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Vol. 100. Núm. 4.
(1 julho 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Leucemia/linfoma de células T do adulto após dermatite infectiva em paciente com infecção por HTLV‐1: relato de caso
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Denis Miyashiroa,
, Tatiane Assoneb, Augusto César Penalva de Oliveirac, Sabri Saeed Mohammed Ahmed Al‐Sanabanib, José Antonio Sanchesa,b, Jorge Casseba,b
a Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Laboratório de Investigação em Dermatologia e Imunodeficiências, Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
c Instituto de Doenças Infecciosas “Emílio Ribas”, São Paulo, SP, Brasil
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Prezado Editor,

O vírus linfotrópico T humano tipo 1 (HTLV‐1) foi o primeiro retrovírus diretamente ligado ao desenvolvimento de câncer em humanos. Ele exibe tropismo de células T CD4+, resultando em aceleração do ciclo celular, formação de clones CD4+ e CD8+ imortais e resposta imune exagerada.1 Estima‐se que dez milhões de pessoas no mundo estejam infectadas com HTLV‐1; o Brasil é o país endêmico com o maior número absoluto de indivíduos infectados (quase um milhão).2 As doenças associadas ao HTLV‐1 incluem leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA), mielopatia associada ao HTLV‐1 (MAH), síndrome de Sjögren, uveíte, tireoidite, pneumonite, artrite, polimiosite, dermatite infectiva (DI), outras manifestações cutâneas, sintomas urinários, disfunção erétil e doença periodontal.3–5 A DI pode estar associada à MAH em até 50% dos casos.6

A LLTA tem cinco formas clínicas: aguda, linfomatosa, crônica, latente e cutânea primária tumoral.7 A DI é doença crônica recidivante que afeta crianças, com poucos relatos de doença de início tardio e casos raros que evoluem para LLTA.7 Descreve‐se um caso de DI de início adulto e LLTA.

Paciente do sexo feminino, de 71 anos, infectada com HTLV‐1 há 22 anos, apresentou xerose e prurido generalizado em todo o corpo por 12 meses. Ela foi diagnosticada com dermatite atópica e foi tratada sem sucesso com esteroides tópicos e sistêmicos por oito meses antes de ser avaliada no departamento. A paciente apresentava placas eritemato‐exsudativas associadas à xerose nos membros (fig. 1A). Ela relatou perda ponderal e suores noturnos, mas nenhum sintoma neurológico. A biopsia de pele de uma placa exsudativa revelou hiperparaceratose, espongiose, exocitose de linfócitos e infiltrado perivascular superficial, e o diagnóstico de DI foi realizado. A paciente também apresentava múltiplas pápulas infiltradas e lesões purpúricas no tronco (fig. 1B–C); a histopatologia revelou infiltração por células T CD4+CD7atípicas, compatíveis com LLTA (fig. 2). A paciente não apresentava envolvimento de linfonodos ou vísceras. A carga proviral do HTLV‐1 foi de 189 cópias/104 células mononucleares do sangue periférico (CMSP), e o ensaio de proliferação de células T revelou 1.243 contagens/minuto, dez vezes maior do que o controle negativo para HTLV‐1. A imunofenotipagem mostrou intensidade reduzida de CD3 e 79% de células CD4+CD26anormais (fig. 3). A reação em cadeia da polimerase do gene do receptor de células Tγ rearranjado revelou expansão monoclonal de células T no sangue (fig. 4). Foi feito o diagnóstico de LLTA crônica desfavorável. A paciente recebeu betametasona intramuscular e anti‐histamínicos orais com resposta parcial. Após a recorrência dos sintomas, foram iniciadas zidovudina (400mg/dia) e pulsoterapia com metilprednisolona três vezes a cada 45 dias, resultando em melhora acentuada das lesões cutâneas de DI e LLTA e alterações sanguíneas. Durante o seguimento, a paciente desenvolveu envolvimento da medula óssea e veio a óbito após quatro anos do diagnóstico de DI e LLTA.

Figura 1.

(A) Placas eritematosas e purpúricas nas fossas poplíteas. (B) Erupção eritematosa difusa no tronco e membros superiores. (C) Múltiplas pápulas infiltradas no dorso.

Figura 2.

Histologia da lesão de LLTA mostrando exocitose de linfócitos com agregados de células atípicas na epiderme e linfócitos atípicos perivasculares na derme superficial (A, Hematoxilina & eosina, 100×); positividade para CD4 (B, 100×); perda parcial de CD7 (C, 100×); Ki‐67 de 60% (D, 100×).

Figura 3.

Imunofenotipagem de linfócitos no sangue periférico por citometria de fluxo mostrando menor intensidade de CD3 em células T anormais (A) em comparação com controle normal (B).

Figura 4.

Análise do rearranjo gênico do receptor de células T mostra monoclonalidade com dois rearranjos gênicos de tamanhos diferentes (caixa vermelha).

DI é a manifestação pediátrica primária em pacientes com HTLV‐1 infectados verticalmente, e é rara em adultos.5,8 A média de idade de início é de 2 anos, e sua prevalência diminui com a idade, provavelmente pela maturação do sistema imunológico.9 As características clínicas compreendem erupções eritematosas‐exsudativas crônicas que afetam o couro cabeludo, área retroauricular, pálpebras, pele do seio paranasal, axilas, pescoço e virilha.8 As lesões são agravadas por superinfecções bacterianas, particularmente Staphylococcus aureus (SA) e Streptococcus beta‐hemolítico (EBH).8 Infecções não bacterianas também podem complicar a doença, como infecções cutâneas por dermatófitos ou Candida e escabiose.8

O desenvolvimento de DI tem sido associado ao aumento da carga viral, presença de anticorpos HTLV‐1 e predisposição genética.8 A possível patogênese seria a proteína tax codificada pelo HTLV‐1, que transativa genes relacionados a citocinas inflamatórias (interferona‐γ, fator de necrose tumoral‐alfa, interleucina‐1 e interleucina‐6).9 Também foi sugerido que danos à barreira cutânea em virtude da desregulação da proteinase epidérmica relacionada ao HTLV‐1 e infecção das células de Langerhans pelo HTLV‐1 podem levar à modulação precária das respostas imunes na pele e ao aumento da taxa de infecção por SA e EBH.10 Essa inflamação crônica pode induzir transformação maligna de células infectadas.7,8 Entretanto, deve ser investigado mais profundamente se a DI na infância prevê risco maior de desenvolvimento de LLTA na idade adulta.

A antibioticoterapia prolongada é a melhor estratégia para o controle da DI. Neste caso, a paciente recebeu zidovudina, inibidor da transcriptase reversa nucleosídeo, que é terapia eficaz para LLTA, pois exerce efeitos citostáticos ao encerrar a replicação do DNA.4 Aventa‐se a hipótese que a zidovudina possa diminuir a replicação do HTLV‐1 na pele e reduzir os efeitos inflamatórios e o comprometimento imunológico da DI. Além disso, a pulsoterapia com esteroides reduziu a inflamação cutânea, resultando em melhora significante da DI e da LLTA.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Denis Miyashiro: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Tatiane Assone: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Augusto César Penalva de Oliveira: Obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Sabri Saeed Mohammed Ahmed Al‐Sanabani: Obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

José Antonio Sanches: Elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Jorge Casseb: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimento

O presente trabalho é em memória de HSM, a paciente que foi tratada na clínica.

Referências
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Como citar este artigo: Miyashiro D, Assone T, Oliveira AC, Al‐Sanabani SS, Sanches JA, Casseb J. Adult T‐cell lymphoma/leukemia following Infective dermatitis in an adult with HTLV‐1 infection: a case report. An Bras Dermatol. 2025;100:501151.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; Laboratório de Investigação em Dermatologia e Imunodeficiências, Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; Instituto de Doenças Infecciosas “Emílio Ribas”, São Paulo, SP, Brasil.

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