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Vol. 100. Núm. 4.
(1 julho 2025)
Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
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Perfil epidemiológico das lesões anogenitais de 4.029 atendimentos realizados em Ambulatório de Infecções Sexualmente Transmissíveis da cidade de São Paulo
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Julia Aires Thomaz Mayaa, Kaique Arriela,b,
, Laura Stamato de Figueiredoc, John Verrinder Veaseya,d
a Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Universidade Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil
c Curso de Medicina, Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil
d Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Distribuição dos 4.029 atendimentos por diagnóstico e ano
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Prezado Editor,

As infecções sexualmente transmissíveis (IST) constituem problema de saúde pública em virtude da alta prevalência em países em desenvolvimento, como o Brasil, e de seu potencial em causar morbidade.1,2

Ampla gama de enfermidades de etiologia inflamatória e neoplásica pode acometer a pele da região anogenital, representando importantes diagnósticos diferenciais das IST.3,4

Conhecer as doenças com acometimento anogenital é de suma importância, uma vez que o atraso no diagnóstico expõe o paciente a terapêuticas inadequadas, agravando seu quadro clínico e perpetuando a transmissão das IST.3,4 Dados da literatura científica sobre a epidemiologia desses diagnósticos são escassos, demonstrando a necessidade de se realizar novos levantamentos populacionais.5

Dessa maneira, o presente estudo foi realizado visando identificar os diagnósticos anogenitais mais frequentes nos pacientes atendidos no ambulatório de IST de um hospital terciário da cidade de São Paulo. Trata‐se de estudo retrospectivo analisando os atendimentos ocorridos no período de outubro de 2012 a agosto de 2024. Os dados de gênero, idade e diagnóstico primário foram obtidos por meio do sistema de prontuário eletrônico da instituição.

No período avaliado foram realizadas 4.029 consultas médicas por queixas anogenitais, das quais 1.182 de pacientes do sexo feminino e 2.847 do sexo masculino. A média de atendimentos por ano foi de 309,84±192,08. Do total de pacientes, 2.992 apresentavam idade entre 20–55 anos. A média de idade dos pacientes foi de 42,77±15,86 anos, com idade mínima de 10 meses (diagnóstico de condiloma acuminado) e máxima de 92 anos (condiloma acuminado).

Os principais diagnósticos clínicos relacionados aos atendimentos (tabela 1) foram de condiloma acuminado (CA) em 2.847 atendimentos (70,8%) – representado na figura 1, seguido de 303 (5,7%) casos de sífilis, 193 (4,4%) de herpes simples, 172 (4,3%) de carcinoma espinocelular – representado na figura 2, 98 (2,4%) casos de líquen escleroso e atrófico – representado na figura 3, 80 (2%) de molusco contagioso, 50 (1,2%) de eczema e 46 (1%) casos de líquen plano. Sífilis primária (cancro duro, balanite sifilítica de Follman e lesão “cord‐like”) representava todos os casos de sífilis. Outros diagnósticos com menos de 1% foram agrupados, totalizando 8,2% dos atendimentos.

Tabela 1.

Distribuição dos 4.029 atendimentos por diagnóstico e ano

Diagnóstico  N° de atendimentos 
Condiloma acuminado  2.841  70,5% 
Sífilis  303  7,5% 
Herpes simples  177  4,4% 
Carcinoma espinocelular  171  4,2% 
Líquen escleroso e atrófico  89  2,2% 
Molusco contagioso  79  2,0% 
Eczema  50  1,2% 
Líquen plano  40  1,0% 
Outrosa  279  6,9% 
Total  4.029  100,0% 
Ano  N° de atendimentos 
2012  18  0,4% 
2013  266  6,6% 
2014  702  17,4% 
2015  524  13,0% 
2016  451  11,2% 
2017  498  12,4% 
2018  365  9,1% 
2019  430  10,7% 
2020  192  4,8% 
2021  219  5,4% 
2022  197  4,9% 
2023  149  3,7% 
2024  104  2,6% 
Total  4.029  100,0% 
a

Candidíase, tumor de Buschke‐Lowenstein, linfogranuloma venéreo, cancro mole, lúpia, vitiligo, cisto pilonidal, lesão cicatricial, comedão, neuroma, plicoma, ceratose seborreica, corpo estranho, varicocele, linfangioma, sarcoma de Kaposi, síndrome mão‐pé‐boca, nevo melanocítico, psoríase, hidradenite supurativa, escabiose, foliculite, farmacodermia, epidermodisplasia verruciforme, hemorroida, doença de Behçet, doença de Paget e doença de Crohn.

Figura 1.

(A) Condiloma anal. (B) Condiloma peniano.

Figura 2.

(A) Paciente vivendo com HIV em uso de terapia antirretroviral com CV indetectável e CD4 327 céls/mm3 apresentando concomitância de lesões provocadas pelo HPV: carcinoma espinocelular (CEC) in situ/doença de Bowen (setas brancas) e CEC invasivo (seta amarela) em região perianal. (B) Paciente com linfoma folicular em vigência de quimioterapia apresentando CEC in situ/doença de Bowen em corpo de pênis.

Figura 3.

(A) Líquen escleroso e atrófico vulvar (diagnóstico diferencial de vitiligo). (B) Líquen escleroso e atrófico peniano apresentando anel de constrição circunferencial no centro da lesão acrômica característico da doença.

O expressivo número de atendimentos registrados no presente estudo representa cenário relativamente fidedigno da distribuição de diagnósticos dos pacientes com queixas anogenitais que buscam atendimento público na cidade de São Paulo.

Ao se analisar a distribuição ano a ano dos atendimentos no período do estudo, nota‐se redução progressiva a partir de 2013, com marcado decréscimo de 2020 a 2024, provavelmente consequente à pandemia de COVID‐19.

O fato de a grande maioria dos atendimentos estarem relacionados ao diagnóstico de CA é compatível com os dados da literatura, assim como a sequência dos demais diagnósticos mais prevalentes, sífilis e herpes simples. Acredita‐se que essa tendência epidemiológica vista em um hospital terciário possa estar relacionada à cronicidade dos quadros de CA, sífilis e herpes simples. Quadros mais agudos, como de cancroide e corrimentos anogenitais, raramente foram motivos de consulta, provavelmente por terem sido resolvidos em buscas a médicos de atenção primária ou prontos‐atendimentos. O impacto negativo na qualidade de vida do paciente portador de condiloma também pode ser outro motivo que o impulsiona a seguir na tentativa de atendimentos médicos.2,6,7

É importante notar o número significante de diagnósticos não relacionados à IST, como doenças inflamatórias e neoplásicas. Estudos realizados em outros países demonstram que as lesões inflamatórias ocupam o primeiro lugar no número de diagnósticos em clínicas de atendimentos de lesões genitais.3,4

Também é relevante destacar que o número de pacientes atendidos com carcinoma espinocelular na região anogenital ocupou o quarto lugar. Esse diagnóstico está intrinsecamente relacionado com o potencial neoplásico do vírus HPV, responsável também pelo CA, e que demonstra maior agressividade em pacientes imunocomprometidos. Em um estudo realizado em 2019 abrangendo todo o território nacional, observou‐se que nos 6.388 adultos jovens hígidos estudados, a prevalência de HPV geral foi de 53,6%. Desses, a maioria (35,2%) apresentou pelo menos um HPV de alto risco.8 Esses dados mostram que não só grande parte da população é portadora desse vírus potencialmente oncogênico, como ele está seguindo seu curso patogênico, possivelmente, em significante fração dessa população. Tal fato reforça a extrema importância de medidas públicas focadas na vacinação contra o HPV.

Apesar de o período de levantamento de dados incluir os surtos de Mpox ocorridos mundialmente – e por conseguinte, o Brasil1,2 – não houve nenhum registro de atendimentos de pacientes com lesões de Mpox por impedimento estrutural de fluxo de atendimentos no hospital do estudo.9,10

Os números aqui expostos representam, dentro de suas limitações, a realidade dos diversos aspectos que envolvem as dermatoses anogenitais na cidade de São Paulo, podendo servir como indicadores para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde, principalmente no que tange às IST.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Julia Aires Thomaz Maya: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Kaique Arriel: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Laura Stamato de Figueiredo: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

John Verrinder Veasey: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Maya JA, Arriel K, Figueiredo LS, Veasey JV. Epidemiological profile of anogenital lesions in 4,029 consultations at a Sexually Transmitted Infections Clinic in São Paulo, Brazil. An Bras Dermatol. 2025;100:501145.

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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