Journal Information
Vol. 95. Issue 4.
Pages 542-544 (01 July 2020)
Visits
5767
Vol. 95. Issue 4.
Pages 542-544 (01 July 2020)
Carta – Caso clínico
Open Access
Caso de ASIA após injeção de silicone líquido
Visits
5767
Camila Secco Libardia,
Corresponding author
camilaslibardi@gmail.com

Autor para correspondência.
, Lucia Martins Diniza, Carlos Mussob, Bruna Anjos Badaróa
a Departamento de Clínica Médica, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
b Departamento de Patologia, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Figures (2)
Tables (1)
Tabela 1. Critérios diagnósticos de ASIA
Full Text
Prezado Editor,

O apreço pela beleza física remonta a tempos remotos. O século XX, com suas necessidades socioeconômicas exigentes, trouxe grandes novidades, catalisadas pelas revoluções industrial e petroquímica, sem negligenciar a antiga paixão humana: a busca pela perfeição estética.

Em 1948, o silicone, considerado imunologicamente inerte, despertou interesse da comunidade médica pela necessidade de materiais médicos e cirúrgicos biocompatíveis,1 ganhou importância na cosmiatria. Entretanto, a partir dos anos 1990, começaram a surgir casos de doenças do tecido conjuntivo em pacientes com implantes de silicone, que apresentavam reação tecidual fibrosante similar à esclerodermia. A relação entre implantes de silicone e o surgimento de sintomas inespecíficos, que não satisfazem critérios diagnósticos para doença do tecido conjuntivo, tem sugerido que, de fato, uma síndrome não definida pode ocorrer decorrente de exposição ao silicone.2

A análise dessas manifestações levou à definição da entidade “siliconose”, que inclui mialgia, fadiga anormal, alterações cognitivas, depressão, olhos e boca secos, anormalidades cutâneas, parestesias, edema e sensibilidade nas glândulas axilares, febre de origem indeterminada, alopecia, cefaleia e rigidez matinal.2

Nos últimos anos, além da siliconose, três doenças caracterizadas por respostas imunes hiperativas foram descritas: síndrome da guerra do Golfo, miofasciíte macrofágica e fenômenos pós‐vacinais. Por compartilhar um conjunto de sinais e sintomas semelhantes, essas quatro entidades foram condensadas por Shoenfeld e Agmon‐Levin em 2011 sob o termo ASIA: síndrome autoimune/inflamatória induzida por adjuvantes.2 Por definição, um caso de ASIA caracteriza achados de sintomas e sinais sistêmicos ou doença autoimune, desenvolvidos após exposição a estímulo externo, com produção de anticorpos contra o adjuvante implicado. Os critérios diagnósticos estão listados na tabela 1.2 Ainda sem validação desses critérios, não há consenso na literatura sobre quantos deles devem estar presentes para o diagnóstico de ASIA. Em sua coorte, Watada et al. incluíram como casos da síndrome pacientes que apresentassem pelo menos um critério maior ou um maior e um menor.3

Tabela 1.

Critérios diagnósticos de ASIA

ABD Critérios sugeridos para o diagnóstico de ASIA 
Critérios maiores 
Exposição a estímulos externos (infecção, vacina, silicone, adjuvante) previamente às manifestações clínicas. 
Aparecimento de manifestações clínicas “típicas”: 
Mialgia, miosite ou fraqueza muscular; 
Artralgia e/ou artrite; 
Fadiga crônica, sono não reparador ou distúrbios do sono; 
Manifestações neurológicas (especialmente as relacionadas à desmielinização); 
Anormalidades cognitivas, perda de memória; 
Febre, boca seca. 
Remoção do agente desencadeante induz melhora clínica. 
Biópsia típica dos órgãos envolvidos. 
Critérios menores 
Surgimento de autoanticorpos ou anticorpos dirigidos contra o adjuvante suspeito; 
Outras manifestações clínicas (p.ex., síndrome do intestino irritável; 
HLA específicos (HLA DRB1, HLA DQB1); 
Desenvolvimento de doença autoimune. 

Adaptada de Shoenfeld & Agmon‐Levin, 2011.2

Descrevemos o caso de uma paciente de 49 anos submetida à injeção de silicone líquido nas nádegas havia 10 anos, com placas acastanhadas, endurecidas e dolorosas na lateral da coxa esquerda havia dois anos (fig. 1). As lesões evoluíram em surtos e remissões espontaneamente e surgiram em concomitância com artralgia inflamatória das mãos e punhos e astenia. Os exames complementares mostraram fator reumatoide de 523, FAN 1:80 nuclear pontilhado fino (restante do painel reumatológico normal), corroboraram diagnóstico de artrite reumatoide (AR). Histopatológico da lesão cutânea evidenciou reação inflamatória crônica com histiócitos xantomizados (fig. 2), pesquisa de BAAR negativa. Foi iniciado tratamento com metotrexato, evolui para controle das lesões cutâneas e do quadro articular.

Figura 1.

Vista lateral da coxa esquerda. Placa de consistência endurecida, acastanhada, descamativa, na face lateral da coxa esquerda.

(0.1MB).
Figura 2.

Exame histopatológico evidencia histiócitos xantomizados, sugere reação a corpo estranho (Hematoxilina & eosina, 40×).

(0.17MB).

Nosso relato apresenta três critérios maiores (exposição a silicone; sintomas sistêmicos de astenia e artralgias; histopatológico com inflamação crônica) e dois menores (surgimento de AR e de autoanticorpos), satisfez critérios para o diagnóstico da síndrome, de prognóstico incerto, dada sua relativa novidade.

Vera‐Lastra et al. analisaram 50 casos de pacientes submetidos a injeções de materiais diversos. Os critérios de inclusão foram: história de procedimento injetável; doença autoimune/manifestações inespecíficas; autoanticorpos; evidência histológica de inflamação crônica; ausência de infecções/neoplasias que justificassem o quadro. O tempo médio entre a injeção e o início dos sintomas foi em torno de quatro anos (um mês a 15 anos); 60% apresentaram manifestações autoimunes inespecíficas e 8% desenvolveram AR. Histologicamente, na área de injeção havia granulomas, inflamação crônica, vacúolos de óleo e fibrose,4 achados semelhantes aos do caso descrito.

Quanto ao manejo, Tervaert et al. sugerem correção de hipovitaminose D, se presente, redução da exposição a gatilhos como reações alérgicas e infecções de trato respiratório e cessar tabagismo. Quando possível, deve‐se remover cirurgicamente o adjuvante implicado e, se necessário, usar medicações como doxiciclina, minociclina, hidroxicloroquina e corticoides por via oral ou intravenosa.5

Mediante essa explanação, trazemos à luz um alerta: faz‐se imprescindível conhecer os sintomas e as comorbidades do paciente antes da injeção de substâncias adjuvantes, a fim de se documentar e reconhecer a ASIA, síndrome de recente definição, porém de futuro iminentemente persistente, dada a crescente procura por procedimentos que envolvem injetáveis. Ciente desses dados, o médico pode evitar a deflagração de doenças crônicas de grande impacto, sem prejuízo à saúde do paciente. Permanece ainda mais um questionamento: que outros materiais, hoje considerados biocompatíveis (como outrora fora o silicone), podem deflagrar a síndrome num futuro próximo? Estudos prospectivos e retrospectivos poderão ilustrar o panorama da ASIA dentro das próximas décadas, trazer respostas e, possivelmente, mais indagações.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Camila Secco Libardi: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Lucia Martins Diniz: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Carlos Musso: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.

Bruna Anjos Badaró: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Conflitos de interesse

Nenhum.

Referências
[1]
R.S. Narins, K. Beer.
Liquid injectable silicone: a review of its history, immunology, technical considerations, complications, and potential.
Plast Reconstr Surg., 118 (2006), pp. 77S-84S
[2]
Y. Shoenfeld, N. Agmon-Levin.
’ASIA’ ‐ Autoimmune/inflammatory Syndrome Induced by Adjuvants.
J Autoimm., 36 (2011), pp. 4-8
[3]
A. Watad, N.L. Bragazzi, D. McGonagle, M. Adawi, C. Bridgewood, G. Damiani, et al.
Autoimmune/inflammatory syndrome induced by adjuvants (ASIA) demonstrates distinct autoimmune and autoinflammatory disease associations according to the adjuvant subtype: Insights from an analysis of 500 cases.
Clin Immunol., 203 (2019), pp. 1-8
[4]
O. Vera-Lastra, G. Medina, P. Cruz-Dominguez Mdel, P. Ramirez, J.A. Gayosso-Rivera, H. Anduaga-Dominguez, et al.
Human adjuvant disease induced by foreign substances: a new model of ASIA (Shoenfeld's syndrome).
Lupus., 21 (2012), pp. 128-135
[5]
J.W. Cohen Tervaert.
Autoinflammatory/autoimmunity syndrome induced by adjuvants (ASIA; Shoenfeld's syndrome): A new flame.
Autoimmun Rev., 17 (2018), pp. 1259-1264

Como citar este artigo: Libardi CS, Diniz LM, Musso C, Badaró BA. ASIA case after injection of liquid silicone. An Bras Dermatol. 2020;95:542–4.

Trabalho realizado no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, Vitória, ES, Brasil.

Copyright © 2020. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia
Article options
Tools
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.