A literatura recente revela distribuição bimodal da hidradenite supurativa (HS), com o primeiro pico ocorrendo no final da adolescência e o segundo na quarta década de vida. A maioria das publicações concentra‐se na idade adulta, com pesquisas limitadas abordando a HS pediátrica,1,2 particularmente no que diz respeito ao uso de agentes imunobiológicos nessa população.2–4
Com o objetivo de adicionar mais dados a este tópico, foi realizada análise retrospectiva de pacientes diagnosticados com HS com menos de 18 anos em hospital universitário terciário português, selecionando aqueles que iniciaram seu primeiro tratamento com agentes imunobiológicos antes da idade adulta.
Doze pacientes foram incluídos na análise (oito do sexo feminino, 67%), com mediana de idade ao diagnóstico de 16 anos (variação de 10 a 17 anos). A mediana do tempo desde o início dos sintomas até o diagnóstico foi de 27 meses (IIQ 14 a 34,3 meses), e a duração mediana do seguimento foi de seis anos (IIQ 3 a 8,8 anos). No diagnóstico, 67% (n=8) foram classificados como estágio III de Hurley, 25% (n=3) como estágio II e 8% (n=1) como estágio I. Características clínicas adicionais e terapias anteriores estão disponíveis na tabela 1. Em relação à terapia imunobiológica, adalimumabe foi administrado a todos os 12 pacientes, ustequinumabe a quatro pacientes (33%) e infliximabe e secuquinumabe, cada um a três pacientes (25%). Uma média de dois imunobiológicos foram administrados por paciente (intervalo de 1 a 4). A idade mediana para o início da terapia biológica foi de 16,5 anos, com a terapia iniciada antes dos 18 anos em todos os pacientes com adalimumabe (idades de 11 a 17), em dois de quatro pacientes com ustequinumabe (ambos com 17 anos) e em dois de três pacientes com infliximabe (idades de 13 e 17). A terapia com secuquinumabe foi iniciada na idade adulta. Adalimumabe (n=12) apresentou falha primária (sem resposta na semana 16) em 17% dos casos (dois pacientes), falha secundária em 50% (seis pacientes, duração mediana de 24 meses) e eficácia mantida em 33% (quatro pacientes, mediana de seguimento de 36 meses). Ustequinumabe (n=4) apresentou falha primária em um paciente, com eficácia mantida nos três restantes (com mediana de seguimento de 23 meses). Infliximabe (n=3) apresentou falha secundária em todos os três casos (mediana de duração de 18 meses), e secuquinumabe (n=3) apresentou falha primária em um paciente, com eficácia mantida nos dois restantes (com mediana de seguimento de 12 meses). Os resultados completos são mostrados na tabela 2. O aumento da dose de adalimumabe, de 40mg para 80mg/semana, foi tentada em cinco pacientes, sem benefício terapêutico. Em geral, 42% (n=5) dos pacientes em uso de imunobiológicos alcançaram controle da doença – definido como melhora de grave para leve no Hidradenitis Suppurativa Severity Score System (IHS4), enquanto 33% (n=4) alcançaram controle parcial – melhora do IHS4 de grave para moderado, e 25% (n=3) apresentaram doença não controlada (sem melhora do IHS4). Enquanto em uso de imunobiológicos, 83% dos pacientes foram submetidos à cirurgia de HS (n=10), com a mesma porcentagem necessitando de antibióticos orais (n=10), 33% necessitando de corticosteroides orais (n=4) e 25% de retinoides orais (n=3). Nenhum dos pacientes submetidos à cirurgia interrompeu a terapia imunobiológica antes da intervenção, e todos relataram melhora local em seu quadro após o procedimento. Por fim, a presente coorte foi comparada com 16 pacientes com HS de início pediátrico do mesmo centro que não necessitaram de terapia imunobiológica, para comparação das características clínicas basais. Esses grupos não apresentaram diferenças significantes em relação a sexo, idade e idade ao diagnóstico. Os pacientes no grupo com HS que usaram imunobiológicos apresentaram maior escore de Hurley no diagnóstico (p<0,001), maior envolvimento perineal (p=0,03) e maior probabilidade de serem submetidos à cirurgia (p=0,005).
Características clínicas e terapias anteriores de pacientes com hidradenite supurativa de início pediátrico tratados com imunobiológicos (n=12)
Dados clínicos | n (%) |
---|---|
Comorbidades | |
Sobrepeso/obesidade | 10 (83%) |
Acne grave | 5 (42%) |
Cisto pilonidal | 4 (33%) |
Locais afetados | |
Inguinal | 12 (100%) |
Axilar | 10 (83%) |
Perineal | 7 (58%) |
Intermamário | 4 (33%) |
Tratamentos anteriores | |
Antibióticos orais | 12 (100%) |
Pílula anticoncepcional (pacientes do sexo feminino, n=8) | 5 (63%) |
Retinoide orais | 5 (42%) |
Dapsona | 3 (25%) |
Terapias imunobiológicos e resultados do tratamento em 12 pacientes com hidradenite supurativa de início pediátrico
Agente Biológico | n (%) | Faixa etária no início (anos) | Iniciado antes dos 18 (n) | Duração mediana (meses) | Falha primária, n (%) | Falha Secundaria, n (%) | Eficácia mantida, n (%) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Adalimumabe | 12 (100) | 11–17 | 12 | 24 | 2 (17%) | 6 (50%) | 4 (33%) |
Ustequinumabe | 4 (33) | 17–24 | 2 | 21 | 1 (25%) | – | 3 (75%) |
Infliximabe | 3 (25) | 13–23 | 2 | 18 | – | 3 (100%) | – |
Secuquinumabe | 3 (25) | 18–26 | 0 | 6 | 1 (33%) | – | 2 (67%) |
O uso de imunobiológicos na HS de início pediátrico permanece subnotificado. Uma revisão sistemática recente de tratamentos clínicos na HS pediátrica incluiu 33 pacientes tratados com imunobiológicos,4 dos quais 12 eram derivados de um único estudo,3 e o restante, de relatos de caso ou pequenas séries de casos. Melhora clínica foi relatada em 94% dos pacientes que receberam terapia biológica, taxa de resposta maior do que a observada na presente coorte. Essa discrepância pode refletir, em parte, durações de seguimento mais curtas e potencial viés positivo de publicação em relatos de casos publicados. Na presente coorte, também foi observada necessidade notável de terapias adicionais em pacientes em uso de biológicos, incluindo antibióticos orais, corticosteroides e retinoides. Apesar disso, os achados do presente estudo reforçam a eficácia e o papel significante dos imunobiológicos, nessa população, principalmente o adalimumabe, embora nenhum benefício tenha sido observado com o aumento da dose. O ustequinumabe, embora não indicado na bula, também parece ser opção terapêutica válida para adolescentes. A cirurgia é cada vez mais reconhecida como abordagem terapêutica complementar à terapia medicamentosa, propiciando o manejo adicional das lesões de HS após a melhora inicial alcançada com imunobiológicos, com resultados positivos nos pacientes do presente estudo. Entretanto, os presentes dados também revelam prevalência marcante de sobrepeso/obesidade nessa população pediátrica, que deve ser abordada, e atraso diagnóstico significante, com mediana de 27 meses do início dos sintomas ao diagnóstico, e a maioria dos pacientes já apresentando doença grave nesse momento. Isso destaca a necessidade de reconhecimento precoce, facilitando o acesso oportuno a essas terapias, com o objetivo de evitar a progressão da doença e reduzir o acúmulo de danos.
EditorHiram Larangeira de Almeida Jr.
Declaração de disponibilidade de dadosOs dados que apoiam as conclusões deste estudo estão disponíveis junto ao autor correspondente mediante solicitação razoável.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGilberto Pires da Rosa: Concepção e planejamento do estudo, obtenção de dados ou análise e interpretação dos dados, análise estatística, elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante, revisão crítica da literatura, aprovação da versão final do manuscrito.
Sofia Magina: Concepção e planejamento do estudo, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, aprovação da versão final do manuscrito.
Carmen Lisboa: Concepção e planejamento do estudo, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, aprovação da versão final do manuscrito.
Filomena Azevedo: Concepção e planejamento do estudo, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, aprovação da versão final do manuscrito.
Alberto Mota: Concepção e planejamento do estudo, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, aprovação da versão final do manuscrito.
Maria João Cruz: Concepção e planejamento do estudo, obtenção de dados, ou análise e interpretação dos dados, análise estatística, elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.