Dermatite atópica (DA) é doença inflamatória crônica da pele que afeta parcela significante da população global. Embora os tratamentos convencionais controlem e tratem os sintomas de maneira eficaz, há uma necessidade crescente de abordagens mais personalizadas e precisas para os pacientes. A medicina de precisão surgiu como estratégia terapêutica promissora que adapta o tratamento às características individuais de cada paciente. Complementando isso, a estratégia Treat‐to‐Target (T2T) define metas clínicas específicas e envolve monitoramento contínuo e ajustes de tratamento com base em respostas do paciente em tempo real e dados de biomarcadores.
ObjetivosEsta revisão visa explorar os últimos avanços na medicina de precisão e na estratégia T2T para DA.
MétodosRevisão abrangente da literatura foi conduzida para identificar os estudos e avanços mais recentes na medicina de precisão e na estratégia T2T para DA.
ResultadosEstudos recentes destacam a eficácia da medicina de precisão em alcançar remissão sustentada e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A estratégia T2T demonstrou ser eficaz na prevenção de exacerbações e na adaptação de tratamentos com base em respostas do paciente em tempo real e dados de biomarcadores.
Limitações do estudoFalta de consenso sobre a implementação clínica da medicina de precisão e T2T, estudos longitudinais limitados validando desfechos a longo prazo, desafios na estratificação de pacientes devido à heterogeneidade de biomarcadores e barreiras para integrar tecnologias de diagnóstico emergentes na prática de rotina.
ConclusõesA medicina de precisão e a estratégia T2T representam avanços significantes no manejo da DA. Essas abordagens oferecem o potencial para protocolos de tratamento mais personalizados, eficazes e adaptativos, levando a melhores resultados para os pacientes. Pesquisa e desenvolvimento contínuos nessas áreas são essenciais para compreender totalmente seu potencial e integrá‐los à prática clínica de rotina.
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Dermatite atópica (DA) é doença inflamatória crônica, recorrente e multifatorial da pele, caracterizada pela presença de prurido, eczema, eritema e xerose. Afeta pessoas de todas as idades, até 20% das crianças e 10% dos adultos em países desenvolvidos1 e está associada a impacto significante na qualidade de vida dos pacientes. É causada pela interação complexa de fatores genéticos, imunológicos e ambientais, levando à alteração do sistema imunológico que desencadeia processos inflamatórios mediados principalmente por células T. Entre os principais mecanismos fisiopatológicos estão a ruptura da barreira cutânea, aumento dos níveis séricos de IgE e síntese alterada de componentes da barreira cutânea, como a filagrina (FLG).2
História familiar de DA tem sido descrita como o fator de risco de doença mais importante,1 e estima‐se que a herdabilidade da DA seja de aproximadamente 80%,3 destacando a importância significante dos fatores genéticos nessa condição. Além disso, a identificação de biomarcadores específicos da doença é crucial para entender a fisiopatologia da DA, e esses biomarcadores podem incluir perfis genéticos, marcadores imunológicos e características do microbioma da pele. Várias moléculas foram identificadas em mecanismos que contribuem para danos à barreira da pele, alteração de FLG ou síntese de loricrina, alterações no metabolismo lipídico da membrana, como ceramidas, perda da integridade da junção de ancoragem e desregulação do processo de diferenciação dos queratinócitos.4 Alterações no microbioma de pacientes com DA também foram identificadas, com redução de bactérias comensais e aumento da colonização de Staphylococcus aureus (SA) e Streptococcus epidermidis (SE).5,6 A detecção e quantificação desses biomarcadores podem fornecer informações valiosas sobre a gravidade da doença, resposta ao tratamento e identificação de potenciais alvos terapêuticos.
Os tratamentos convencionais para DA incluem corticosteroides tópicos e emolientes, que têm sido a base do tratamento da doença; entretanto, há uma variabilidade considerável nas respostas dos pacientes a essas terapias. A DA moderada a grave tem sido tradicionalmente tratada com várias opções terapêuticas, incluindo metotrexato (MTX), fototerapia e ciclosporina A (CsA). Nos últimos anos, o cenário terapêutico evoluiu com a incorporação de novos tratamentos biológicos e direcionados, como dupilumabe e inibidores da Janus Kinase (JAK).7 Essas novas terapias têm mostrado resultados promissores na melhora dos sintomas e da qualidade de vida dos pacientes.8 Entretanto, desafios importantes permanecem na prática clínica, particularmente na determinação de qual tratamento é mais apropriado para cada paciente e em qual estágio específico de sua doença.9 As diretrizes de tratamento atuais fornecem recomendações gerais, mas ainda carecem de clareza e consenso suficientes em relação à personalização do tratamento com base nas características individuais do paciente. Essa incerteza destaca a necessidade de uma abordagem mais precisa e personalizada para o manejo da DA moderada a grave.
Nesse contexto, a medicina de precisão surge como nova perspectiva no tratamento da DA, permitindo abordagem mais individualizada, adaptada às características genéticas, biomoleculares e ambientais de cada paciente (tabela 1). Esta revisão tem como objetivo explorar os últimos avanços na medicina de precisão e a estratégia Treat‐to‐Target (T2T) para DA.
Estado da arte do conhecimento sobre medicina de precisão e terapia Treat‐to‐Target na dermatite atópica
Medicina de precisão | Treat‐to‐Target (T2T) |
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É o tratamento baseado em características genéticas, moleculares e ambientais individuais. | T2T é um conjunto de metas clínicas específicas para remissão ou redução da doença com monitoramento e ajustes regulares. |
O objetivo é otimizar a eficácia da terapia e personalizar o tratamento de acordo com o perfil específico do paciente. | O objetivo é atingir objetivos clínicos por meio de etapas definidas, avaliações constantes e ajustes de tratamento. |
As técnicas correspondem às ciências ômicas, focadas nos insights genéticos em dermatite atópica (FLG, SPINK5, RETN, IL‐13, TSLP, entre outras). Ferramentas: GWAS, NGS e PRS. | Uso de medidas validadas (p. ex., EASI, NRS de Prurido, DLQI) para avaliar a eficácia do tratamento e ajustar a terapia. |
Biomarcadores focados na resposta ao tratamento (IL‐22, IL‐16) e prognóstico (níveis de CCL22 na pele). | Estrutura para decisões sistemáticas (p. ex., aumentar a dose, adicionar terapias ou mudar o tratamento). |
Pode ser aplicado a ferramentas preditivas (p. ex., adesivo Mind.Px™) para determinar a resposta do paciente a produtos biológicos e estratificação com base em perfis de citocinas (p. ex., dominância Th1/Th2/Th17). | Concentra‐se na integração de medidas de desfecho e na colaboração do paciente para melhor adesão e tomada de decisão compartilhada. |
Ferramentas de diagnóstico como adesivo de biomarcador dérmico com microagulhas para RNA e perfis de expressão gênica para diagnóstico não invasivo e otimização de terapia. | Ajuste de terapias com base nos critérios de resposta ao tratamento, fazendo a transição do controle da crise para a remissão. |
Os desafios são a tradução das descobertas baseadas em ômicas para a prática clínica e os custos mais altos e a acessibilidade das tecnologias. | Os desafios são a falta de consenso universal para abordagens dermatológicas T2T e a necessidade de acordos multidisciplinares. |
Ainda são necessários a validação de biomarcadores para terapia e prognóstico, e mais estudos sobre perfis de resposta para diferentes endótipos. | A abordagem T2T ainda precisa do desenvolvimento de critérios e ferramentas padronizados para a implementação correta do T2T de maneira ampla na dermatite atópica. |
Durante agosto e outubro de 2024, foi conduzida revisão narrativa da literatura inserindo os termos “precision medicine”, “atopic dermatites”, “treat‐to‐target therapy”, “dermatology”, “omics”, “epigenomic”, e “proteomic” no PubMed e no Google Scholar. A busca foi limitada a artigos em inglês e espanhol. Todos os três autores participaram da busca e posteriormente selecionaram os artigos com base em sua relevância.
ResultadosMedicina de precisãoO termo “medicina de precisão” refere‐se ao conceito de adaptar o tratamento e a prevenção de doenças considerando os diferentes fatores genéticos, ambientais ou de estilo de vida específicos para grupos de pessoas.10 Atualmente, a medicina de precisão usa as informações genéticas e moleculares de um grupo de pacientes para desenvolver medicamentos ou tratamentos específicos e otimizados; seu objetivo principal é garantir que cada medicamento ou tratamento seja o mais adequado para tratar um indivíduo, focando também na redução de efeitos colaterais e maior eficácia.11
Os avanços em novas tecnologias nas áreas de biologia molecular e estrutural, também conhecidas como ômicas, desempenharão papel fundamental na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos dessa doença e podem desenvolver estratégias preventivas e tratamentos personalizados.1,12 A medicina de precisão se concentra principalmente nas informações genéticas humanas. A genética envolve o estudo dos genes, seus efeitos e sua relação com a herança. Dentro dessas áreas estão as ciências “ômicas”, que incluem: genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica, glicômica, lipidômica, epigenômica, metalômica, metagenômica, entre outras11,13 (tabela 2). Para o estudo dessas ômicas e medição de biomarcadores, existem diferentes técnicas de abordagens imunológicas translacionais para medir biomarcadores em condições inflamatórias da pele, como emprego de fita adesiva, adesivo de biomarcador dérmico com microagulhas, perfil molecular de curetagem epidérmica, coloração de hibridização in situ de RNA, sequenciamento de RNA de célula única,14 bolhas de sucção15 e microdiálise da pele16 (tabela 3).
Uso das ciências ômicas na medicina
Ômicas | Estudo | T | Detecção |
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Genômica | Estudo de todos os genes de uma pessoa (genoma), incluindo as interações dos genes entre si e com o ambiente. | DNA | GWAS, NGS |
Transcriptômica | Estudo do transcriptoma, da quantidade e das atividades de todos os RNAs (codificantes e não codificantes), em um determinado momento e lugar. | mRNA | NGS |
Microarranjos, RNA‐sequenciamento | |||
Proteômica | Estudo das proteínas de um organismo, tipo de tecido ou célula (proteoma). | Proteínas | Dessorção/ionização a laser assistida por matriz seguida de espectrometria de massas por tempo de voo (MALDI‐TOF MS) e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas em tandem (LC‐MS/MS). |
Metabolômica | Estudo de pequenas moléculas (metabólitos) dentro de tecidos, biofluidos ou células; e suas interações dentro de um sistema biológico (metaboloma). Ele reflete a atividade bioquímica subjacente e o estado de células ou tecidos. | Metabólitos | Espectrometria de massa |
Glicêmica | Estudo dos carboidratos dentro de uma célula ou tecido. | Carboidratos | Espectrometria de massa |
Lipidômica | Estudo dos lípides dentro de uma célula ou tecido. | Lípides | Espectrometria de massa |
Epigenômica | Estudo do conjunto completo de modificações epigenéticas no material genético de uma célula (epigenoma). | DNA | ChIP‐Seq/Hi‐C/ChIA‐PET |
Metalômica | Estudo de metaloproteínas, metaloides e metais dentro de uma célula ou tecido. É um ramo da metabolômica. | Metaloproteínas, metaloides e metais | Espectroscopia de absorção atômica, Espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP‐MS) |
Metagenômica | Estudo dos genomas de uma comunidade microbiana. | DNA/rRNA | NGS |
Abordagens investigacionais para medicina de precisão em dermatite atópica
Emprego de fita adesiva | Adesivo de biomarcador dérmico com microagulhas | Perfil molecular a partir de curetagem epidérmica | Coloração de hibridização in situ de RNA | Sequenciamento de RNA de célula única | Bolhas de sucção | Microdiálise da pele | |
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Técnica | Tiras de fita adesiva são aplicadas repetidamente na pele do paciente | Agulhas de tamanho micrométrico coletam RNA ou proteína da pele | Curetagem do tecido epidérmico superficial | Detecta moléculas de mRNA específicas por hibridização de sondas complementares de 18‐25 pb e usando uma molécula cromogênica ou fluorescente | Análise transcriptômica de células individuais em tecidos | As bolhas são induzidas com pressão negativa na junção dermoepidérmica. O fluido da bolha é usado para análise proteômica e as células para análise transcriptômica. | Uma ponta da sonda de microdiálise é inserida na junção dermoepidérmica, a membrana é perfundida com solução fisiológica e as moléculas no dialisado são coletadas. |
Camadas de pele obtidas | Epiderme superficial | Epiderme e derme superior | Varia dependendo da localização anatômica | Epiderme e derme | Epiderme e derme | Epiderme e derme superior | Não relatado |
Análise de sequenciamento | Sim | Sim | Não | Não | Sim | Sim | Não |
Biópsia necessária | Não | Não | Não | Sim | Sim | Não | Não |
Limitações | Amostras predominantemente do estrato córneo e dificuldades de padronização | Menos invasiva que a biópsia e a técnica pode causar irritação e desconforto | Não há dados relatados sobre a reprodutibilidade do método de coleta | Dificuldade de analisar grandes painéis de citocinas, pois cada alvo requer uma sonda separada | Dificuldade de integração ao fluxo de trabalho clínico e pode ser necessário processar amostras frescas. | Tempo necessário para a formação de bolhas (1 hora) | A coleção de moléculas varia com a temperatura corporal, fluxo sanguíneo e taxa de perfusão. É difícil padronizar esses fatores. |
A medicina de precisão reconhece a importância de fatores individuais, como genética, histórico médico e o ambiente do paciente no desenvolvimento e tratamento da DA. Abordagens personalizadas podem incluir a seleção de tratamentos específicos com base em perfis genéticos, identificação e prevenção de gatilhos ambientais e monitoramento regular das respostas ao tratamento usando biomarcadores específicos. A implementação de estratégias personalizadas pode melhorar significantemente a eficácia e a tolerabilidade do tratamento, bem como reduzir o risco de efeitos colaterais indesejados.
Como mencionado, a genética desempenha papel fundamental na etiopatogenia da DA. O primeiro estudo de ligação genética, que comparou a herança de marcadores genéticos com a presença de característica clínica para identificar genes de risco para DA, identificou um importante locus de suscetibilidade no cromossomo 3q21.17 Além disso, o gene FLG, que codifica a filagrina, é um dos genes mais conhecidos associados à suscetibilidade e gravidade da DA.18 Associação semelhante foi encontrada com outra mutação na serina protease SPINK5. 19,20 Estudos conduzidos em populações asiáticas identificaram associação entre o gene SPINK5, que codifica um inibidor de serina protease envolvido na manutenção da barreira da pele, e a suscetibilidade à DA.21
Nos últimos anos, vários fatores de risco genéticos relacionados à DA foram identificados, incluindo ADAM33, RETN, TGFB1, CD207, TSLP, IL‐13, IL‐4, IL‐31, IL6R, STAT3, KIF3A e HLA‐DBQ1, entre outros13,22–27 (tabela 4). Os fatores de risco genéticos para DA foram identificados por meio de estudos de ligação genética, abordagens de genes candidatos, estudos de associação de todo o genoma (GWAS, do inglês genome‐wide association studies) e, mais recentemente, tecnologias de sequenciamento de próxima geração (NGS, do inglês next‐generation sequencing), que contribuíram para melhor compreensão da base de risco genético da DA.1
Genes associados à dermatite atópica
Gene | Localização | Função | Referência |
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Filagrina | Cromossomo 1q21.3 | Parte do complexo de diferenciação epidérmica. Desenvolvimento e manutenção da barreira cutânea | (Løset M, 2019)29 |
SPINK5 | Cromossomo 5q32 | Inibidor de protease para homeostase da epiderme | (Bin L; 2016)28 |
ADAM33 | Cromossomo 20p13 | Interações célula‐célula e célula‐matriz, migração celular e adesão celular | (Matsuse A; 2009)24 |
TSLP | Cromossomo 5q22.1 | Promove a resposta imune Th2 | (Bin L; 2016)23 |
IL‐4 | Cromossomo 5q31 | Parte da via de sinalização Th2 | (Bin L; 2016)23 |
IL‐13 | Cromossomo 5q31 | Parte da via de sinalização Th2 | (Bin L; 2016)23 |
IL‐31 | Cromossomo 5q31 | Parte da via de sinalização Th2 | (Bin L; 2016)23 |
IL6R | Cromossomo 1q21.3 | Resposta imune em múltiplos eixos | (Nakajima S; 2024)13 |
STAT3 | Cromossomo 17q21.2 | Sinalização JAK‐STAT em múltiplos eixos imunes | (Nakajima S; 2024)13 |
HLA‐DBQ1 | Cromossomo 6p21.32 | Apresentação de antígeno | (Nakajima S; 2024)13 |
CD207 | Cromossomo 2p13.3 | Ativação de células de Langerhans | (Nakajima S; 2024)13 |
KIF3A | Cromossomo 5q31 | Formação de cílios móveis e primários não‐móveis. Associados a asma e marcha atópica | (Stevens ML; 2020)25 |
RETN | Cromossomo 19p13 | Promove a expressão de citocinas pró‐inflamatórias | (Banihani SA; 2018)27 |
TGFB1 | Cromossomo 19q13.2 | Modula a inflamação e a remodelação dos tecidos | (Shafi T; 2024)26 |
GWAS é uma abordagem estatística que compara a frequência alélica de milhões de variantes genéticas entre pacientes e indivíduos saudáveis para identificar loci associados a características clínicas.28 Esses estudos identificaram mais de 40 genes associados ao risco de DA, incluindo o gene FLG e loci de risco como SERPINB7, DSC1 e ITGB8, entre outros.1 Em estudos de associação de fenótipo amplo, a variante de perda de função de FLG está associada a diferentes fenótipos clínicos de DA, como asma, rinite alérgica e alergia alimentar.29 A variação genética nos genes MMPADAM33 e no receptor de monócitos CD14 também foi associada à bronquite alérgica e à asma, respectivamente.30
O sequenciamento de exoma total (WES, do inglês whole exome sequencing) permite a identificação de variação genética em regiões exômicas, permitindo a caracterização de fatores genéticos subjacentes à DA.1 Variantes raras em FLG e outros genes como GTF2H5, EVPL ou NLRP1 foram identificadas em populações africanas.31 Outro estudo identificou uma mutação em CARD11 que gera alterações celulares potencialmente corrigíveis que levam à DA.32
Entre os novos avanços em estudos genéticos, surgiram os escores de risco poligênico (PRS, do inglês polygenic risk scores). Esses escores estão sendo usados para identificar pacientes em risco de desenvolver DA e que têm maior probabilidade de se beneficiar de intervenção terapêutica precoce. O PRS é medida quantitativa que estima a carga de risco genético de um indivíduo para desenvolver doença específica, calculada pela agregação do risco conferido por múltiplas variantes de pequeno efeito distribuídas por todo o genoma.1
Aplicações da medicina de precisãoRecentemente, o desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico não invasivas para DA e psoríase ajudou em diferentes condições e orientou terapias eficazes. Além disso, os pacientes frequentemente sentem frustração pelas abordagens de tratamento de tentativa e erro, que atrasam o controle da doença e afetam a qualidade de vida. Duas empresas, Mindera Health e Castle Biosciences, são pioneiras em tecnologias não invasivas para enfrentar esses desafios.33A Mindera Health desenvolveu o adesivo dérmico Mind.Px™, que usa microagulhas para coletar RNA de amostras de pele. O aprendizado de máquina e os biomarcadores genéticos prevêem as respostas do paciente a produtos biológicos específicos para psoríase, reduzindo tratamentos de tentativa e erro.34 Estudos clínicos (por exemplo, STAMP‐1, STAMP‐2, MATCH) demonstraram seus benefícios econômicos e clínicos, mostrando alta precisão preditiva em casos graves de psoríase e reduzindo os custos da terapia biológica.33 Por outro lado, a Castle Biosciences usa raspagens de pele não invasivas e perfis de expressão gênica para diferenciar entre psoríase, DA e outras condições como micose fungoide.33 Estudos preliminares identificaram marcadores genéticos distintos ligados às respostas ao tratamento em pacientes que usam medicamentos como dupilumabe e risanquizumabe.35 Os ensaios clínicos em andamento visam validar esses achados e otimizar a seleção da terapia sistêmica. Essas empresas visam revolucionar a medicina de precisão em dermatologia, melhorando o diagnóstico e adaptando o tratamento com base em perfis genéticos, mas ainda há desafios a serem resolvidos, incluindo cobertura de seguro, integração em fluxos de trabalho clínicos e aceitação do paciente. A implementação bem‐sucedida dessas tecnologias pode reduzir significantemente a carga de doenças inflamatórias da pele.
A proteômica tem sido útil para encontrar biomarcadores para resposta ao tratamento e prognóstico. Estudos observaram níveis elevados de vários marcadores de proteína inflamatória na pele lesional e no soro de pacientes, incluindo proteínas relacionadas à ativação da resposta imune e associadas às respostas Th1, Th2, Th17 e Th22.36 Esses métodos também foram usados para identificar marcadores de resposta ao tratamento, medindo os níveis de quimiocinas e citocinas, como IL‐22 e IL‐16, antes e depois do tratamento com corticosteroides tópicos, mostrando diminuição nos níveis observados e até mesmo correlacionando a diminuição da IL‐16 com a melhora clínica após o tratamento tópico.37,38 Em 2023, Bakker et al. conduziram revisão de vários estudos que tentaram classificar pacientes com DA com base em seus biomarcadores imunológicos.39 Entre os estudos existentes até o momento, Thijs et al. e Bakker et al, em diferentes coortes, identificaram os seguintes endótipos (tabela 5): perfil Th1/Th2/Th17 dominante, perfil Th2/Th22/PARC dominante e perfil Th2/eosinófilos dominante. Os dois primeiros grupos apresentaram altos níveis de expressão de IL‐4, IL‐5 e IL‐13.40,41
Endótipos de Baker da dermatite atópica41
Endótipo | Via imunológica | Biomarcadores | Características clínicas | Sugestões de tratamento |
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Th1/Th2/Th17 perfil dominante | Th1, Th2, Th17 | IL‐4, IL‐5, IL‐13, IL‐17 | Ativação imunológica mista; observada em algumas coortes; associada à inflamação e disfunção da barreira. | Dupilumabe (anti‐IL‐4/IL‐13), traloquinumabe (anti‐IL‐13), e lebriquizumabe (anti‐IL‐13). |
Th2/Th22/PARC perfil dominante | Th2, Th22 | IL‐4, IL‐5, IL‐13, PARC (CCL18) | Alta resposta alérgica, espessamento da pele (liquenificação); associado a lesões crônicas de DA. | Dupilumabe (anti‐IL‐4/IL‐13), traloquinumabe (anti‐IL‐13), lebriquizumabe (anti‐IL‐13). |
Th2/Eosinófilos perfil dominante | Th2 | IL‐4, IL‐5, IL‐13, eosinófilos | Forte sensibilização alérgica com eosinofilia significante; típica de fenótipos alérgicos graves. | Pode exigir tratamentos mais amplos, como inibidores de JAK (upadacitinibe, abrocitinibe, baricitinibe) devido ao envolvimento imunológico complexo. |
Por isso, foi sugerido que eles poderiam ser bons candidatos para terapias direcionadas, como dupilumabe (anticorpo monoclonal anti‐IL‐4/IL‐13), traloquinumabe (anti‐IL‐13) e lebriquizumabe (anti‐IL‐13),42,43 enquanto os pacientes do grupo restante podem necessitar de medicamentos com perfil de ação mais amplo, como inibidores de JAK (upadacitinibe, abrocitinibe, baricitinibe).39,41 Entretanto, mais estudos ainda são necessários para avaliar os diferentes perfis de resposta de cada um desses endótipos às opções terapêuticas existentes.
Assim, pode‐se definir dois endótipos com base na expressão de citocinas, referidos por Dyjack et al. como endótipo de resposta inflamatória predominante do tipo 2 e endótipo de resposta inflamatória não predominante do tipo 244 (tabela 6). Por sua vez, os endótipos baseados em citocinas podem ser estratificados pela idade do paciente. Foi observado que crianças com DA de início precoce têm predominância de Th2/Th22/Th17,45,46 com ausência de Th1, enquanto adultos têm predominância de Th22.47 Também foi observado que adolescentes têm níveis mais altos de IL‐22.48
Endótipos Th2 predominante e não Th2 predominante de dermatite atópica44
Endótipo Tipo Th2 predominante | Endótipo tipo não‐Th2 predominante |
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Esse endótipo é impulsionado principalmente por citocinas mediadas por Th2: IL‐4, IL‐13 e IL‐31. | Este subtipo envolve as vias Th1, Th17 e Th22 juntamente com as respostas do Tipo 2, especialmente em populações específicas de pacientes ou fases crônicas. |
Está associado à inflamação aguda, prurido e disfunção da barreira em virtude da supressão de peptídeos e proteínas antimicrobianos como a filagrina. | Citocinas como IL‐17, IL‐22 e IFN‐γ são mais pronunciadas neste grupo. |
Tratamentos como dupilumabe (anti‐IL‐4/IL‐13) e outros produtos biológicos que têm como alvo as citocinas do tipo 2 são eficazes no tratamento desse subtipo. | É frequentemente observado em pacientes mais velhos ou naqueles com apresentações de DA mais complexas. |
Esta forma é prevalente na maioria dos pacientes com DA, incluindo crianças e aqueles com doença de início precoce. | Imunomoduladores mais amplos, incluindo inibidores de JAK, podem ser necessários para o tratamento devido à sobreposição de vias. |
Em relação aos biomarcadores prognósticos, os níveis de expressão de CCL22 na pele foram identificados como marcador que prevê melhora clínica durante o uso de várias terapias direcionadas, como crisaborol tópico, CsA e fezaquinumabe (anticorpo monoclonal anti‐IL‐22).49
Tratamento direcionado ou Treat‐to‐Target (T2T)No tratamento de pacientes com DA, a tomada de decisão para selecionar o tratamento e orientar a avaliação em pacientes individuais pode ser complexa e frequentemente subjetiva.50 A introdução de medicamentos altamente eficazes levou ao desenvolvimento de algoritmos de tratamento baseados em alvos específicos de resposta ao tratamento, usando algoritmos para orientar decisões para continuar, descontinuar ou modificar o tratamento.51 A estratégia T2T é definida como tratamento direcionado (para remissão ou redução da atividade da doença) e a aplicação de controles rigorosos (visitas programadas com respectivos ajustes de tratamento) para atingir a meta proposta.52 Outra definição de T2T poderia ser a estratégia terapêutica de definir o tratamento com objetivo específico através de etapas definidas com avaliações constantes para determinar se os objetivos propostos foram alcançados.53
Essa abordagem fornece a estrutura para dar suporte às opções de tratamento feitas utilizando informações clínicas compartilhadas e tomada de decisão com os pacientes, incluindo discussão de questões relevantes de risco/benefício de tratamentos existentes ou alternativos.50 Embora o T2T esteja bem definido em outras patologias inflamatórias/imunológicas, ainda não há consensos claramente estabelecidos para doenças dermatológicas. Entretanto, o T2T é altamente relevante na DA, o que representa desafio terapêutico devido à sua apresentação clínica heterogênea e impacto significante dos sintomas na qualidade de vida, especialmente prurido.54
Um consenso internacional recente sobre o T2T na DA determinou que os pacientes devem ser avaliados com medidas validadas, como o Eczema Area and Severity Index (EASI), a Maximum Pruritus Numeric Rating Scale, o Dermatology Life Quality Index (DLQI) e a Patient‐Oriented Eczema Measure em três e seis meses, usando a estratégia T2T. O Comitê combinou experiência clínica com recomendações e diretrizes disponíveis, incluindo aquelas do Harmonizing Outcome Measures for Eczema (HOME), para desenvolver critérios práticos de T2T. Foi alcançado acordo unânime para avaliar pacientes com pelo menos uma de duas medidas de desfecho avaliadas por médicos (EASI e Physician's Global Assessment) e pelo menos uma de três medidas de desfecho relatadas pelo paciente (Pruritus Numeric Rating Scale, DLQI e Patient‐Oriented Eczema Measure). Com três consultas médicas por ano para atingir a transição terapêutica ideal do controle de crise para a indução e manutenção da remissão. O tratamento será considerado eficaz se pelo menos uma meta de desfecho avaliada por médico e pelo menos uma meta de desfecho relatada pelo paciente forem atendidas. Se os critérios alvo não forem atendidos, modificações devem ser feitas para otimizar o tratamento atual (p. ex., aumentando a dose ou a frequência da terapia sistêmica), adicionando tratamento adjuvante (p. ex., fototerapia ou outra terapia sistêmica) ou alterando o tratamento atual.51
Embora a abordagem T2T possa se tornar ferramenta útil para simplificar as metas terapêuticas e o manejo da DA, sua base está apenas começando a ser construída. A abordagem multidisciplinar, incluindo a ampla gama de partes interessadas, incluindo pacientes, é necessária para definir melhor os componentes essenciais necessários para usar T2T na DA.55
DiscussãoA medicina de precisão representa uma nova era no tratamento da DA, marcando a transição da abordagem “um medicamento serve para todos”, na qual os tratamentos são estratificados e definidos com base na gravidade da doença, para a visão mais personalizada. Essa abordagem considera que é improvável que todos os pacientes tenham a mesma resposta aos tratamentos, então as decisões terapêuticas são baseadas no endótipo específico de cada paciente, adaptando‐se às características biológicas e necessidades do paciente.
Além disso, a medicina de precisão parece ser o caminho a seguir para orientar o processo diagnóstico e terapêutico com a estratégia T2T. Ao contrário dos fenótipos clínicos, que podem não ser úteis para prever o curso da doença,56 considerar a individualidade biológica, genética e molecular de cada paciente torna possível prever a resposta a cada tratamento e, assim, atingir o objetivo desejado. Isso é especialmente relevante nos tempos atuais, com a introdução de novos tratamentos sistêmicos, incluindo medicamentos biológicos e inibidores de JAK para o tratamento da DA. A estratificação dos pacientes com base em seus biomarcadores imunológicos predominantes permitirá utilizar as terapias existentes de maneira mais eficiente e direcionada em pacientes com endótipo específico, em que eles obterão melhores resultados.39,57 Isso não apenas maximiza os resultados terapêuticos em pacientes que requerem essas terapias, que frequentemente têm casos moderados a graves que não responderam a outros tratamentos anteriormente,50 mas também permite melhor uso desses recursos.
É importante considerar que a medicina de precisão surge como resposta à necessidade de abordagem mais personalizada para o tratamento da DA. Entretanto, para integrar seu uso na prática clínica diária, ainda é necessário desenvolver vários estudos. Esses estudos devem ter como objetivo validar os achados existentes e avaliar a resposta clínica e os níveis de marcadores de resposta (IL‐22 e IL‐16) e marcadores prognósticos (CCL22) propostos dentro de diferentes grupos de pacientes usando as terapias existentes. Desse modo, algoritmos terapêuticos podem ser desenvolvidos com base nessa abordagem, e os achados científicos se traduzirão em benefícios tangíveis para os pacientes.39,57
ConclusãoA medicina de precisão representa uma nova era no tratamento da DA, oferecendo abordagens mais personalizadas adaptadas às necessidades individuais de cada paciente. A identificação de biomarcadores específicos, o desenvolvimento de terapias direcionadas e a aplicação de abordagens personalizadas são aspectos‐chave na implementação bem‐sucedida da medicina de precisão na DA. O T2T corresponde a uma ferramenta que deve ser acordada por grupos de especialistas locais, com objetivos que são modificados ao longo do tempo e que permitem tomar decisões com o paciente. Entretanto, mais pesquisas são necessárias para validar essas abordagens e traduzir descobertas científicas em benefícios clínicos tangíveis para os pacientes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDan Hartmann: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito
Catalina Retama: Altbir: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Fernando Valenzuela: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Hartmann D, Retamal C, Valenzuela F. Precision medicine and Treat‐to‐Target approach in atopic dermatitis: enhancing personalized care and outcomes. An Bras Dermatol. 2025;100:501135.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidad de Chile e Departamento de Dermatologia, Clínica Universidad de los Andes, Santiago, Chile.