Hemangioendotelioma é o termo usado para nomear um grupo de neoplasias vasculares heterogêneas que mostram comportamento intermediário entre os hemangiomas, totalmente benignos, e os angiossarcomas, malignos.1–4 Inclui as variantes epitelioide, fusiforme, retiforme, kaposiforme, polimorfo dos gânglios linfáticos e composto.1 A maioria é neoplasia vascular de baixo grau, localmente agressivo, com alta tendência à recorrência local e baixo potencial metastático.3 O hemangioendotelioma composto (HEC) diferencia‐se dos outros por apresentar, na histopatologia, a combinação de diferentes padrões de proliferações vasculares, tanto benignos quanto malignos, na mesma lesão.1–4
Apresentamos um caso de HEC, neoplasia raramente relatada.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob número 59637316.6.0000.5515.
Paciente do sexo feminino, 70 anos, relatava o aparecimento de tumoração na região inframamária esquerda, um ano após a exérese de hemangioma diagnosticado clinicamente no mesmo local, que estava em crescimento. Referia que há cerca de dois meses a lesão começou a crescer mais rapidamente, sangrar, além de se tornar extremamente dolorosa. A paciente era hipertensa, sem outras morbidades e sem outros antecedentes pessoais ou familiares dignos de nota. Ao exame dermatológico, foi observada a presença de tumoração ulcerada, medindo 10cm, apresentando bordas elevadas e violáceas, superfície friável e sangrante, fundo necrótico, localizada na região inframamária esquerda (fig. 1). Não havia linfonodos regionais palpáveis, e o restante do exame físico apresentou‐se sem alterações. Exames laboratoriais rotineiros eram normais. As tomografias computadorizadas de tórax e abdome demonstravam apenas lesão ulcerada na pele e no tecido celular subcutâneo, na região inframamária esquerda, com intensa captação de contraste venoso. O exame histopatológico de biopsia da lesão foi compatível com HEC (fig. 2). A imuno‐histoquímica foi positiva para os anticorpos anti‐CD31 e anti‐CD34, marcadores endoteliais usuais, e para antifator VIII e anti‐Ki67 (10% de positividade), que demonstram o potencial maligno intermediário do tumor. Foi realizada a exérese da lesão, com margens amplas de segurança, porém houve recidiva dois anos depois, tendo sido submetida a nova exérese cirúrgica. No entanto, em virtude do comprometimento do esterno, arcos costais e pericárdio, foi iniciada quimioterapia paliativa com paclitaxel, mas a paciente evoluiu para óbito em seis meses.
(A) Canais vasculares dilatados, de aspecto cavernoso, lembrando hemangioma comum na porção superficial da biopsia(aumento de 40×). (B) Observam‐se vasos revestidos por células endoteliais cujos núcleos são frequentemente protuberantes (hobnail), lembrando hemangioendotelioma retiforme (aumento de 200×). (C) Pequenos espaços vasculares circundados por células com escasso citoplasma e núcleos, redondos e fusiformes, hipercromáticos e irregulares, sugestivo de hemangioendotelioma kaposiforme (aumento de 400×). Em (A), (B) e (C): Hematoxilina & eosina; barra de escala: 100μm.
Em 2000, Nayler et al.5 relataram oito casos de neoplasia com padrão vascular variável, apresentando combinações vasculares de neoplasias benignas e malignas, nomeando‐a HEC,5 tendo sido incluído na classificação de tumores de tecidos moles e ósseos de 2002da Organização Mundial da Saúde.3
O HEC é neoplasia extremamente rara, de comportamento limítrofe, que se diferencia dos demais hemangioendoteliomas por suas típicas características histopatológicas.1–4 Sua incidência por idade é variável, existindo casos relatados em crianças e em idosos,2 com média de idade de 39 anos, e predileção pelo sexo feminino (2,7:1).3 As lesões são clinicamente indistinguíveis de outras neoplasias vasculares, podendo manifestar‐ se como nódulos, placas ou ulcerações, a maioria localizada a nível cutâneo, principalmente, na porção distal das extremidades superiores e inferiores,1–4 existindo relatos de localização extracutânea.6–8 A localização cutânea no tronco, como no presente caso, não é habitual.
O HEC é classificado como neoplasia maligna de baixo grau, evoluindo raramente com metástases, as quais ocorrem principalmente para linfonodos.2
O exame histopatológico demonstra associação de padrões vasculares benignos, como do hemangioma, e malignos, como do angiossarcoma, dentro da mesma lesão; a proporção de cada componente é variável.1 O diagnóstico histopatológico requer a presença de pelo menos duas variantes do hemangioendotelioma.3 Os componentes predominantes, na maioria dos casos são de hemangioendotelioma retiforme, hemangioendotelioma epitelioide e hemangioma de células fusiformes.1,3 Mais raramente, áreas de angiossarcoma também estão presentes.
No caso aqui apresentado, a paciente relatava que o HEC surgiu após um ano da exérese de hemangioma diagnosticado apenas clinicamente no mesmo local, porém o exame histopatológico não foi realizado, o que leva ao questionamento se a lesão já não se tratava do HEC, pois o surgimento de HEC em cicatriz prévia de outra malformação vascular, assim como a transformação maligna de um hemangioma, são fatos extremamente raros.4
Não se sabe qual é a melhor abordagem terapêutica. Há relatos de quimioterapia, interferon‐alfa, radioterapia e exérese da lesão com margens amplas.2
Enfatizamos a dificuldade em se realizar o diagnóstico do HEC, já que a lesão é clinicamente indistinguível de outras neoplasias vasculares malignas e é rara, além de requerer a participação de patologista experiente.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
EditorAna Maria Roselino.
Editor‐chefe Científico: Sílvio Alencar Marques.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMarilda A. M. Morgado de Abreu: Concepção e o planejamento do estudo; revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Carolina A. de A. Ferreira: Elaboração e redação do artigo, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Gisele A. Nai: Revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.