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Vol. 95. Núm. 3.
Páginas 343-346 (01 Maio 2020)
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Vol. 95. Núm. 3.
Páginas 343-346 (01 Maio 2020)
Caso Clínico
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Tuberculose disseminada associada a artrite reativa de Poncet em paciente imunocompetente
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Juliana de Oliveira Alves Calado, Anna Carolina Miola
Autor para correspondência
anna_fmrp@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Maria Regina Cavariani Silvares, Silvio Alencar Marques
Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
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Resumo

Tuberculose cutânea é manifestação extrapulmonar rara da tuberculose, bem como tuberculose disseminada ocorre comumente em imunodeprimidos. Artrite reativa de Poncet é artrite soronegativa em pacientes com tuberculose extrapulmonar, incomum mesmo em países endêmicos. Relata‐se caso de paciente do sexo masculino, de 23 anos, previamente hígido, com quadro de diarreia aquosa, associada a úlceras eritematosas nos membros inferiores e oligoartrite nas mãos. O exame histopatólogico da pele evidenciou processo granulomatoso epitelioide com granulomas em paliçada e necrose caseosa central. A pesquisa de BAAR pela coloração de Ziehl‐Neelsen mostrou bacilos íntegros, a cultura foi positiva para Mycobacterium tuberculosis e colonoscopia evidenciou múltiplas úlceras rasas. Foi diagnosticada tuberculose disseminada associada à artrite reativa de Poncet, com melhora do quadro clínico e cutâneo após tratamento adequado.

Palavras‐chave:
Artrite reativa
Dermatologia
Tuberculose cutânea
Texto Completo
Introdução

Apesar da tuberculose (TB) ser uma das doenças mais comuns na humanidade, a forma cutânea é rara, representa de 1% a 2% dos casos de TB extrapulmonar e corresponde a 10% do total dos casos.1,2 Clinicamente, pode ser subdividida em três tipos: TB cutânea endógena (por disseminação hematogênica), exógena (por inoculação) ou tubercúlides (reações de hipersensibilidade ao Mycobacterium tuberculosis).3 O tratamento, feito com o esquema que contém Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamida, Etambutol (RIPE), promove resolução dos casos de TB cutânea.

A tuberculose é considerada disseminada quando há o envolvimento de pelo menos dois locais extrapulmonares, com ou sem envolvimento pulmonar. É responsável por um terço da mortalidade entre pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), mas também pode afetar imunocompetentes.4

A artrite reativa de Poncet foi descrita por Antonin Poncet em 1897 como uma poliartrite associada à TB, é atualmente definida por quadros de poliartrite ou oligoartrite na presença de TB. Apesar do envolvimento das articulações, não são encontrados bacilos no líquido articular dos pacientes sintomáticos5,6 e os pacientes apresentam melhoria do quadro reumatológico após tratamento adequado da TB.7 Neste caso, relatamos a associação de TB disseminada com artrite reativa de Poncet, bem como melhoria geral do quadro clínico após tratamento com esquema RIPE.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, de 23 anos, morador de zona urbana, previamente hígido, iniciou quadro de diarreia aquosa, dor abdominal e perda ponderal de seis quilos, associado a episódios noturnos de febre, nove meses antes da admissão. Negava o consumo de álcool ou drogas ilícitas. Evoluiu com múltiplas úlceras com crosta necrótica, algumas com fundo granuloso e bordas elevadas, associadas a nódulos amolecidos eritematosos dolorosos nos membros inferiores e úlceras de fundo fibrinoso na glande (figs. 1 e 2). Além disso, queixava‐se de oligoartralgia nas falanges, com sinais de oligoartrite de pequenas articulações ao exame físico. Apresentava exames laboratoriais e investigação sorológica normal ou negativa, exceto pela presença de leucócitos nas fezes, e não tinha antecedente ou histórico prévio de imunossupressão. À colonoscopia, foram evidenciadas múltiplas úlceras rasas cobertas por fibrina espessa associada à enantema, principalmente em sigmoide, e úlceras aftoides no reto proximal. O teste tuberculínico (PPD) foi de 0mm e raios‐X de tórax sem alterações. Feito exame anatomopatológico de uma das úlceras do membro inferior, que evidenciou processo granulomatoso epitelioide com granulomas em paliçada e centros com necrose caseosa. A pesquisa de bacilos álcool‐ácidos resistentes (BAAR) pela coloração de Ziehl‐Neelsen mostrou bacilos íntegros (figs. 3 e 4), com cultura positiva para M. tuberculosis referendou a hipótese diagnóstica de TB cutânea. A análise histopatológica da biópsia intestinal revelou infiltrado inflamatório discreto, sem a presença de bacilos. Feito o diagnóstico de tuberculose disseminada associada à artrite reativa de Poncet e, após o início do esquema RIPE, o paciente evoluiu com cicatrização completa das úlceras (figs. 5 e 6) e resolução do quadro intestinal com melhoria gradual da diarreia e cicatrização das úlceras visualizada em colonoscopia pós‐tratamento e resolução da oligoartrite.

Figura 1.

Úlcera de bordas bem delimitadas e fundo limpo na perna.

(0,08MB).
Figura 2.

Úlceras no pênis, rasas, com fundo que contém fibrina.

(0,04MB).
Figura 3.

Processo granulomatoso epitelioide com granulomas na derme profunda.

(0,11MB).
Figura 4.

Presença de inúmeros bacilos íntegros (Ziehl-Neelsen, 40×).

(0,09MB).
Figura 5.

Cicatrização completa das lesões nas pernas após dois meses de tratamento com esquema RIPE.

(0,05MB).
Figura 6.

Cicatrização completa das lesões penianas após dois meses de início do tratamento com esquema RIPE.

(0,05MB).
Discussão

A tuberculose é importante problema de saúde pública, especialmente nos países subdesenvolvidos. Nas últimas décadas, foi reclassificada como doença re‐emergente pelo aumento da pobreza, má nutrição, aumento da coinfecção com o vírus HIV, uso de fármacos imunossupressores e casos e resistência microbiana.

As formas multifocais são raras e respondem por 9% a 10% dos casos de localização extrapulmonar. É responsável por um terço da mortalidade entre pacientes HIV‐positivos, mas pode afetar imunocompetentes, com risco de desenvolver lesões extrapulmonares proporcionais ao grau de imunodeficiência.8 Diferentemente da TB miliar, pode não acometer os pulmões.9

Existem hipóteses estudadas para tentar justificar a ocorrência de TB multifocal em imunocompetentes, como a intensidade da transmissão na comunidade, síndrome de susceptibilidade mendeliana a infecções microbacterianas pela existência de defeitos de interleucina‐12 e desnutrição, entre outros.4,8 No caso descrito, não havia antecedentes pessoais ou familiares de imunodepressão; porém, na primeira consulta, o paciente apresentava‐se evidentemente desnutrido, o que pode justificar a presença de múltiplos focos de TB.

As lesões cutâneas de TB devem ser diferenciadas de leishmaniose, hanseníase, doença da arranhadura do gato e micoses profundas. A concomitantância de TB pulmonar ou em outros órgãos aumenta a probabilidade diagnóstica, que pode ser confirmada pelo PPD, exame microbiológico com cultura e/ou PCR.8 No caso descrito acima, por meio da cultura positiva e presença de inúmeros BAAR no exame com coloração de Ziehl‐Neelsen, o diagnóstico foi confirmado e o paciente submetido a esquema RIPE adequadamente, com melhoria do quadro após o término do tratamento.

Quadros de TB intestinal podem apresentar quadro clínico variável e inespecífico e o exame anatomopatológico pode não indicar infecção por BAAR em até 29% dos casos. Entretanto, a colonoscopia pode apresentar úlceras rasas na região ileocecal, com melhoria do quadro após o tratamento, como ocorreu com o paciente descrito.10

A artrite reativa de Poncet é definida atualmente como casos de poliartrite ou oligoartrite na presença de TB ativa sem acometimento das articulações pelo bacilo.6 Sua patogênese é pouco conhecida, porém parece ser imunomediada. A duração dos sintomas pode variar de meses a anos e predominam os casos de oligoartrite, com melhoria após uso de anti‐inflamatórios não esteroidais, geralmente após 5 meses do início dos sintomas. O diagnóstico é majoritariamente clínico e não há critérios diagnósticos bem definidos, dada a baixa frequência do quadro. A maioria dos pacientes melhora durante ou após o tratamento da TB e casos de cronificação são raros. Seu diagnóstico clínico é importante, pois o manejo clínico deve ser feito em conjunto com equipe de reumatologia experiente. É preciso ter em vista as consequências de uma imunossupressão inadequada em um paciente infectado pelo M. tuberculosis. Neste caso, a equipe de reumatologia optou por hidroxicloroquina, evitou imunossupressão prolongada, com bom controle do quadro durante esquema RIPE e resolução da oligoartrite após o término do tratamento.

Este caso alerta para a possibilidade de quadros graves, multifocais, com expressão cutânea, que necessitam de cuidados especiais e atendimento multidisciplinar, torna‐se necessário seu reconhecimento pelo dermatologista em países onde a TB continua endêmica.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Juliana Alves Calado: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Anna Carolina Miola: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Maria Regina Cavariani Silvares: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Silvio Alencar Marques: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Conflitos de interesse

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Calado JOA, Miola AC, Silvares MRC, Marques SA. Disseminated tuberculosis associated with reactive arthritis of Poncet in immunocompetent patient. An Bras Dermatol. 2020;95:343–6.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.

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