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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Sarcoma de Kaposi sobre cicatrizes de Mpox – Relato de caso
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José Paulo Ribeiro Júniora,
, Thaís Barros Felippe Jabourb, Liana Franco de Sousa Barrosb, Juliana Carlos Gonçalves Regoa
a Departamento de Dermatologia, Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil
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Prezado Editor,

O sarcoma de Kaposi (SK) é tumor angioproliferativo causado pela infecção por herpesvírus humano‐8 (HHV‐8), frequentemente observado em pacientes imunocomprometidos, particularmente aqueles com HIV/AIDS.1 Similarmente associada ao HIV, existe a Monkey pox (Mpox), uma zoonose viral com semelhanças com a varíola, mas com sintomas mais brandos. Ganhou atenção global durante o retorno à normalidade pós‐COVID‐19 e foi declarada emergência de saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial da Saúde em agosto de 2024.2 A Mpox tipicamente se manifesta como pródromo semelhante ao da gripe, seguido por erupção cutânea semelhante à varíola, principalmente após contato interpessoal próximo.3 Embora o SK e a Mpox tenham etiologias e apresentações clínicas distintas, eles compartilham uma conexão por meio de suas manifestações únicas em indivíduos infectados pelo HIV. Atualmente, não há relatos publicados descrevendo a coexistência, sobreposição ou interação entre essas condições. O objetivo dos autores é apresentar e discutir um caso de SK que surgiu sobre lesões prévias de Mpox.

Paciente do sexo masculino, de 22 anos, apresentou febre, astenia, cefaleia, tosse e odinofagia, seguidos por mais de 300 pústulas umbilicadas e crostas nas regiões genital, perianal e dos membros (fig. 1A). A Mpox foi confirmada por PCR a partir das superfícies das lesões, e o paciente foi diagnosticado concomitantemente com HIV. Ele necessitou de hospitalização e tratamento com tecovirimat 600mg a cada 12 horas por 14 dias. Durante a hospitalização, placas eritematovioláceas foram observadas no membro superior direito, as quais o paciente relatou existirem há mais de um ano (fig. 1B). A histopatologia confirmou a suspeita de SK, configurando AIDS. Cerca de 30 dias depois, conforme as lesões de Mpox progrediram para a fase de formação de crostas, placas violáceas apareceram na coxa esquerda sobre pústulas previamente cicatrizadas, aumentando progressivamente e desenvolvendo morfologia angiomatosa (fig. 2). Foi realizada biopsia de pele, com histopatologia evidenciando estruturas vasculares irregulares com espaços em fenda e proliferação de células endoteliais, além de células fusiformes com núcleos exibindo padrões alongados e vesiculares (fig. 3). A análise imuno‐histoquímica demonstrou positividade para HHV‐8, juntamente com CD34 e ERG, confirmando o diagnóstico de SK. O paciente iniciou quimioterapia com doxorrubicina, obtendo discreta redução e melhora da coloração violácea após um ano, embora persistissem grandes nódulos anetodérmicos residuais (fig. 4). Os exames de imagem revelaram extensão para os músculos quadríceps e feixes vasculares ilíacos/femorais.

Figura 1.

Resultados da admissão de um paciente de 22 anos hospitalizado por Monkey Pox (Mpox) com diagnóstico recente de HIV. Lesões de Mpox na coxa do paciente (A) e lesões de sarcoma de Kaposi presentes antes da Mpox (B).

Figura 2.

Evolução das lesões da fase crostosa do Mpox (A) para o padrão angiomatoso (B), configurando sarcoma de Kaposi sobrepondo as cicatrizes de Mpox.

Figura 3.

Achados histopatológicos. A, Coloração de hematoxilina & eosina, 100×, mostrando espaços vasculares irregulares em forma de fenda, revestidos por células endoteliais e proliferação de células fusiformes. Colorações imuno‐histoquímicas, com aumento de 100×; positivas para herpesvírus humano tipo 8 (HHV‐8) (B), CD34 (C) e gene relacionado à ETS (ERG; D).

Figura 4.

Lesões de sarcoma de Kaposi antes (A) e depois (B) da quimioterapia.

Existe relação inversa bem conhecida entre a contagem de CD4 e o risco de desenvolvimento de SK.1 Indivíduos imunocomprometidos, como aqueles com HIV/AIDS, também apresentam alto risco de infecção grave por Mpox e suas sequelas, como visto aqui com mais de 300 lesões, qualificando o paciente para tratamento com tecovirimat.3 O desenvolvimento de lesões atípicas sobre a topografia de Mpox anterior destaca a possível ocorrência de fenômenos mais comumente descritos em outras condições dermatológicas. Por exemplo, a resposta isomórfica de Koebner se refere ao desenvolvimento de lesões de uma condição preexistente em locais de lesão cutânea, enquanto a resposta isotópica de Wolf descreve a ocorrência de uma doença nova e não relacionada no local de uma doença previamente resolvida.4,5 Uma revisão de mais de 500 pacientes com SK identificou apenas três casos do fenômeno isotópico de Wolf, todos ocorrendo após doenças bolhosas. Nenhum foi descrito após Mpox ou outras doenças infecciosas.6 Além disso, não há relatos de resposta isomórfica de Koebner envolvendo Mpox.

No caso relatado, o SK apresentou‐se precisamente na configuração das lesões de Mpox, sugerindo resposta isotópica. Entretanto, o paciente apresentou SK preexistente no braço, que surgiu antes da Mpox, complicando a classificação. Embora não seja possível classificar definitivamente se a condição representa fenômeno isotópico ou isomórfico, sua ocorrência pode ser explicada pelo antigo conceito de locus minoris resistentiae, que descreve a suscetibilidade de uma área vulnerável ou imunocomprometida da pele a desenvolver lesões.5 O próprio fenômeno isotópico de Wolf tem sido questionado como entidade distinta por autores como Happle e Kluger,5 que propõem que um local previamente afetado por uma dermatose permanece inerentemente vulnerável. Essa perspectiva sugere que todos esses casos podem potencialmente representar exemplos do fenômeno de Koebner.

Este relato traz uma nova apresentação, conectando e revisitando conceitos tipicamente aplicados a outras dermatoses. Destacamos a necessidade de ampliar as hipóteses diagnósticas, principalmente diante da crescente prevalência de casos de MPox, e enfatizamos o reconhecimento e o tratamento precoces desta afecção.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

José Paulo Ribeiro Júnior: Concepção e desenho do estudo; levantamento, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Thaís Barros Felippe Jabour: Levantamento, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Liana Franco de Sousa Barros: Levantamento, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Juliana Carlos Gonçalves Rego: Concepção e desenho do estudo; revisão crítica do conteúdo; aprovação final da versão final do manuscrito.

Disponibilidade de dados de pesquisa

Não se aplica.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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S.A. Etemad, A.K. Dewan.
Kaposi sarcoma updates.
Dermatol Clin., 37 (2019), pp. 505-517
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S. Elsayed, L. Bondy, W.P. Hanage.
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R. Wolf, D. Wolf, V. Ruocco, E. Ruocco.
Wolf's isotopic response: the first attempt to introduce the concept of vulnerable areas in dermatology.
Clin Dermatol., 32 (2014), pp. 557-560
[5]
R. Happle, N. Kluger.
Koebner's sheep in Wolf's clothing: does the isotopic response exist as a distinct phenomenon?.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 32 (2018), pp. 542-543
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L. Brambilla, I.F. Aromolo, S. Buffon, C. Benaglia, A. Tourlaki.
Koebner phenomenon in Kaposi's sarcoma: a large single‐center case series and review of current knowledge.
J Cutan Med Surg., 27 (2023), pp. 102-107

Como citar este artigo: Ribeiro Junior JP, Jabour TBF, Barros LFS, Rego JCG. Kaposi's sarcoma overlying Mpox scars – Case report. An Bras Dermatol. 2025;100:501186.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.

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