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Vol. 98. Núm. 1.
Páginas 93-96 (01 Janeiro 2023)
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Carta ‐ Investigação
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Múltiplas comorbidades em pacientes com urticária crônica espontânea de longa duração
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Rosana Câmara Agondia,b,
Autor para correspondência
rosana.agondi@hc.fm.usp.br

Autor para correspondência.
, Paula Natassya Argôloa, Mariana Mousinho‐Fernandesa, Bruna Gehlena, Jorge Kalila,b, Antonio Abílio Mottaa
a Divisão de Imunologia Clínica e Alergia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
b Laboratório de Imunologia (LIM19), Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Prezado Editor,

A urticária crônica espontânea (UCE) é doença de pele causada por mastócitos, sendo a degranulação dos mastócitos desencadeada pela ativação de vários receptores em sua superfície. O complexo IgE‐FcɛRI parece estar envolvido na etiologia autoimune da UCE, por meio da presença de IgG anti‐FcɛRI/anti‐IgE ou IgE contra autoalérgenos, mas muitos outros receptores podem induzir a degranulação de mastócitos – por exemplo, o Mas‐Related G‐Protein‐Coupled Receptor X2 (MRGPRX2).1–3

Vários tipos de comorbidades estão associados à UCE, e muitas vezes levam a pior prognóstico. Uma das comorbidades mais comuns é a doença autoimune. A UCE, por si só considerada doença autoimune, está associada principalmente à doença autoimune da tireoide, e a alta prevalência de doenças autoimunes em pacientes com UCE corrobora essa hipótese. Outras comorbidades frequentemente associadas à UCE são alterações psicológicas, doenças infecciosas (incluindo infecções, bactérias e parasitas) e síndrome metabólica (SM).3–7

Esse estudo retrospectivo e observacional avaliou a associação entre UCE de longa duração e a ocorrência de múltiplas comorbidades em pacientes acompanhados (um ano ou mais) em um centro terciário – UCARE –, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020.

Os pacientes foram classificados de acordo com a duração da UCE: 1 a 2 anos; 3 a 5 anos; 6 a 10 anos; e 11 ou mais anos. Os grupos foram avaliados quanto aos dados demográficos, angioedema e refratariedade aos anti‐histamínicos. As comorbidades avaliadas foram alterações gastrintestinais, obesidade, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, doenças autoimunes da tireoide, doenças respiratórias e transtornos psicológicos.

A SM compreende uma constelação de fatores de risco para doenças cardiovasculares, que inclui intolerância à glicose, dislipidemia, hipertensão e obesidade central.8 Para que os pacientes com UCE preenchessem os critérios para SM, era necessário apresentar pelo menos três dos quatro componentes da SM.

Foram incluídos 173 pacientes com UCE, dos quais 86,1% eram mulheres, com média de idade de 49,8 anos. Angioedema foi relatado por 112 pacientes (64,7%); UCE exacerbada por AINEs foi observada em 71 pacientes (41,0%), e 45 pacientes (26,0%) eram refratários aos anti‐histamínicos (quatro vezes/dia). Quando os pacientes com UCE foram classificados de acordo com o tempo da doença, 28 (16,2%) tinham um ou dois anos de UCE; 51 pacientes (29,5%), três a cinco anos de UCE; 37 (21,4%) tinham UCE entre seis e dez anos; e 57 pacientes (32,7%) tinham 11 anos ou mais da doença. As características gerais podem ser vistas na tabela 1.

Tabela 1.

Características gerais dos pacientes com UCE de acordo com a duração da doença

Características gerais  Duração da UCE
  1 e 2 anos  3 e 5 anos  6 e 10 anos  11 ou mais anos   
Sexo: feminino  75,0  86,3  89,2  89,5  NS 
Idade atual (a; média, DP)  47,9  46,9  50,3  52,8  NS 
Idade de início da UCE (a; média, DP)  46,2  43,1  42,5  33,2  < 0,001 
Duração da UCE  1,8  4,1  7,8  19,5  n.a. 
CIndU (%)  32,1  33,3  43,2  31,6  NS 
Angioedema (%)  46,4  70,6  62,6  70,2  NS 
UC exacerbada por AINEs (%)  10,7  43,1  43,2  52,6  0,002 
Refratariedade aos anti‐histamínicos (%)  14,3  23,5  24,3  35,1  NS 

Teste de Kruskal‐Wallis para idade atual e idade de início da UCE.

Análise por X2 para sexo, CIndU, angioedema, UC exacerbada por AINEs e refratariedade a anti‐histamínicos.

UCE, urticária crônica espontânea; DP, desvio padrão; a, ano; n.a., não aplicável; CIndU, urticária crônica induzida; AINEs, anti‐inflamatórios não‐esteroides.

Não houve diferença estatística em relação à idade atual dos pacientes nesses diferentes grupos (de acordo com a duração da UCE), embora a idade de início da UCE tenha sido menor para os pacientes com UCE de longa duração, e esses pacientes mais frequentemente apresentavam múltiplas comorbidades, incluindo os componentes da SM (p <0,05).

Oito comorbidades foram avaliadas neste estudo, e a frequência delas em um mesmo paciente variou de 0 a 6 comorbidades (fig. 1). As comorbidades mais frequentes foram doenças respiratórias (rinite e/ou asma), em 82 pacientes (47,4%), seguido de hipertensão arterial sistêmica, em 54 pacientes (31,2%) e dislipidemia, em 38 pacientes (22%). Houve correlação entre a duração da UCE e a frequência de comorbidades, r2=0,043; p=0,007 (fig. 2).

Figura 1.

Comorbidades. (A) Coprevalência de comorbidades (0 a 6) no mesmo paciente. (B) Frequência de cada comorbidade em pacientes com urticária crônica espontânea. DR, doenças respiratórias; HAS, hipertensão arterial sistêmica; DLP, dislipidemia; TP, transtornos psiquiátricos; DGI, doenças gastrointestinais; DM, diabetes mellitus; DAI, doenças autoimunes.

(0,22MB).
Figura 2.

Frequência de comorbidades de acordo com a duração da urticária crônica espontânea.

UCE, urticária crônica espontânea; a, ano; teste X2, p=0,007.

(0,24MB).

Pacientes com UCE refratária a anti‐histamínicos apresentaram maior frequência de angioedema, doenças gastrintestinais e obesidade, em comparação aos pacientes responsivos a anti‐histamínicos (77,8% versus 60,2%, p=0,045; 28,9% versus 13,3%, p=0,017; e 26,7% versus 16,4%, p=0,039, respectivamente).

No presente estudo, 16 pacientes (9,2%) apresentaram doença autoimune associada à UCE, frequência maior do que a observada na população geral (em torno de 5%).6 Entre os 16 pacientes, a doença autoimune da tireoide estava presente 87,5% deles. No entanto, não foi encontrado aumento em sua frequência com maior duração da UCE ou maior gravidade da doença. Uma explicação poderia ser o fato de que a média de idade nos grupos do presente estudo, de acordo com o tempo de UCE, foi semelhante (média de 49,8 anos), reforçando que a frequência de doenças autoimunes aumenta com a idade.4

Múltiplas comorbidades estão associadas a má qualidade de vida; pacientes estão em maior risco de desfechos clínicos graves. A UCE é hoje considerada doença sistêmica inflamatória de baixo grau. O mecanismo fisiopatológico proposto seria a ativação constante ou contínua de mastócitos observada em pacientes com UCE não controlada. Além do mecanismo autoimune descrito para ativação de mastócitos em pacientes com UCE, vários outros fatores mantêm ou pioram a ativação de mastócitos.9,10 Em nosso estudo, três componentes ou mais da SM foram observados com maior frequência em pacientes com seis anos ou mais de UCE, em comparação com aqueles pacientes com um a cinco anos de doença (15,9% versus 1,3%, p <0,001). O componente mais comum da SM foi a hipertensão arterial (31,2% de 173 pacientes), e cerca de 10% de 173 pacientes tinham pelo menos três componentes.

O presente estudo mostrou que pacientes com UCE de início precoce e de longa duração apresentavam mais frequentemente comorbidades, incluindo três ou mais componentes da SM. O presente estudo observou que quase metade dos participantes apresentava pelo menos um componente da SM. Três ou mais componentes da SM tiveram maior frequência estatisticamente significativa em pacientes com UCE com duração de seis ou mais anos. A UCE de longa duração e, provavelmente, doença não controlada, poderia evoluir com múltiplas comorbidades, sugerindo que o controle completo e precoce da UCE seria essencial para evitar esse desfecho. Esses resultados precisam de mais pesquisas prospectivas para destacar a importância da UCE como doença inflamatória de baixo grau. Os resultados do presente estudo sugeriram associação entre UCE de longa duração e SM, mas estudos de caso‐controle seriam essenciais para confirmar essas conclusões, incluindo ainda um número maior de participantes.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Rosana Câmara Agondi: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Paula Natassya Argolo: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito.

Mariana Mousinho‐Fernandes: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Bruna Gehlen: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Jorge Kalil: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Antonio Abílio Motta: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimentos

Agradecemos à Rosana Coutinho, do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do HC‐FMUSP, pela assistência com as coletas de exames de sangue dos pacientes deste ambulatório.

Referências
[1]
T. Zuberbier, W. Aberer, R. Asero, A.H.A. Latiff, D. Baker, B. Ballmer-Weber, et al.
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Como citar este artigo: Agondi RC, Argôlo PN, Mousinho‐Fernandes M, Gehlen B, Kalil J, Motta AA. Multiple comorbidities in patients with long‐lasting chronic spontaneous urticaria. An Bras Dermatol. 2023;98:93–6.

Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatite Alérgica, Divisão de Imunologia Clínica e Alergia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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