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Vol. 97. Núm. 6.
Páginas 801-803 (01 Novembro 2022)
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Carta ‐ Investigação
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Impacto da pandemia do SARS‐CoV‐2 no diagnóstico do melanoma cutâneo primário em hospital universitário no Rio de Janeiro
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Carlos Baptista Barcauia,
Autor para correspondência
carlos.barcaui@uerj.br

Autor para correspondência.
, Carla Jorge Machadob, Juan Piñeiro‐Maceirac
a Departamento de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
b Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
c Departamento de Patologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Prezado Editor,

O melanoma é o tipo mais grave de câncer da pele e sua incidência mundial vem aumentando, apesar da taxa de mortalidade permanecer estável e com tendência de diminuição em alguns países nas últimas décadas.1 O diagnóstico precoce e os avanços no tratamento da doença avançada são os prováveis responsáveis por essa estabilização nas taxas de mortalidade.2 Do ponto de vista financeiro, o melanoma cutâneo representa ônus crítico para o Brasil, e o custo da doença varia de acordo com o sistema de saúde e com estágio no momento do diagnóstico. Os gastos com pacientes com doença avançada podem ser até 34 vezes (Sistema Único de Saúde) ou 270 vezes (setor privado) maiores do que o necessário para o tratamento da doença em estágio inicial.3

Em decorrência das restrições sanitárias impostas pela pandemia de SARS‐CoV‐2, o acesso aos serviços de saúde na cidade do Rio de Janeiro foi dificultado, principalmente no ano de 2020. Com isso, houve praticamente a interrupção do seguimento dos pacientes de alto risco e dos exames de triagem para melanoma no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE). A mensuração do impacto da diminuição da triagem do câncer da pele nesse período na piora do prognóstico dos pacientes com melanoma cutâneo é um desafio, mas indicador necessário aos serviços de saúde. Nosso objetivo foi avaliar o impacto da pandemia de SARS‐CoV‐2 no diagnóstico do melanoma cutâneo primário no Serviço de Dermatologia de um hospital universitário na cidade do Rio de Janeiro.

Métodos

Realizamos estudo observacional transversal do tipo descritivo e analítico sobre os casos de melanoma diagnosticados no Serviço de Dermatologia do HUPE. Foram incluídos os casos diagnosticados como melanoma cutâneo primário com confirmação por meio de exame histopatológico, no período entre os anos de 2012 e 2021. O impacto da pandemia de SARS‐CoV‐2 no diagnóstico do melanoma cutâneo primário foi avaliado a partir da comparação do número de casos diagnosticados e da média anual da espessura tumoral medida em milímetros nesse período.

A associação entre duas variáveis qualitativas foi verificada pelo teste de diferença de proporções por meio do ajuste de Fisher para pequenos números. A regressão de Poisson foi utilizada para estimativa das razões de incidência e dos Intervalos de Confiança de 95%. A análise estatística foi realizada pelo software Stata/SE 12.0 for Mac.

Resultados

Nos últimos 10 anos, desde que foi iniciado o atendimento no ambulatório de lesões pigmentadas do Serviço de Dermatologia do HUPE, foram diagnosticados 91 novos casos de melanoma cutâneo em 89 pacientes; um paciente apresentou dois melanomas assíncronos, e outro paciente, dois melanomas síncronos. Dos 91 tumores avaliados, 24% (22) eram lesões in situ e 75% (69) tumores invasivos com espessura média de 1,04mm (0,10‐5,72 mm), com predomínio de 47% (42) das lesões com nível II de invasão Clark. Na tabela 1, observa‐se a distribuição da mediana das espessuras de Breslow observadas entre os anos de 2012 e 2021. A média do número de casos diagnosticados entre os anos de 2013 e 2019 foi de 9,8 casos/ano. Em 2020, observamos diminuição de 49,0% (5) no número de casos diagnosticados. No ano de 2021, tivemos 11 casos diagnosticados. Apenas no primeiro trimestre de 2021, foi diagnosticada a mesma quantidade de casos de melanoma de todo o ano de 2020. Os achados da tabela 2 indicam que as taxas de incidência de melanoma decresceram entre o biênio 2018/2019 e 2020/21, variando de 3,15 casos por 1.000 agendamentos a 1,34 casos por 1.000 em 2020/21. As razões de incidência indicaram que as taxas de 2020 e de 2021 foram, respectivamente, 72% e 80% menores se comparadas à taxa de 2018/2019. A taxa mais baixa foi acompanhada da maior gravidade dos casos, o que pode ser corroborado por níveis de invasão de Clark com clara tendência de avanço em 2020/21 comparados com 2018/2019. Assim, nota‐se que em metade dos casos em 2020/21 os níveis de invasão foram IV ou V; esse percentual foi de 5% em 2018/2019.

Tabela 1.

Número de casos de melanoma cutâneo diagnosticados no serviço de Dermatologia do HUPE entre março de 2012 e 31 de dezembro de 2021, idade média e mediana da espessura de Breslow dos casos invasivos

Ano  N° casos  Idade dos pacientesa  Espessura de Breslow (mm)a 
    Mediana (p25; p75)  Mediana (p25; p75) 
2012 (mar‐dez)  64 (58; 75)  0,44 (0,00; 0,57) 
2013  11  60 (58; 71)  0,41 (0,00; 0,93) 
2014  62 (57; 77)  0,00 (0,00; 0,16) 
2015  63 (47; 65)  0,50 (0,31; 0,70) 
2016  13  60 (56; 67)  0,23 (0,00; 0,77) 
2017  75 (58; 85)  0,45 (0,30; 1,12) 
2018  11  73 (52; 80)  0,30 (0,00; 0,50) 
2019  65 (53; 73)  0,60 (0,20; 0,60) 
2020  83 (71; 85)  1,40 (0,00; 3,30) 
2021  11  72 (57; 81)  0,50 (0,30; 2,60) 
Total  91  65 (57; 76)  0,40 (0,05; 0,83) 

Notas: p25, 25° percentil; p75, 75° percentil.

a

Mediana e percentis utilizados pois o teste de Shapiro‐Wilk indicou ausência de normalidade para idade (p=0,049) e para espessura de Breslow (p <0,001).

Tabela 2.

Tabela síntese das diferenças encontradas entre os anos de 2018/2019; 2020; 2021 (janeiro a março) referentes aos casos de melanoma diagnosticados no serviço de Dermatologia do HUPE

Variáveis analisadas e estatísticas  2018/2019  2020/2021 
Número de casos de melanoma  20  16 
Número de agendamentos  6.349  11.912 
Taxas de incidência (por mil agendamentos)  3,15  1,34 
Razões de incidência (95% IC)a1,00  0,44 (0,27;0,73) 
‐  p=0,001 
Espessura de Breslow em mm: Mediana (p25; p75)0,40 (0,15; 0,60)  0,80 (0,30; 2,90) 
  p=0,502b 
Nível de invasão de Clark, n (%)
4 (20,0)  3 (18,7) 
II ou III  15 (75,0)  5 (31,3) 
IV ou V1 (5,0)  8 (50,0) 
  p=0,041c 
Idade em anos: média (DP)65,0 (18,0)  72,0 (13,5) 
  p=0,205d 

Notas: DP, desvio padrão; p25, 25° percentil; p75, 75° percentil.

a

Estimativas de razão de incidência, intervalos de 95% de confiança e valor de p obtidos por regressão de Poisson.

b

Valor de p com base em teste não paramétrico de Mann‐Whitney para comparação de medianas independentes (teste de Shapiro‐Wilk indicou ausência de normalidade: p <0,001).

c

Valor de p com base em teste não paramétrico de tendência de Cuzick.

d

Valor de p com base em teste t de Student para comparação de médias independentes (teste de Shapiro‐Wilk não indicou ausência de normalidade: p=0,088).

Discussão

Conforme recentemente demonstrado por meio de modelo de taxa de crescimento, a probabilidade de aumento da espessura e progressão para estágio mais avançado de doença é de 21%, 29% e 45% com um, dois e três meses de atraso no diagnóstico do melanoma, respectivamente.4

Diante das restrições impostas pela crise sanitária, podemos inferir que a pandemia do SARS‐CoV‐2 seja a justificativa mais provável para que tenhamos tido menor taxa mensal de casos diagnosticados no período após o início da pandemia e maiores espessuras de Breslow do que dos últimos 10 anos.

A incidência mundial do melanoma vem aumentando nas últimas décadas; já as taxas de mortalidade parecem estar tendendo a se estabilizar. Uma das principais razões para essa estabilização é o diagnóstico precoce. Apesar de recente trabalho científico realizado nos Estados Unidos ter proposto a interrupção de campanhas para detecção precoce do câncer da pele como maneira de diminuir a quantidade de melanomas diagnosticados, essa não nos parece ser uma estratégia prudente a ser adotada.5 Quando comparamos a quantidade de melanomas diagnosticados no HUPE na década anterior (2002‐2011; n=71), nota‐se um incremento da ordem de 10%. Entretanto, conforme nossos dados demonstram, houve redução de mais da metade do número de casos diagnosticados em 2020, e os que foram detectados encontravam‐se em fase mais avançada. À semelhança do que ocorreu com outros tipos de câncer e do que foi observado com o diagnóstico do melanoma na Itália, durante o início da pandemia de SARS‐CoV‐2, observamos uma significativa redução do número de casos de melanoma cutâneo diagnosticados, o que potencialmente está associado com aumento na morbidade, mortalidade e custos financeiros.6–13

O impacto do atraso no diagnóstico ocasionado pela pandemia de SARS‐CoV‐2 na sobrevida dos pacientes com melanoma e nos custos envolvidos para o tratamento da doença em estágios mais avançados deverá ser objeto de futuros estudos.

Conclusão

No primeiro ano da pandemia de SARS‐CoV‐2 (2020), observamos significativa redução do número de casos de melanoma cutâneo primário diagnosticados, e a espessura média dos tumores foi maior quando comparada com a dos casos diagnosticados nos últimos oito anos anteriores.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Carlos Baptista Barcaui: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa.

Carla Jorge Machado: Análise estatística; revisão crítica do manuscrito.

Juan Piñeiro‐Maceira: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Barcaui CB, Machado CJ, Piñeiro‐Maceira J. Impact of the SARS‐CoV‐2 pandemic on the diagnosis of primary cutaneous melanoma at a University Hospital in Rio de Janeiro. An Bras Dermatol. 2022;97:801–3.

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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