosas e tecidos subjacentes vulneráveis.1
A representação das camadas da pele afetadas e as imagens de lesões por pressão representativas, de acordo com cada classificação, estão nas figuras 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.
(A) Lesão por pressão relacionada a dispositivo médico em paciente com lesão por pressão na superfície interna da coxa direita, causada por pressão de cateter urinário de demora. (B) Lesão por pressão da mucosa uretral em paciente com cateter urinário de demora. Fonte: própria dos autores.
Recomendações baseadas em evidências para técnicas adicionais de avaliação, como avaliação da temperatura da pele, medida da umidade subepidérmica e gráficos de cores do tom da pele, devem ser utilizadas na avaliação da pele e dos tecidos e na classificação da LP, particularmente em tons de pele mais escuros.1 A avaliação da pele por meio de scanners de medida de umidade subepidérmica ganhou atenção internacional, pois pode detectar o início de LP aproximadamente cinco dias antes de se tornarem visualmente aparentes,55 tornando‐se um avanço promissor na prática clínica de prevenção de LP.56
Algumas ferramentas orientam a avaliação e a documentação de LP, como a amplamente utilizada PUSH (Pressure Ulcer Scale for Healing), que fornece um guia para avaliar o exsudato, o tamanho e o tipo de tecido, servindo como suporte para a progressão clínica.57,58 Outra ferramenta mais atual e abrangente que auxilia os profissionais é a Bates‐Jensen Wound Assessment Tool (BWAT)59 – adaptada para o Brasil em 201560 e cuja confiabilidade foi validada internacionalmente em 2019.61 O BWAT consiste em 13 características da ferida: tamanho, profundidade visível, bordas da ferida, solapamento e tunelamento, tipo e quantidade de tecido necrótico, tipo e quantidade de exsudato, descoloração da pele circundante, edema do tecido periférico, endurecimento do tecido periférico, tecido de granulação e epitelização.60,61
Aspectos laboratoriaisOs exames laboratoriais auxiliam na avaliação de condições que podem dificultar ou retardar a cicatrização de LP, como infecção, anemia, estado nutricional inadequado e diabetes mellitus. Recomenda‐se a realização de um painel metabólico abrangente, hemograma completo com diferencial, albumina e pré‐albumina (para avaliar o estado nutricional) e hemoglobina A1c.62
Embora a coleta de amostras com swabs para avaliar infecção continue sendo o método mais comum para a coleta de amostras de feridas em virtude de sua simplicidade e baixo custo,63 culturas de feridas com swabs superficiais podem não ter valor clínico. Frequentemente, refletem colonização em vez de infecção, levando a resultados falso‐positivos.64–66
A biopsia de tecido é considerada o padrão‐ouro por sua precisão, embora seja mais invasiva, dispendiosa e exija habilidades especializadas para sua realização.63 Além disso, a biopsia apresenta maior sensibilidade para feridas infectadas por bactérias multirresistentes.65
Diagnósticos diferenciaisDermatite associada à incontinênciaLesões causadas por excesso de umidade (suor, exsudato e fluidos corporais) comprometem a barreira epidérmica e podem causar danos à pele que podem ser confundidos com LP.1 A dermatite associada à incontinência (DAI) é dermatite de contato irritante e a forma mais comum de dano à pele associado à umidade, pois a exposição crônica da pele à urina e às fezes causa lesões químicas na pele.1
A DAI é caracterizada como dermatose inflamatória com eritema, exsudação e escoriação.67 Apresenta‐se também com alterações persistentes de pigmentação, edema, maceração, vesículas ou bolhas.68 Afeta o períneo, as pregas inferiores das nádegas, a região escrotal, as coxas e, por vezes, até o abdome (fig. 11A).
Diagnóstico diferencial de lesão por pressão. (A) Dermatite associada a incontinência em paciente com incontinência urinária e fecal que desenvolveu eritema intenso nas regiões interglútea, perianal e escroto. (B) Úlcera terminal de Kennedy em paciente com falência múltipla de órgãos que desenvolveu rapidamente (em 24 horas) placa purpúrica na região sacral. Fonte: própria dos autores.
Lesões terminais são aquelas que surgem horas ou semanas antes da morte do paciente.69 Muitos sinônimos descrevem o mesmo tipo de lesão; o termo mais conhecido é o epônimo “úlcera terminal de Kennedy” (UTK). As UTK foram relatadas pela primeira vez por Karen Lou Kennedy70, descrevendo uma mancha cutânea descolorida (roxa, vermelha, azul ou preta), geralmente localizada na região sacral ou do cóccix, embora possa afetar outras partes do corpo, com formato de borboleta, pera ou ferradura (fig. 11B). Sua progressão é muito rápida, com úlceras de espessura total evoluindo ao longo de horas ou alguns dias, indicando a iminência da morte.1
Há debate sobre se a UTK é um tipo específico de LP. No entanto, há uma diferença na fisiopatologia entre elas.71 A LP é causada por pressão não aliviada, frequentemente acompanhada de cisalhamento e fricção, resultando em isquemia local e dano tecidual. Por outro lado, a UTK é causada por hipoperfusão e falência multiorgânica, e a hipoperfusão da pele resulta em sinais visíveis de morte tecidual. Nesse cenário, a isquemia associada à falência multiorgânica, em vez dos efeitos danosos da pressão ou cisalhamento não aliviados, resulta em úlcera cutânea inevitável.69
Em virtude da localização e descoloração roxas ou marrons semelhantes, pode ser difícil diferenciá‐la da LP de tecido profundo.72
Considerações finaisEste artigo teve como objetivo auxiliar profissionais de saúde e dermatologistas na identificação de fatores de risco e mecanismos de LP com base nos conceitos mais atuais disponíveis na literatura científica. O foco principal foi fornecer recursos para ajudá‐los a avaliar, prescrever e monitorar pacientes de maneira holística. Além disso, objetivou‐se também auxiliar na avaliação de cada classificação de risco e na distinção de outras condições de pele, como LP.
Alguns pontos‐chave desta revisão incluem: 1) a prevalência de LP permanece alta na população global, com ênfase em pacientes em UTIs, idosos institucionalizados, indivíduos com fraturas de quadril, traumatismos ou cirurgias prolongadas, lesões na medula espinal e condições neurológicas crônicas; 2) crianças e neonatos também apresentam risco de LP; 3) a LP não se limita à pele; ela também pode ocorrer em membranas mucosas, principalmente associadas a dispositivos médicos; 4) a avaliação da temperatura, a medida da umidade subepidérmica e tabelas de cores de tons de pele podem ser usadas na avaliação da pele e dos tecidos e na classificação da LP, particularmente em tons de pele mais escuros; 5) em casos de LP com suspeita de infecção, culturas de feridas a partir de swabs superficiais não são indicadas. A biopsia para análise microbiológica apresenta maior sensibilidade na detecção de feridas infectadas por bactérias multirresistentes.
Os autores convidam você a ler o próximo artigo, que aborda as principais complicações inerentes à LP, medidas preventivas práticas, tratamentos convencionais e tecnologias avançadas atualmente em uso. Além disso, o próximo artigo fornece um guia prático com foco no combate ao biofilme e na atualização das técnicas de desbridamento.
Disponibilidade de dados de pesquisaTodo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBruna Cristina Velozo: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Michelle Venâncio Hong: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Larissa Cassiano Bernardo: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Meire Cristina Novelli e Castro: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Luciana Patrícia Fernandes Abbade: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
EditorHiram Larangeira de Almeida Jr.
Como citar este artigo: Velozo BC, Hong MV, Bernardo LC, Novelli e Castro MC, Contreras‐Ruiz J, Abbade LPF. Pressure injury: Update on general concepts, clinical aspects, and laboratory findings – Part I. An Bras Dermatol. 2025;100:501187.
Trabalho realizado no Departamento de Infectologia, Dermatologia, Diagnóstico por Imagem e Radioterapia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.