Compartilhar
Informação da revista
Visitas
122
Cartas ‐ Caso clínico
Acesso de texto completo
Disponível online em 22 de abril de 2025
Mpox em paciente com AIDS: manejo clínico com tecovirimat e correção cirúrgica das cicatrizes inestéticas
Visitas
122
Kananda Kesye Sousa Nunes
Autor para correspondência
kananda_kesye@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Carlos Alberto Chirano Rodrigues, Beatriz Costa Cardoso, Iêda Lúcia Santos Magno, Mathias Gama de Aguiar Ferreira, Sinésio Talhari
Departamento de Dermatologia, Fundação Hospitalar Alfredo da Matta, Manaus, AM, Brasil
Este item recebeu
Recebido 15 Setembro 2024. Aceite 06 Novembro 2024
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (4)
Mostrar maisMostrar menos
Texto Completo
Prezado Editor,

Paciente do sexo masculino, de 33 anos, solteiro, natural e procedente de Manaus (AM), procurou atendimento por apresentar lesões ulceradas na face, tórax, membros superiores, região glútea e mucosa anorretal (figs. 1 e 2). Referia também, há mais de um mês, febre recorrente, dor anal e tratamento com vários medicamentos, tais como anti‐inflamatórios, antibióticos tópicos e sistêmicos, sem resposta. Não apresentava sintomas neurológicos ou respiratórios. Negava comorbidades.

Figura 1.

(A) Lesão ulcerada nas nádegas. (B) Imagem de colonoscopia: proctite ulcerativa.

(0.26MB).
Figura 2.

(A) Lesões vesico‐pustulosas na região malar; úlcera na pálpebra inferior, glabela e região labiomentoniana. (B) Dois meses após tratamento.

(0.35MB).

Foram solicitados exames laboratoriais, com os principais resultados: qPCR para Monkeypox ‐ vírus detectável; anti‐HIV ‐ reagente; VDRL ‐ 1:256; análise liquórica ‐ sem achados sugestivos de neurossífilis; colonoscopia ‐ proctite ulcerativa (fig. 1). O exame anatomopatológico de lesão de pele ulcerada evidenciou necrose epidérmica, balonização dos queratinócitos, corpúsculos de inclusão de Guarnieri e infiltrado inflamatório dérmico constituído por histiócitos, linfócitos, neutrófilos (fig. 3).

Figura 3.

Exame histopatológico: balonização de queratinócitos (Hematoxilina & eosina, 400×). Inserção: corpúsculos de inclusão de Guarnieri.

(0.45MB).

O tratamento inicial incluiu penicilina benzatina, dose única de 2,4 milhões UI, com posterior decréscimo adequado do VDRL; e antirretroviral (dolutegravir, lamivudina e tenofovir), além de medidas de suporte.

Face à piora das lesões cutâneas, dor anal e extensão do acometimento anorretal, o paciente foi internado em isolamento, submetido a colostomia, e sete dias após internação iniciou tratamento com tecovirimat, 600mg 12/12 horas, por 14 dias.

Aproximadamente 20 dias após início do tecovirimat, associado a antibioticoterapia sistêmica para infecção secundária, observou‐se cicatrização das lesões cutâneas (fig. 2), sem eventos adversos.

A regressão das úlceras cutâneas evoluiu com cicatrizes hipertróficas, principalmente na glabela e região labiomentoniana. Nessa fase, indicou‐se reparo cirúrgico, realizado 10 meses após alta hospitalar.

Procedeu‐se, inicialmente, com exérese e correção da cicatriz labiomentoniana com retalho de avanço e confecção de triângulo de Burow (fig. 4). Posteriormente, corrigiu‐se a cicatriz da glabela.

Figura 4.

(A) Cicatriz em região labiomentoniana esquerda. (B) Pós‐operatório imediato. (C) Pós‐operatório tardio.

(0.51MB).

A Mpox é ocasionada pelo vírus Monkeypox ‐ vírus DNA, de fita dupla, pertencente ao gênero Orthopoxvirus, família Poxviridae. Clinicamente, são observadas lesões vésico‐pustulosas, úlcero‐crostosas ou úlcero‐vegetantes; febre, mialgia, cefaleia e linfadenomegalia podem estar presentes.1–7

A doença é endêmica em países africanos há décadas, provocando surtos ocasionais restritos ao continente. Entretanto, em 2022, e mais recentemente em agosto de 2024, foram registrados surtos epidêmicos internacionais, com disseminação das cepas 2b e 1b respectivamente, tendo a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarado a doença como “emergência de saúde pública de importância internacional” em ambos os cenários. A cepa 1b, detectada na República Democrática do Congo, tem se mostrado mais virulenta e letal, com evolução particularmente grave em indivíduos imunocomprometidos, crianças e gestantes. Não há registros de circulação dessa cepa no Brasil até o momento. Desde 2022, foram notificados mais de 10 mil casos confirmados ou prováveis de Mpox no Brasil, incluindo 16 mortes em imunossuprimidos.3,8

Antes dos surtos observados em 2022, admitia‐se que a transmissão estivesse relacionada principalmente ao contato com lesões cutâneas e via respiratória. No entanto, a demonstração do vírus no sêmen e reto indicou transmissão sexual como fator de risco, principalmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH); 91% dos pacientes com Mpox são do sexo masculino e mais de 50% são do grupo HSH. Mpox também constitui fator de risco para HIV ‐ a coinfecção ocorre em mais de 40% dos casos.9,10

O paciente do presente caso teve o diagnóstico de HIV+, com linfócitos T‐CD4 de 44 cél/mm3 e carga viral de 94 mil cópias/mL, à época do diagnóstico de Mpox. A história sexual revelou sexo anal desprotegido com outros homens.

Pacientes coinfectados com Mpox e HIV, principalmente com baixa contagem de TCD4+ (< 200 cél/mm3), apresentam duração mais prolongada da doença. As lesões podem ser maiores, com aspecto necrótico, como observado neste caso. Infecções bacterianas, sepse e óbito também podem, ocorrer. Alguns autores consideram a Mpox infecção oportunista ou doença definidora de AIDS.10

O tratamento da Mpox consiste em cuidados gerais e medidas de suporte. Recentemente, em caráter emergencial, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) autorizou o emprego do tecovirimat, brincidofovir, cidofovir e trifluridina (solução oftálmica). No Brasil, em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou o uso compassivo do tecovirimat apenas em casos graves da doença, como no caso relatado. Esse medicamento inibe a proteína VP37, responsável pelo envelopamento de vírions, impedindo a replicação viral. É apresentado em cápsulas com 200mg, para administração oral, na dose de 600mg, 12/12 horas, durante 14 dias, para adultos >40kg. Em adolescentes e crianças, com peso corporal mínimo de 13kg, faz‐se a dose diária de acordo com o peso. Os efeitos adversos mais comuns são cefaleia, náuseas e sintomas gastrintestinais. Não há necessidade de ajuste de dose para hepatopatas; não se recomenda o medicamento para nefropatas com cleareance de creatinina <30mL/min.4,5

A eficácia do tecovirimat contra Mpox foi estabelecida por meio de modelos animais e há dados limitados de segurança e farmacocinética em humanos. Nessas investigações baseadas em animais, o tecovirimat demonstrou capacidade de reduzir significantemente as taxas de mortalidade entre os animais expostos ao Mpox, alcançando taxas de sobrevivência não inferiores a 90%.5

A Mpox ocasiona importante morbimortalidade, principalmente relacionado às cicatrizes inestéticas. A exérese cirúrgica, associada ou não a tratamentos adjuvantes, constitui alternativa terapêutica eficiente, com baixo custo.6,10 No presente caso, fez‐se a exérese das cicatrizes, com resultado satisfatório (fig. 4C).

O aumento de casos de Mpox gerou preocupação das autoridades sanitárias em todo o mundo. Manifestações cutâneas são evidentes, e o papel do dermatologista no diagnóstico precoce é essencial. Medidas de isolamento, controle dos contatos, notificação compulsória, esforços educacionais e de prevenção, juntamente com políticas de saúde pública, são fundamentais para diminuir o risco de disseminação do vírus.

A Mpox configura desafio global, com necessidade de maior conhecimento público da doença e mais estudos relacionados a tratamentos e vacinas específicas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Kananda Kesye Sousa Nunes: Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Carlos Alberto Chirano Rodrigues: Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica do caso estudado; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Beatriz Costa Cardoso: Elaboração e redação do manuscrito; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Iêda Lúcia Santos Magno: Elaboração e redação do manuscrito; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Mathias Gama de Aguiar Ferreira: Elaboração e redação do manuscrito; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Sinésio Talhari: Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica do caso estudado; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
A.P. Gandhi, B.K. Padhi, M. Sandeep, M.A. Shamim, T.K. Suvvari, P. Satapathy, et al.
Monkeypox patients living with HIV: a systematic review and meta‐analysis of geographic and temporal variations.
Epidemiologia (Basel)., 4 (2023), pp. 352-369
[2]
F.R.O. Carneiro, E.L.R. Daxbacher, A. DaCosta, H. de Sá Gonçalves, M. Ramos-E-Silva, G.O. Penna.
Monkeypox: what the dermatologist needs to know.
Skinmed., 22 (2024), pp. 18-27
[3]
World Health Organization (WHO). Mpox global strategic preparedness and response plan. Geneva: WHO; 2024 [cited 2024 Oct 15]. Available from: https://www.who.int/publications/m/item/mpox‐global‐strategic‐preparedness‐and‐response‐plan
[4]
S. Halani, D. Leong, P.E. Wu.
Tecovirimat for monkeypox.
CMAJ., 194 (2022), pp. E1573
[5]
C.E. DeLaurentis, J. Kiser, J. Zucker.
New perspectives on antimicrobial agents: tecovirimat for treatment of human monkeypox virus.
Antimicrob Agents Chemother., 66 (2022),
[6]
S. Prasad, C. Galvan Casas, A.G. Strahan, L.C. Fuller, K. Peebles, A. Carugno, et al.
A dermatologic assessment of 101 mpox (monkeypox) cases from 13 countries during the 2022 outbreak: skin lesion morphology, clinical course, and scarring.
J Am Acad Dermatol., 88 (2023), pp. 1066-1073
[7]
E.L. Pinto-Pulido, M. Fernández-Parrado, F.J. Rodríguez-Cuadrado.
2022 Mpox (monkeypox) outbreak: a concise review focused on new features of dermatological lesions.
An Bras Dermatol., 98 (2023), pp. 568-570
[8]
P.S. Lopes, G.R. Haddad, H.A. Miot.
Sexually‐transmitted monkeypox: report of two cases.
An Bras Dermatol., 97 (2022), pp. 783-785
[9]
B. Ortiz-Saavedra, E.S. Montes-Madariaga, C. Cabanillas-Ramirez, N. Alva, A. Ricardo-Martínez, D.A. León-Figueroa, et al.
Epidemiologic situation of HIV and monkeypox coinfection: a systematic review.
Vaccines (Basel)., 11 (2023), pp. 246
[10]
C. Pinnetti, E. Cimini, V. Mazzotta, G. Matusali, A. Vergori, A. Mondi, et al.
Mpox as AIDS‐defining event with a severe and protracted course: clinical, immunological, and virological implications.
Lancet Infec Dis., 24 (2024), pp. e127-e135

Como citar este artigo: Nunes KKS, Rodrigues CAC, Cardoso BC, Magno ILS, Ferreira MGA, Talhari S. Mpox in a patient with AIDS: clinical management with tecovirimat and surgical correction of unaesthetic scars. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.11.001.

Trabalho realizado na Fundação Hospitalar Alfredo da Matta, Manaus, AM, Brasil.

Copyright © 2025. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.