Escleromixedema é doença crônica do espectro das mucinoses cutâneas primárias que acomete adultos jovens de ambos os sexos.1 Segundo Rongioletti et al.,2,3 os critérios diagnósticos são: erupção cutânea papular generalizada e esclerodermiforme, depósito de mucina na derme superior, proliferação de fibroblastos e espessamento das fibras colágenas, gamopatia monoclonal (90% gamopatia monoclonal de significado indeterminado [GMSI]) e função tireoidiana sem alterações.
Pode haver o envolvimento extracutâneo com alterações neurológicas, reumatológicas, cardiovasculares, gastrintestinais, respiratórias, renais e oculares. A “síndrome dermatoneuro” é complicação grave caracterizada por febre, crises epilépticas e coma. A taxa de mortalidade do escleromixedema chega a mais de 20%.1
A patogênese e o mecanismo de ação da imunoglobulina humana intravenosa (IGIV) nessa desordem ainda é motivo de discussão. Observou‐se que o soro dos pacientes acometidos induz a proliferação de fibroblastos in vitro e que, após infusão de IGIV, há redução nos níveis de IL‐17 e da expressão gênica de TGF‐β.4,5
Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino de 34 anos que desenvolveu erupção cutânea disseminada de pápulas céreas, pruriginosas, algumas assumindo disposição linear, sobre pele espessada de difícil pregueamento (fig. 1). A paciente apresentava infiltração da face e orelhas, sulcos longitudinais na glabela e madarose. A histopatologia evidenciou proliferação de fibroblastos, espessamento das fibras colágenas e depósitos de mucina na derme pela coloração de ferro coloidal (fig. 2).
A partir do exame físico e anatomopatológico, iniciamos investigação para gamopatias monoclonais com: eletroforese e imunofixação de proteínas séricas e urinárias que revelaram pico monoclonal em gamaglobulina (IgG) e monoclonalidade de IgG kappa; mielograma que evidenciou 8% de plasmócitos; imunofenotipagem de medula óssea (MO) apresentando 0,8% de células plasmocitárias com monoclonalidade de cadeia leve kappa; além de cariótipo de MO, razão entre cadeias leves livres séricas, dosagem de imunoglobulinas séricas, função tireoidiana, função renal, metabolismo do cálcio, hemograma e inventário ósseo por tomografia, todos sem alterações. Esses exames complementares levaram ao diagnóstico de GMSI, condição pré‐maligna assintomática que, eventualmente, se transforma em mieloma múltiplo (MM).
Foram feitas seis infusões de IGIV 2g/kg, de três dias cada e intervalo de 4–6 semanas, com melhora expressiva do quadro (figs. 3 e 4). Esse resultado foi análogo ao relato de Guarneri et al. com oito pacientes e melhora em 81,6% no escore de Rodnan modificado.6
A paciente permanecerá em uso de IGIV por tempo indeterminado, visto que a maioria dos pacientes apresenta recidiva em caso de interrupção. Há apenas um relato de caso em que houve remissão espontânea.1,7,8
Tratando‐se de patologia rara, ensaios clínicos controlados randomizados não são factíveis. Com base em revisões sistemáticas e dois ensaios clínicos prospectivos não controlados, a melhor evidência científica disponível em relação ao tratamento advoga a favor da IGIV em alta dose a cada 4–6 semanas. Talidomida com corticosteroides pode ser usada como segunda linha. Já o bortezomibe e, mais drasticamente, o transplante autólogo de medula óssea (TMO), são tratamentos de terceira linha. Melfalano, apesar de ser citado, apresenta alto risco de desenvolvimento de malignidades hematológicas com aumento da mortalidade pelo tratamento em si.1,6,9
Apesar da relação com gamopatias monoclonais, uma revisão com 17 pacientes demonstrou remissão sustentada do escleromixedema em apenas 2% dos pacientes após TMO, mesmo tendo‐se curado a desordem hematológica.8
O bortezomibe é inibidor reversível da via do proteassoma 26S que impede a ativação do fator de transcrição NF‐κB e induz a apoptose em células neoplásicas. Sua principal indicação é para o tratamento de MM. Assim como a IGIV, desconhece‐se o mecanismo de ação no escleromixedema. Apesar de ter sido a terapêutica com o maior período de remissão descrito em literatura até o momento, sobrevindo como nova perspectiva de tratamento, por ora limita‐se como recomendação de terceira linha em virtude de poucos estudos publicados.1,9,10
Apesar de raro, o escleromixedema carrega sua importância na medida de sua cronicidade e alta morbimortalidade. Sua baixa prevalência cerceia a instituição de protocolos de pesquisa para o desenvolvimento de novas terapias com melhor custo‐benefício. Apesar de o aprofundamento no conhecimento genético e imunológico facilitar esse empreendimento, relatos de caso como este, exibindo sucesso da terapêutica empregada, alimentam dados na literatura para futuras revisões sistemáticas.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAmanda Cochlar Medeiros Perrella: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Alexandre Michalany: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação final da versão final do manuscrito.
Mário Cezar Pires: Concepção e o desenho do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação final da versão final do manuscrito.
Cassio Oliveira Lima: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Conflito de interessesNenhum.