Discrasias de plasmócitos constituem um grupo de distúrbios clonais caracterizados pela proliferação de plasmócitos neoplásicos. Neoplasias de plasmócitos incluem três categorias: plasmocitoma (lesões únicas); mieloma múltiplo; e neoplasias de plasmócitos com síndrome paraneoplásica associada.1 Plasmocitomas se desenvolvem principalmente em tecido ósseo (plasmocitoma solitário do osso) e menos frequentemente em tecidos moles (plasmocitoma extramedular solitário – PES). Este último representa aproximadamente 3% das neoplasias desse tipo de célula, manifestando‐se predominantemente nas vias aéreas e no trato gastrintestinal, embora outros órgãos e tecidos possam estar envolvidos.2 O envolvimento cutâneo é extremamente raro, respondendo por aproximadamente 6% de todos os PES.3
O presente relato de caso descreve um paciente do sexo masculino, adulto, que desenvolveu plasmocitoma extramedular solitário primário de início súbito na perna direita.
O paciente de 66 anos procurou consulta após o início súbito de lesão na perna direita. Negava dor ou prurido associado à lesão e exibia tumor eritemato‐violáceo, firme, levemente móvel, indolor, medindo 8×8mm, localizado na região pré‐tibial direita (fig. 1). Não havia outras lesões cutâneas significantes ou linfonodos palpáveis no exame físico. O paciente negou outro histórico médico anterior, não utilizava nenhuma medicação crônica e não apresentava sintomas sistêmicos.
Biopsia parcial por punch da lesão revelou infiltração dérmica de células mononucleares difusas com citoplasma basofílico e pequeno nucléolo central, alguns dos quais tinham aparência plasmocitoide. A imunoquímica mostrou proliferação linfoplasmocitária atípica, que foi positiva para CD79a, positiva para CD138, negativa para CD20 e exibiu clonalidade de cadeias leves lambda (fig. 2).
Extenso exame realizado em conjunto com o Departamento de Hematologia descartou mieloma múltiplo. Os resultados evidenciaram hemograma, eletroforese de proteínas séricas e função renal normais; biopsia de medula óssea relatou leves alterações reativas, porém menos de 5% de plasmócitos, e a citometria de fluxo não mostrou anormalidades. O PET‐scan de corpo inteiro não revelou nenhum foco hipermetabólico na perna direita ou em outros locais. Esses achados levaram à confirmação do diagnóstico de plasmocitoma cutâneo extramedular solitário.
O paciente recebeu radioterapia conformacional tridimensional com dose de 40Gy ao longo de quatro semanas, exibindo resposta completa. Em seu último seguimento, um ano após a conclusão da radioterapia, não houve evidência de recorrência cutânea, mieloma múltiplo ou doença de cadeia leve.
O plasmocitoma cutâneo primário constitui discrasia de plasmócitos (neoplasia) difícil de classificar e diagnosticar em virtude de sua extrema raridade. Há menos de 100 casos relatados na literatura.4 A média de idade de apresentação é em torno de 60 anos, com predominância do sexo masculino (aproximadamente 3:1). As lesões únicas ou múltiplas apresentadas são frequentemente relatadas como nódulos, placas ou pápulas eritematosas ou violáceas que raramente são ulceradas e não mostram nenhum local de predileção.5
O diagnóstico de PES requer a exclusão de mieloma múltiplo associado.6 Testes laboratoriais são realizados para rastrear evidências de danos em órgãos terminais, como anemia, hipercalcemia ou comprometimento renal, e a presença de cadeias leves livres no soro. Imagens como 18F‐FDG PET/CT não devem mostrar evidências de outras lesões extramedulares ou líticas; e a biopsia de medula óssea não deve demonstrar plasmócitos clonais.
As abordagens terapêuticas para PES incluem radiação, excisão cirúrgica ou a combinação de ambas. A radioterapia (RT) localizada é geralmente o tratamento de escolha; a maioria das séries publicadas relata o uso de dose de 30 a 60Gy.7,8 Estudos semelhantes sugerem que a abordagem cirúrgica com ressecção completa também é alternativa viável, especialmente em lesões pequenas.8
O plasmocitma extramedular solitário cutâneo tende a seguir curso clínico indolente, mas pode haver recorrência local. Dores et al. mostraram sobrevida global de cinco anos de 90% para PES que se apresenta na pele ou nos linfonodos.3 Os fatores prognósticos de recorrência parecem ser lesões múltiplas e idade de início ≥ 65.5,8 Em geral, menos de 7% dos pacientes com PES desenvolvem recorrências locais após RT, e apenas 10% a 15% desenvolverão mieloma múltiplo.9 O seguimento periódico é recomendado a cada três a seis meses.
Este caso é apresentado em virtude de sua extrema raridade, diagnóstico clínico e histopatológico complexo e da necessidade de seguimento rigoroso do paciente, pois pequena porcentagem dos pacientes pode apresentar progressão local ou sistêmica e desenvolver mieloma múltiplo no futuro.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPedro Barbosa: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Clara De Diego: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Javier Anaya: Concepção e planejamento do estudo, revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Corina Busso: Concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.