Os agentes biológicos representam avanço importante no tratamento da psoríase, especialmente em casos moderados a graves que não respondem às terapias convencionais. Eles agem precisamente em alvos moleculares específicos, proporcionando controle eficaz da doença e melhorando substancialmente a qualidade de vida dos pacientes.1
Em receptores de transplante de órgãos sólidos (RTOS), o uso de biológicos ganha importância clínica ainda maior. Esses pacientes, que requerem imunossupressão contínua para evitar a rejeição do enxerto, frequentemente apresentam exacerbação da psoríase induzida por medicamentos como corticosteroides. Além disso, a toxicidade de medicamentos como a ciclosporina em órgãos transplantados e o aumento do risco de infecções e malignidades tornam o tratamento desses casos ainda mais complexo.2
A literatura recente destaca a eficácia e a segurança dos biológicos no tratamento da psoríase em RTOS, mas enfatiza a necessidade de abordagem cautelosa ao selecionar essas terapias. Casos clínicos documentados demonstram que, embora os produtos biológicos ofereçam melhora significante, o monitoramento cuidadoso do paciente é essencial em virtude das potenciais interações com medicamentos imunossupressores e do risco de complicações graves.3,4
Em 2023, um estudo revisou a literatura sobre pacientes com psoríase submetidos a transplante de órgãos sólidos e que receberam terapia biológica. A análise identificou 13 casos, incluindo oito transplantes de fígado, quatro transplantes de rim e um transplante de pâncreas‐rim, nos quais os pacientes, tratados principalmente com etanercepte e ustequinumabe (UST), mostraram respostas positivas sem complicações em períodos variando de cinco meses a seis anos.4
O estudo também destacou três casos específicos: o primeiro, um homem que foi submetido a transplante de rim e mostrou melhora significante após recidiva grave de psoríase, tratado com UST; o segundo, um paciente de transplante de fígado com psoríase grave que respondeu positivamente ao tratamento com etanercepte; e, por fim, uma receptora de transplante renal com psoríase desde a infância que obteve excelente resposta após 30 semanas de tratamento com risanquizumabe.4
O presente relato descreve um paciente do sexo masculino de 35 anos com histórico de hipertensão e psoríase em placas leve, tratado com metotrexato (15mg semanalmente) por sete meses, que desenvolveu insuficiência hepática aguda decorrente de cirrose criptogênica, necessitando de transplante de fígado. Inicialmente, após o transplante, o paciente foi mantido em terapia imunossupressora com tacrolimus e micofenolato mofetil, apresentando boa resposta da doença cutânea (escore PASI <5). Entretanto, um ano depois, houve progressão da doença para placas extensas por todo o corpo e couro cabeludo, impactando negativamente sua qualidade de vida.
O tratamento com acitretina (50mg/dia ou 0,5mg/kg/dia) proporcionou melhora parcial por três anos, mas houve falha secundária. Foi iniciada fototerapia UVB de banda estreita, resultando em piora clínica com transformação para psoríase pustulosa (fig. 1), que se resolveu gradualmente com a reintrodução de acitretina. Após o transplante, o paciente desenvolveu obesidade, doença renal crônica e esteatose hepática. A elevação dos lipídios séricos com o uso de acitretina e a contraindicação ao metotrexato e à ciclosporina por complicações adicionais limitaram as opções terapêuticas.
Após avaliação multidisciplinar, o paciente foi tratado com UST, anticorpo monoclonal direcionado à subunidade p40 comum às interleucinas 12 e 23. Com dose de indução de 90mg (peso 100kg), ele atingiu PASI100 após a primeira dose de manutenção (12 semanas depois). O controle da psoríase foi mantido com dosagem a cada 12 semanas por três anos, embora tenha havido recorrência de placas nos membros e abdome, atingindo PASI <75. PASI90 foi novamente alcançado pela redução do intervalo para oito semanas, pois a otimização da dose ou redução do intervalo são recomendadas nas informações do produto, sem comprometer a segurança do tratamento. O paciente permaneceu bem controlado por cinco anos, sem evidências de lesões e com função hepática estável (fig. 2).
O risco de hepatotoxicidade e as interações complexas entre imunossupressores e terapias para psoríase estão entre as condições que tornam o tratamento em RTOS desafiador. O UST oferece alternativa com segurança comprovada, pois é o anti‐interleucina mais antigo disponível no mercado brasileiro e apresenta diversos relatos nesse perfil de pacientes. Entretanto, a ausência de diretrizes específicas e a necessidade de abordagens individualizadas ressaltam a complexidade do manejo dessa condição, destacando a importância de mais pesquisas para aprimorar o tratamento.5
Este caso reforça que o UST pode ser opção eficaz e segura para o controle da psoríase em receptores de transplante de fígado sem comprometer a função hepática por longo período, destacando a importância de estratégias terapêuticas personalizadas e a necessidade de monitoramento rigoroso e mais pesquisas.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresTiago Almeida Santos Costa: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Juliana Schinzari Palo: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Renata Ferreira Magalhães: Revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Costa TA, Palo JS, Magalhães RF. Use of ustekinumab in the treatment of severe psoriasis in a liver transplant recipient. An Bras Dermatol. 2025;100:501156.
Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Clínica Médica, Ambulatório de Dermatologia, Hospital Universitário da Universidade de Campinas, Campinas, SP, Brasil.