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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Investigação
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Esporotricose na Amazônia: série de 46 casos com ênfase na transmissão zoonótica
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Luiza Rennó Rocha de Oliveiraa,
, Isabela de Nazaré Tavares Cardoso Souzab, Murilo dos Santos Souzab, Carla Andrea Avelar Piresa, Maria Amélia Lopes dos Santosa, Francisca Regina Oliveira Carneiroa
a Serviço de Dermatologia, Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil
b Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil
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Tabela 1. Dados clínico‐epidemiológicos dos pacientes com diagnóstico de esporotricose entre abril de 2022 a junho de 2024 de um centro de referência da Região Norte do Brasil
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Prezado Editor,

A esporotricose é infecção fúngica crônica, granulomatosa e subcutânea, causada por fungos do gênero Sporothrix.1,2 A transmissão ocorre principalmente por meio do contato direto com solo ou matéria orgânica contaminada3,4 e por interação com animais infectados, especialmente gatos.1 A esporotricose pode manifestar‐se de maneira cutânea ou extracutânea, principalmente em pacientes imunocomprometidos.5

Trata‐se de estudo descritivo e observacional realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade do Estado do Pará, referência em atenção secundária para doenças dermatológicas na região Norte, entre abril de 2022 e junho de 2024, relativo a 46 pacientes com esporotricose. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (parecer n° 5.647.696/2022). O presente estudo seguiu o checklist CARE para relatos e séries de caso. A coleta de dados foi feita por meio de prontuários, incluindo informações demográficas, características clínicas e detalhes do tratamento.

Dos 46 pacientes, houve predomínio do sexo feminino (71,7%), provavelmente pelo fato de que as mulheres costumam ser as principais cuidadoras de animais, aumentando o risco de contaminação. As idades variaram de 6 e 85 anos, com média de 41,3 anos (fig. 1). Todos os participantes foram considerados imunocompetentes no momento do diagnóstico.

Figura 1.

Distribuição de faixas etárias entre os pacientes com diagnóstico de esporotricose entre abril de 2022 a junho de 2024 de um centro de referência da região Norte do Brasil.

Quanto à epidemiologia, 15,2% (n=7) relataram contato prévio com solo ou matéria orgânica em decomposição, enquanto 95,5% (n=44) relataram contato com gatos. Destes, 76% (n=35) indicaram arranhaduras ou mordeduras recentes e 36,9% (n=17) mencionaram contato com secreções de gatos.

O exame histopatológico foi realizado em 78,2% das amostras (n=36), com laudos sugestivos ou diagnósticos de esporotricose. Em 62,5% dos casos (n=28) foi realizada cultura, confirmada em 32,6% (n=15).

As lesões cutâneas variaram de nódulos a úlceras, com predominância nas extremidades. Em 28,3% dos casos (n=13), observou‐se envolvimento concomitante de cadeias linfáticas. A forma cutânea localizada foi a mais frequente (69,5%), seguida pela linfocutânea (28,3%) (fig. 2) e pela grave/disseminada (2,2%).

Figura 2.

Paciente com a forma linfocutânea da esporotricose.

Na avaliação dos animais, ientificou‐se que 63,6% dos felinos (n=28) haviam recebido diagnóstico médico‐veterinário clínico e/ou com auxílio de exame micológico direto de esporotricose. Informações sobre o desfecho clínico foram obtidas para 16 animais: cinco (31,2%) foram submetidos a eutanásia em virtude da gravidade do quadro, seis (37,5%) receberam tratamento com itraconazol com sucesso, e cinco (31,3%) evoluíram a óbito sem intervenção veterinária.

A medicação instituída em 93,5% dos casos humanos (n=43) foi o itraconazol, com doses entre 100mg e 200mg diários. Em 4,5% dos casos, o iodeto de potássio (KI) foi utilizado em virtude da idade dos pacientes (crianças, com doses entre 1,4 e 2,1 g/dia). O tratamento durou até seis meses em 46% dos pacientes, resultando em cicatrização completa das lesões. Efeitos adversos ao itraconazol foram relatados por apenas três pacientes (6,9%) – mialgia, vertigem, necessitando de substituição por terbinafina, com resposta satisfatória.

Quanto ao prognóstico, 79% dos casos (n=36) evoluíram com cicatrização das lesões. Oito pacientes não retornaram para seguimento e dois ainda estão em acompanhamento. Em geral, a cicatrização ocorreu entre dois e quatro meses após o início do tratamento. Alta ambulatorial foi registrada em 94,1% dos casos, com cicatrização completa e sem recidivas ou falhas terapêuticas.

Clinicamente, a forma mais comum observada foi a cutânea fixa ou localizada (fig. 3). As lesões predominantes foram úlceras, nódulos e placas eritemato‐infiltradas. Essa diferença em relação a outros estudos6 pode ser atribuída ao maior número de pacientes imunocompetentes neste estudo e ao acesso precoce ao atendimento médico. Os métodos diagnósticos mais utilizados no presente estudo foram a cultura do material e a análise histopatológica, com a cultura em Ágar Sabouraud Dextrose considerada o padrão‐ouro.7 Além disso, 12 dos 27 casos foram negativos pela cultura, apesar de apresentarem histopatologia sugestiva. Vale ressaltar que alguns pacientes já estavam em tratamento no momento do diagnóstico, o que pode ter influenciado os resultados da cultura.

Figura 3.

Paciente com a forma cutânea fixa da esporotricose.

Os resultados deste estudo (tabela 1) ressaltaram a variedade de apresentações clínicas e características das lesões, a boa eficácia do tratamento utilizado, o tempo relativamente curto de cicatrização (menos de seis meses para 46% dos pacientes) e desfecho de cura. A resposta terapêutica positiva ao itraconazol em todos os casos reforça a eficácia do medicamento,8 já bem estabelecida nos protocolos nacionais.

Tabela 1.

Dados clínico‐epidemiológicos dos pacientes com diagnóstico de esporotricose entre abril de 2022 a junho de 2024 de um centro de referência da Região Norte do Brasil

Dados clínico‐epidemiológicosTotal  (%) 
SexoMasculino  13  27,3% 
Feminino  33  71,7% 
ProcedênciaRegião metropolitana de Belém  4,3% 
Belém  44  95,7% 
Exposição a FelinosSim  44  95,5% 
Não  4,5% 
Arranhadura, mordedura ou contato com secreções37  84% 
Confirmação diagnóstica no felino28  63,6% 
Felino em tratamento21,4% 
Forma clínicaCutânea localizada  32  69,5% 
Linfocutânea  13  28,3% 
Grave/disseminada  2,2% 
MedicamentoItraconazol  43  93,5% 
Iodeto de potássio  4,5% 
Tempo de cicatrização após início do tratamentoa<3 meses  10  22% 
<6 meses  21  46% 
>6 meses  11% 
a

Oito pacientes com perda de seguimento/dois pacientes ainda em acompanhamento.

Desde a década de 1990, a interação com felinos infectados tem sido amplamente associada ao aumento da incidência de casos no Brasil,2,9 responsável por 95,5% das causas de infecção relatadas.10 Esse dado é corroborado pelos dados do presente estudo, que identificou essa via de transmissão em 44 pacientes (95,5%).

A transmissão ocorre principalmente por arranhaduras, mordeduras ou contato com secreções respiratórias de gatos infectados,4,9 afetando especialmente médicos veterinários, tutores ou ativistas em resgates de animais. Medidas sanitárias, controle veterinário e a manutenção dos felinos em ambientes seguros, sem acesso à rua, são essenciais para reduzir a transmissão entre felinos e humanos.

As limitações desta pesquisa incluem a amostra restrita a um único centro e a falta de acompanhamento prolongado de alguns pacientes. A necessidade de métodos diagnósticos precisos e a conscientização sobre a doença são essenciais para prevenir morbidade e sequelas. A falta de obrigatoriedade de notificação em alguns estados,7 como o Pará, e o desconhecimento da doença por médicos contribuem para a subnotificação, impactando as políticas públicas de controle.

Editor

Sílvio Alencar Marques.

Disponibilidade de dados de pesquisa

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Suporte financeiro

Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA) por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) n° 026/2023 – Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Contribuição dos autores

Luiza Rennó Rocha de Oliveira: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Isabela de Nazaré Tavares Cardoso Souza: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Murilo dos Santos Souza: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Carla Andrea Avelar Pires: Concepção e o desenho do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Maria Amélia Lopes dos Santos: Concepção e o desenho do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Francisca Regina Oliveira Carneiro: Concepção e o desenho do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Rennó Rocha de Oliveira L, Souza INTC, Souza MS, Pires CAA, dos Santos MAL, Carneiro FRO. Sporotrichosis in Amazon: series of 46 cases with emphasis on zoonotic transmission. An Bras Dermatol. 2025;100:501171.

Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Prof. Miguel Saraty de Oliveira, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde II, Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.

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