O xantogranuloma necrobiótico (XGN) é uma forma de histiocitose não Langerhans caracterizada pelo desenvolvimento de pápulas e placas infiltradas amarelo‐alaranjadas; a localização mais comum é a área periorbital. Ocasionalmente, há envolvimento extracutâneo, incluindo envolvimento ocular, respiratório, cardíaco ou cerebral. Até 80% dos casos estão associados a gamopatia monoclonal e outras neoplasias.1 O tratamento do XGN é complexo e os dados sobre opções terapêuticas são limitados, tornando pouco clara a melhor abordagem para o tratamento. O presente relato descreve o caso de paciente do sexo feminino com XGN refratário que apresentou resposta adequada ao tofacitinibe, inibidor não seletivo de Janus Kinase (JAK), que bloqueia preferencialmente JAK1 e JAK3.
A paciente, mulher de 54 anos, apresentou‐se ao Departamento de Dermatologia com XGN refratário. As lesões apareceram entre os 18 e 20 anos (>30 anos de evolução) e, ao longo de sua vida, ela foi tratada com corticosteroides tópicos, intralesionais e sistêmicos, metotrexato, múltiplas cirurgias, laser de CO2, hidroxicloroquina, fotoquimioterapia extracorpórea, rituximabe, imunoglobulina intravenosa (IVIG) e ciclofosfamida. Apesar do último tratamento (ciclofosfamida), combinado com corticosteroides sistêmicos, a condição clínica era progressiva. Não havia outro envolvimento cutâneo ou sistêmico, e os exames laboratoriais, incluindo eletroforese de proteínas, eram normais. Ao exame (fig. 1), placas amareladas de envolvimento palpebral e periocular bilateral foram observadas, predominantemente no lado esquerdo. As lesões tinham superfície brilhante e borda circundante levemente eritematosa; eram duras, profundamente aderentes e causavam alguma restrição visual no olho esquerdo. A última histopatologia (fig. 2) e todas as anteriores foram compatíveis com XGN com envolvimento profundo (invasão muscular), também confirmado por ultrassonografia e ressonância magnética (RM). Dado o quadro clínico refratário, lesões ativas e múltiplos tratamentos anteriores, a equipe multidisciplinar decidiu por terapia com tofacitinibe, inicialmente na dose de 5mg/12 horas; em virtude da boa tolerância, a dose foi aumentada para 10mg/12 horas após três meses. Após um ano de tratamento (fig. 3), as lesões haviam se estabilizado, e até mesmo o tamanho de algumas delas havia diminuído, especialmente ao nível da pálpebra superior esquerda, onde a restrição visual havia melhorado. Elas também eram menos evidentes à palpação, e a borda circundante estava menos eritematosa. As lesões permaneceram as mesmas na revisão de 18 meses. A tolerabilidade durante 1,5 anos de tratamento foi adequada, exceto por afecção respiratória superior, que exigiu a descontinuação do tratamento por alguns dias aos dez meses de tratamento, durante os quais a paciente relatou piora das lesões. Não houve outros efeitos adversos, e os exames laboratoriais de seguimento foram normais. Na RM cefálica de seguimento em 1,5 ano, as lesões permaneceram estáveis. Dada a resposta terapêutica adequada, foi decidido continuar o tratamento.
Apresentação clínica das lesões antes do início do tofacitinibe. Placas amareladas, brilhantes e infiltradas localizadas ao redor das pálpebras e região periocular bilateralmente, com envolvimento mais pronunciado no olho esquerdo, onde causaram restrição visual. Eritema circundante às placas.
Exame histológico da lesão da pálpebra inferior esquerda (Hematoxilina & eosina; painel A 20×, painel B 80×, painel C 140×, painel D 160×). A histologia mostrou tecido fibroso colágeno na derme, intercalado com aumento da celularidade linfo‐histiocítica com abundantes histiócitos espumosos (setas azuis nos painéis C e D) e células gigantes multinucleadas (setas verdes nos painéis C e D).
A etiologia do XGN, que se acredita estar relacionada à homeostase lipídica alterada dos macrófagos, ainda não foi esclarecida. Recentemente, variantes ABCG5/G8 foram identificadas que codificam heterodímeros contendo domínios transportadores e transmembrana essenciais para o transporte reverso do colesterol e depuração de esteróis.1 O acúmulo de partículas lipídicas pode levar à regulação positiva de citocinas pró‐inflamatórias, como a interleucina (IL) 6 e o fator de necrose tumoral alfa. Estudos em animais mostraram que os inibidores de JAK podem prevenir a trans‐sinalização de IL6, o que pode explicar a eficácia do tofacitinibe no XGN nessa paciente.2 Do mesmo modo, foi relatado que a via JAK desempenha papel na manutenção de granulomas. Assim, a inibição de JAK pode promover a resolução do granuloma, como foi descrito em outras doenças granulomatosas, como granuloma anular3 e sarcoidose.3,4 Por outro lado, o tratamento de XGN é desafiador e a melhor abordagem para o tratamento é incerta. Faltam ensaios clínicos randomizados, então a maioria das recomendações é baseada em estudos com evidências limitadas. Antes de iniciar o tratamento, é essencial descartar gamopatia monoclonal e malignidade associada.5,6 Em geral, a terapia de primeira linha consiste em agentes alquilantes, como clorambucila, ciclofosfamida ou melfalano, administrados com ou sem glicocorticoides sistêmicos. Outros tratamentos incluem IVIG, talidomida, lenalidomida, interferon α‐2a, plasmaférese, dapsona, antimaláricos, fototerapia, azatioprina, metotrexato ou rituximabe. Para lesões localizadas, tratamentos locais, como cirurgia ou terapia a laser de CO2, podem ser utilizados.5–7 Essa paciente havia passado pela maioria desses tratamentos e ainda apresentava lesões refratárias com crescimento progressivo. Por esse motivo, e com base na eficácia relatada do tofacitinibe em casos isolados de doenças granulomatosas, incluindo histiocitoses como XGN2 e retículo‐histiocitose multicêntrica,8 e não histiocitoses como granuloma anular3 ou sarcoidose,3,4 decidiu‐se iniciar o tratamento com tofacitinibe. Embora seja necessário ter cautela ao tirar conclusões do tratamento de casos isolados, a eficácia do tofacitinibe observada nessa paciente, sendo um caso refratário, sugere‐o como opção terapêutica para casos de XGN refratários. Entretanto, deve‐se notar que os inibidores de JAK têm sido associados a vários efeitos colaterais, incluindo infecções (especialmente herpes‐zóster e infecções respiratórias), eventos cardiovasculares (trombose, infarto), alterações hematológicas e possível risco aumentado de neoplasia.9,10 Portanto, seu uso deve ser sempre justificado, e alternativas terapêuticas mais seguras devem ser oferecidas ao paciente, se disponíveis.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMiguel Mansilla‐Polo: Gerenciou o tratamento clínico e os procedimentos; contribuiu para o desenvolvimento deste manuscrito; teve acesso aos dados; elaboração e redação do manuscrito.
Carlos Abril‐Pérez: Gerenciou o tratamento clínico e os procedimentos; contribuiu para o desenvolvimento deste manuscrito; teve acesso aos dados; elaboração e redação do manuscrito
Daniel Martín‐Torregrosa: Gerenciou o tratamento clínico e os procedimentos; contribuiu para o desenvolvimento deste manuscrito; teve acesso aos dados; elaboração e redação do manuscrito.
Rafael Botella‐Estrada: Supervisionou o trabalho; teve acesso aos dados; elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Mansilla‐Polo M, Abril‐Pérez C, Martín‐Torregrosa D, Botella‐Estrada R. Stabilization of a recalcitrant and aggressive necrobiotic xanthogranuloma with tofacitinib. An Bras Dermatol. 2025;100:501159.
Trabalho realizado no Hospital Universitario y Politécnico La Fe, Valência, Espanha.