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Vol. 97. Núm. 6.
Páginas 798-801 (01 Novembro 2022)
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Carta ‐ Investigação
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Adaptação cultural e validação do questionário de qualidade de vida dos pacientes com ceratose actínica (AKQoL‐BR) para o português no Brasil
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Marcella Akemi Haruno de Vilhenaa, Ivanka Miranda de Castrob, Anna Carolina Miolab,
Autor para correspondência
anna.c.miola@unesp.br

Autor para correspondência.
, Ingrid Stresser Gioppoc, Amanda Soares Teixeirad, Hélio Amante Miotb
a Clínica Privada, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
c Hospital Geral de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
d Departamento de Dermatologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP, Brasil
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Prezado Editor,

Ceratoses actínicas (CA) contabilizam 10% das queixas das consultas dermatológicas no Brasil.1 Embora o risco anual de progressão de uma CA para carcinoma espinocelular (CEC) seja 0,025%‐0,6%,2 pacientes com múltiplas CAs apresentam risco de até 20% para a emergência de CECs.3 Ademais, CAs podem impactar na qualidade de vida (QV) dos pacientes afetados.

CAs acometem áreas fotoexpostas, podem causar dor, sangramento e evoluírem para CEC. Para mensurar o impacto das CAs na QV dos pacientes, desenvolveu‐se, na Dinamarca, um instrumento específico, chamado Actinic Keratosis Quality of Life questionnaire (AKQoL).4 Trata‐se de um questionário com nove perguntas autoaplicáveis, voltadas ao incômodo causado pelas CAs na última semana, que foi adaptado para outras línguas.5 Até o momento, não há uma versão adaptada para a língua portuguesa.

Este estudo objetivou a validação e adaptação cultural do AKQoL para o português. Para tanto, foi realizado um estudo metodológico, entre março/2020 e junho/2021, envolvendo pacientes ambulatoriais dos serviços de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP e do Instituto Lauro de Souza Lima – ILSL, maiores de 18 anos e alfabetizados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética das instituições.

Após consentimento dos autores, realizou‐se tradução do AKQoL para o português por três dermatologistas fluentes em inglês, de acordo com a recomendação do ISPOR task‐force.6 As traduções resultaram em uma versão consensual que foi traduzida para o inglês com o intuito de avaliar a manutenção de seu significado e, posteriormente, submetida à adaptação cultural a partir da entrevista de 15 participantes com CA, visando a seleção dos termos mais adequados para o entendimento de cada item.

A versão traduzida e adaptada culturalmente (AKQoL‐BR) foi submetida a 113 participantes com CA, amostrados por conveniência, para sua validação psicométrica. Quinze desses participantes foram ressubmetidos ao questionário dentro de sete dias para avaliar sua estabilidade temporal (teste‐reteste). Outros dez foram tratados com nitrogênio líquido e reavaliados após 30 dias, para avaliar a sensibilidade à mudança. O cálculo amostral foi baseado no COSMIN (COnsensus‐based Standards for the selection of health Measurement INstruments Study Design Checklist), que orienta o número mínimo de 100 sujeitos estudados para estudos de validação de questionários.7

A consistência interna do AKQoL‐BR foi avaliada pelo coeficiente McDonald‐ω (adequado se ω >0,70). Sua dimensionalidade foi estimada pela análise paralela de Horn, e confirmada pelo indicador UniCo (congruência unidimensional), cuja unidimensionalidade é definida por valores ≥ 0,95. A estabilidade temporal foi testada pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI) (adequado se CCI> 0,70), e a responsividade pós‐tratamento foi avaliada pelo teste de Wilcoxon.8 Correlação entre a gravidade da CA e o escore foi avaliada pelo coeficiente rho de Spearman.9 Considerou‐se significante p‐valor ≤ 0,05.

Os principais dados demográficos dos participantes estão apresentados na tabela 1. Salientam‐se a alta prevalência de idosos, fototipos baixos e alta frequência de câncer de pele. O AKQoL‐BR (tabela 2) apresentou boa compreensão pelos participantes, e todos os questionários foram preenchidos em menos de dez minutos.

Tabela 1.

Dados demográficos dos pacientes entrevistados com CA (n=113)

Idade (anos)*  72 (10) 
Sexo
Feminino  48 (43%) 
Masculino  63 (57%) 
Fototipo
16 (14%) 
II  70 (63%) 
III  21 (19%) 
IV  4 (4%) 
Escolaridade
Fundamental  71 (69%) 
Médio  27 (24%) 
Superior  8 (7%) 
Tabagismo  19 (17%) 
Uso de filtro solar  81 (73%) 
Antecedentes de tumores cutâneos  80 (72%) 
Exposição solar prévia
Leve  15 (14%) 
Moderada  28 (25%) 
Intensa  68 (61%) 
Tabela 2.

Questionário de qualidade de vida de pacientes portadores de ceratoses actínicas – AKQoL‐BR

  Essas perguntas se concentram em como a pele danificada pelo sol pode ter afetado sua vida durante a última semana:
  Por favor, marque a alternativa que considera a correta com um X
Durante a última semana, eu fiquei incomodado por ter que proteger minha pele toda vez que saio ao sol.  De modo algum  Um pouco  Muito  Muitíssimo 
Durante a última semana, a minha pele danificada pelo sol me fez pensar no que é importante na vida.  De modo algum  Um pouco  Muito  Muitíssimo 
Durante a última semana, a minha qualidade de vida diminuiu devido à minha pele danificada pelo sol.  De modo algum  Um pouco  Muito  Muitíssimo 
Durante a última semana, eu tive medo que o dano solar da minha pele possa evoluir para uma doença de pele mais grave.  De modo algum  Um pouco  Muito  Muitíssimo 
Durante a última semana, eu tentei esconder os danos solares da minha pele das outras pessoas com maquiagens ou roupas.  Raramente/De modo algum  Às vezes  Frequentemente  Constantemente 
Durante a última semana eu me senti culpado pelos danos solares da minha pele.  Raramente/De modo algum  Às vezes  Frequentemente  Constantemente 
Durante a última semana, eu observei a minha pele e a examinei em busca de danos solares.  Raramente/De modo algum  Às vezes  Frequentemente  Muito frequentemente 
Durante a última semana, minha vida foi mais difícil por causa dos danos solares da minha pele.  De modo algum  Um pouco  Muito  Muitíssimo 
Durante a última semana, eu pensei sobre como me comportar quando exposto ao sol.  Raramente/De modo algum  Às vezes  Frequentemente  Constantemente 

A consistência interna do questionário resultou 0,82 (95% IC 0,78-0,87), e sua unidimensionalidade foi indicada pela análise de Horn; o primeiro fator foi responsável por 57,5% da variância do construto, e o item 4 (medo de evolução para algo grave) foi aquele com maior carga fatorial (0,82). O teste de Kaiser‐Meyer‐Olkin resultou 0,82 e a estatística de Bartlett foi de 469 (p <0,01). O indicador UniCo resultou 0,955.

Houve boa correlação entre os itens e o escore total (rho ≥ 0,45); entretanto, algumas fracas (rho <0,30) correlações inter‐item (tabela 3). O item 5, relacionado à camuflagem das CAs, foi o único que apresentou efeito chão, ou seja, com a grande maioria dos entrevistados marcando a menor medida possível como resposta para a pergunta realizada (no caso, “durante a última semana, eu tentei esconder os danos solares da minha pele das outras pessoas com maquiagens ou roupas”), com 73% de opções na alternativa “nunca ou de modo algum”.

Tabela 3.

Coeficiente de correlação inter‐itens e coeficiente de correlação rho de Spearman entre os itens e o escore total AKQoL‐BR (n=113)

Variável  Q1  Q2  Q3  Q4  Q5  Q6  Q7  Q8  Q9 
Q2  0,272  –               
Q3  0,183  0,321  –             
Q4  0,301  0,488  0,475  –           
Q5  0,256  0,186  0,316  0,267  –         
Q6  0,055  0,359  0,395  0,431  0,172  –       
Q7  0,159  0,289  0,229  0,401  0,216  0,241  –     
Q8  0,281  0,282  0,593  0,489  0,374  0,272  0,235  –   
Q9  0,255  0,467  0,210  0,326  0,210  0,263  0,413  0,237  – 
AKQoL‐BR  0,450  0,654  0,614  0,781  0,475  0,563  0,583  0,630  0,643 

AKQoL‐BR revelou adequada estabilidade temporal e sensibilidade à melhora. O escore médio (dp) dos testes e retestes foram 11,7 (6,5) e 11,3 (5,4), com CCI de 0,88 (p <0,01). Os participantes tratados perceberam redução do impacto na QV e reduziram seus escores de 7,0 (3,5) para 5,9 (3,5) (p=0,016).

Nossos resultados mostram que AKQoL‐BR revelou‐se factível, consistente, reprodutível e sensível para a avaliação do impacto na QV, em amostragem brasileira com CA. A consistência interna resultou próxima à da versão original, dinamarquesa (α=0,81), e das outras traduções realizadas na Suíça (α=0,82) e Espanha (α=0,91); porém, a versão holandesa apresentou uma consistência menos expressiva (α=0,64).4,5,10,11 Já a análise do AKQoL‐BR em subescalas (função, emoções e controle), idealizada pelos autores da escala original, torna‐se não factível na versão em português em razão da sua unidimensionallidade.

As doenças dermatológicas afetam diferentes dimensões da vida, em decorrência dos sintomas, das limitações funcionais e da promoção de estigmas ligados à aparência das lesões, que interferem com a interação social, profissão, lazer e infligem prejuízo à autoestima. Consequentemente, pode haver comprometimento psicológico dos pacientes. O conceito moderno de tratamento médico pressupõe, além da redução objetiva das lesões, o efeito de métricas com base na percepção dos pacientes, como o impacto na QV, o que torna relevante o uso de instrumentos específicos para avaliação da QV nas avaliações pré‐ e pós‐terapêuticas.

Em paralelo, é importante ressaltar que nem sempre há perfeita correlação entre gravidade clínica e impacto na QV, visto este ser um conceito subjetivo e dependente de interpretações pessoais, que podem variar entre indivíduos, em diferentes culturas, e inclusive no mesmo indivíduo, em diferentes fases da vida. O significado da doença e seu estigma também é muito variável, exigindo cuidado na interpretação de desfechos relatados pelos pacientes em populações heterogêneas. Nesse caso, o efeito‐chão observado no item 5, demonstrando despreocupação com a camuflagem das lesões, pode não ser encontrado em amostras contendo pacientes mais jovens, ou que exerçam atividades sociais e laborais que demandem exposição mais frequente das lesões, bem como em pacientes com maior nível educacional, que podem ter percepção diferente da doença e, consequentemente, apresentar maior impacto na QV. No estudo de validação holandês, o item 5 também esteve entre os que apresentaram efeito chão, além dos itens 3 e 8; já o estudo espanhol não apresentou itens com efeito chão.5

Nosso estudo apresenta limitações, como a predominância de pacientes idosos, oriundos do sistema público e de baixo nível educacional, o que dificulta a generalização dos resultados; porém, não desabona as propriedades do instrumento validado. O uso do AKQoL‐BR em estudos futuros será importante para consolidar sua utilidade na avaliação da QV de pacientes com CA.

Em conclusão, foi adaptada e validada uma versão do AKQoL para o português no Brasil, a qual apresentou comportamento psicométrico favorável para o seu uso em estudos clínicos com pacientes com CAs.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Marcella Akemi Haruno de Vilhena: Concepção e planejamento do estudo; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura, escrita e aprovação da versão final do manuscrito.

Ivanka Miranda de Castro: Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura, escrita e aprovação da versão final do manuscrito.

Anna Carolina Miola: Concepção e planejamento do estudo; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito, escrita e aprovação da versão final do manuscrito.

Ingrid Stresser Gioppo: Concepção e planejamento do estudo, Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura, aprovação da versão final do manuscrito.

Amanda Soares Teixeira: Concepção e planejamento do estudo; Análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura, aprovação da versão final do manuscrito.

Hélio Amante Miot: Concepção e planejamento do estudo; Participação efetiva na orientação da pesquisa, desenvolvimento do projeto, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito, escrita e aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Haruno de Vilhena MA, Castro IM, Miola AC, Gioppo IS, Teixeira AS, Miot HA. Cultural adaptation and validation of the quality of life questionnaire for patients with actinic keratosis (AKQoL‐BR) to Brazilian Portuguese. An Bras Dermatol. 2022;97:798–801.

Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) e Ambulatório de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (FMB‐UNESP), Botucatu, SP, Brasil.

Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
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