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Vol. 98. Núm. 1.
Páginas 96-99 (01 Janeiro 2023)
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Carta ‐ Investigação
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Unhas em “bico de papagaio”: série de casos latino‐americanos
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Camilo Arias‐Rodrigueza, Santiago Beuth‐Ruizb,
Autor para correspondência
santiago.beuthr@udea.edu.co

Autor para correspondência.
a Universidad Pontificia Bolivariana, Medellín, Colômbia
b Universidad de Antioquia, Medellín, Colômbia
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Prezado Editor,

A deformidade da unha em “bico de papagaio” (UBP) consiste em curvatura para frente da lâmina ungueal distal, o que confere à unha a aparência do bico da ave. Aqui, os autores apresentam três casos de distrofia por deformidade tipo UBP, descrevem uma nova associação e fazem uma breve revisão da literatura.

O primeiro caso era paciente do sexo masculino de 75 anos, com histórico médico de hanseníase diagnosticada havia 20 anos, que recebeu tratamento completo, e procurou a clínica dermatológica em razão de uma dermatite de estase. Ao exame físico, por coincidência, foram encontradas várias e importantes sequelas. Apresentava UBP em todas as unhas, cromoníquia e onicólise em diversas unhas, contratura dos dedos poupando o polegar e atrofia dos músculos tenar e hipotenar. Ele negava sintomas, história de trauma e não havia notado essa deformidade (fig. 1).

Figura 1.

(A) Unha do primeiro quirodáctilo da mão esquerda mostrando deformidade tipo UBP. (B) Todas as unhas eram afetadas, com contratura associada de todos os quirodáctilos e atrofia dos músculos da mão. A segunda unha mostra espessamento focal da lâmina ungueal e cromoníquia marrom, a terceira unha mostra onicólise e cromoníquia amarela, e observa‐se melanoníquia longitudinal da terceira e quarta unhas.

(0,22MB).

O segundo caso era paciente do sexo feminino de 54 anos com diagnóstico de rosácea, que veio à consulta em razão de uma crise recente. Como achado coincidente, foi observada a deformidade de UBP no quinto quirodáctilo esquerdo. Ela apresentava história de trauma com faca na mão esquerda aos 8 anos de idade (fig. 2).

Figura 2.

(A) Deformidade tipo UBP da unha do quinto quirodáctilo esquerdo. (B) A dermatoscopia melhor observação da característica curvatura da lâmina ungueal.

(0,24MB).

O terceiro paciente era um homem de 80 anos com histórico pessoal de hipertensão, diabetes mellitus e doença cerebrovascular, hospitalizado por distúrbio da marcha. Durante sua avaliação, foi observado que o primeiro e o segundo quirodáctilos direitos tinham sido parcialmente amputados e a unha do terceiro quirodáctilo apresentava deformidade tipo UBP. Ele afirmou que essas mudanças foram causadas pela explosão de fogos de artifício caseiros aos 13 anos de idade (fig. 3).

Figura 3.

Deformidade tipo UBP secundária a trauma da unha do segundo quirodáctilo, com atrofia pulpar associada.

(0,09MB).

Kandil foi o primeiro a descrever essa deformidade em 1971, nomeando‐a em decorrência de sua semelhança com o bico de um papagaio. Ele relatou supercurvatura idiopática de duas unhas em uma paciente de 38 anos.1 Chen e Cohen relataram a prevalência de 2,1% em 436 pacientes que consultaram uma clínica de dermatologia. Marie et al. observaram essa condição em 2,5% de 80 indivíduos saudáveis. Outras séries de casos mostraram que 31% dos pacientes com esclerose sistêmica podem apresentar essa distrofia ungueal.2,3 Essa deformidade foi encontrada em pacientes de 11 a 89 anos, sem predominância de sexo. Foram encontrados nove artigos relatando esse achado clínico, com um total de 78 pacientes (tabela 1).

Tabela 1.

Casos relatados de deformidade da unha em bico de papagaio

Autor  Ano  Idade  Sexo  Unha afetada  Associações ungueais  Associações sistêmicas 
Kandil  1971  38  Feminino  Unhas do terceiro e quarto dedos das mãos  Nenhuma  Idiopática 
Kurokawa et al.  1993  11, 17  Feminino  Pododáctilos  Nenhuma  Anormalidades congênitas dos tecidos moles e hipoplasia óssea 
Payne‐James et al.  2007  24 a 40  Feminino  Quirodáctilos  Perniose, aumento das dobras ungueais proximais e perda de cutículas  Abuso crônico de cocaína 
Tunc et al.  11  2007  40 a 68  Desconhecido  Não declarado  Nenhuma  Artrite reumatoide e esclerose sistêmica 
Desai et al.  2011  55  Feminino  Unhas dos quirodáctilos  Nenhuma  Idiopática 
Chang et al.  2016  Não declarado  Masculino e feminino  Não declarado  Nenhuma  Esclerose sistêmica e doença mista do tecido conjuntivo 
Marie et al.  42  2017  Não declarado  Desconhecido  Unhas dos quirodáctilos  Nenhuma  Idiopática 
Chen et al.  10  2017  63 a 89  Masculino  Unhas dos pododáctilos  Onicólise, hemorragia subungueal  Alterações sistêmicas idiopáticas 
Forouzan et al.  2021  86  Masculino  Unha do quarto pododáctilo  Onicólise distal  Doença pulmonar, demência, hipotireoidismo, câncer de próstata e câncer de pele não‐melanoma 
Arias‐Rodriguez et al.  2022  54, 75, 80  Masculino e feminino  Unhas dos quirodáctilos  Nenhuma  Hanseníase e trauma 

As referências desses artigos podem ser encontradas em Apêndice.

Sua etiologia permanece desconhecida. A UBP tem sido associada a diversas condições, incluindo doenças vasculares do colágeno, como lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica, onde pode ser o primeiro achado e tem sido relacionada à atividade da doença. Associações adicionais incluem abuso de cocaína, trauma, entre outras condições.4,5 A teoria mais aceita propõe que seja o resultado de uma distribuição anormal de fosfolipídios, que causa interações hidrofóbicas entre diferentes zonas da lâmina ungueal.1 Autores que apoiam essa teoria afirmam que a curvatura excessiva vista na UBP pode ser corrigida temporariamente após submergir a unha afetada em água por alguns minutos, uma vez que isso superaria essas interações hidrofóbicas.2 Uma lesão prévia pode ser a causa principal, como no segundo e terceiro casos aqui descritos. Isso geraria um desequilíbrio crônico de crescimento e alteraria o conteúdo de fosfolipídios hidrofóbicos, levando a uma pronunciada curvatura longitudinal.

Outras teorias incluem isquemia vasoconstritora crônica como fator chave, com base em uma série de casos de oito mulheres com abuso crônico de cocaína que desenvolveram essa deformidade;6 além disso, a UBP é comum em pacientes com esclerose sistêmica, em que tem sido associada à atividade vascular.7,8 Também pode ser secundária a alterações ósseas ou de tecidos moles, que podem ser congênitas.

O trauma repetido é, em certos casos, a causa principal. A distrofia da UBP é encontrada em pacientes com neuropatia periférica propensos a traumatismos despercebidos do leito ungueal. A amputação digital e o fechamento cirúrgico na cirurgia da ponta do dedo são causas de atrofia pulpar e cicatrizes extensas, que podem levar a deformidade em gancho da unha que se assemelha à UBP. Algumas técnicas cirúrgicas foram descritas para sua prevenção: realocação da unha, agulhas hipodérmicas para fechamento sem tensão, entre outras.1

Quando associada ao abuso crônico de cocaína, foi relatada uma tríade consistindo em UBP, perniose e atrofia da polpa do quirodáctilo.6 Outras comorbidades citadas na literatura, sejam achados coincidentes associados ou não, incluem distrofia óssea, doença arterial coronariana, pancreatite esclerosante linfoplasmocitária, atrofia de múltiplos sistemas, deformidade digital (dedo em martelo, quinto dedo sobrejacente) e hipoplasia de partes moles.

Os casos associados à neuropatia relatados anteriormente incluem um relato de caso de Forouzan et al., que descreveram um paciente que desconhecia o alongamento da unha do pododáctilo, em decorrência de uma neuropatia periférica induzida pela terapia de privação androgênica.2 Outros casos associados a neuropatia descritos por Chen et al. incluem indivíduos com diabetes mellitus e neuropatia induzida por estenose espinhal. O primeiro paciente descrito aqui tinha neuropatia hansênica, associação não descrita até a data que foi pesquisada a literatura.

Clinicamente, a UBP pode afetar uma ou várias unhas das mãos ou dos pés; entretanto, é mais comum nas unhas das mãos. Quando as unhas dos pés são afetadas, geralmente há associação com anormalidades congênitas, neuropatias ou condições sistêmicas. Por outro lado, em indivíduos com envolvimento das unhas das mãos, a maioria dos casos é idiopática. Outros componentes do aparelho ungueal, como lâmina ungueal proximal, leito ungueal, matriz ungueal e tecidos moles, permanecem sem alterações; no entanto, a UBP pode coexistir com outras distrofias ungueais, como onicocriptose, onicogrifose, onicólise, eritroníquia, hemorragia subungueal e onicotilomania.9

Em geral, essa deformidade é assintomática e, portanto, sub‐relatada; mas se a unha deformada crescer em direção às superfícies palmar ou plantar, pode lesar a pele dessas regiões, com risco de superinfecção. O diagnóstico é clínico, e uma ajuda semiológica consiste em mergulhar a unha em água por 30 minutos, o que corrigiria temporariamente a deformidade.2

Entre os diagnósticos diferenciais, pode‐se distinguir entre baqueteamento e UBP, pela curvatura normal da lâmina ungueal no primeiro. Pacientes com paquioníquia congênita podem apresentar unhas curvas, mas também são grossas e marrons ou amareladas. A onicogrifose é causada principalmente por sapatos mal ajustados. Outros distúrbios, como a curvatura congênita da unha do quarto pododáctilo, também podem se assemelhar à UBP.

O corte periódico das unhas deve ser recomendado para evitar o crescimento contínuo. A UBP pode ser curada com onicectomia e matricectomia, o que pode beneficiar pacientes com casos sintomáticos ou recorrentes.10

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Camilo Arias‐Rodriguez e Santiago Beuth‐Ruiz contribuíram com a concepção e planejamento do estudo, obtenção de dados, redação e aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
S.X. Chen, P.R. Cohen.
Parrot Beak Nails Revisited: Case Series and Comprehensive Review.
Dermatol Ther (Heidelb)., 8 (2018), pp. 147-155
[2]
P. Forouzan, P.R. Cohen.
Parrot Beak Nail: Case Report and Review of Parrot Beak Nail Dystrophy.
Cureus., 13 (2021 27), pp. e15974
[3]
I. Marie, V. Gremain, K. Nassermadji, L. Richard, P. Joly, J.F. Menard, et al.
Nail involvement in systemic sclerosis.
J Am Acad Dermatol., 76 (2017), pp. 1115-1123
[4]
S.E. Tunc, I. Ertam, T. Pirildar, T. Turk, M. Ozturk, E. Doganavsargil.
Nail changes in connective tissue diseases: do nail changes provide clues for the diagnosis?.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 21 (2007), pp. 497-503
[5]
P. Chang, G.A. Tello, S.E.N. Cohen, E. Anzueto.
Manifestaciones del aparato ungueal en las enfermedades del colágeno: reporte de 43 casos.
Dermatol Cosmet Med y Quir., 14 (2016), pp. 270-280
[6]
J.J. Payne-James, M.H. Munro, C.M. Rowland-Payne.
Pseudosclerodermatous triad of perniosis, pulp atrophy and’parrot‐beaked’ clawing of the nails--a newly recognized syndrome of chronic crack cocaine use.
J Forensic Leg Med., 14 (2007), pp. 65-71
[7]
N.S. Sherber, F.M. Wigley, R.K. Scher.
Autoimmune disorders: nail signs and therapeutic approaches.
Dermatol Ther., 20 (2007), pp. 17-30
[8]
A. Hasson, N. Carreño, P. Uribe, J.D. Montoya.
Actualización en desórdenes pigmentarios, patología ungueal y del pelo.
Rev Chil Dermatol., 27 (2011), pp. 8-15
[9]
J.W. Ricardo, S.R. Lipner.
Parrot Beak Nails and Longitudinal Melanonychia.
J Cutan Med Surg., (2021),
[10]
M. Kurokawa, N. Isshiki, K. Inoue.
A new treatment for parrot beak deformity of the toe.
Plast Reconstr Sur., 93 (1994), pp. 558-560

Como citar este artigo: Arias‐Rodriguez C, Beuth‐Ruiz S. Parrot beak nails: a Latin American case series. An Bras Dermatol. 2023;98:96–9.

Trabalho realizado na Clínica Universitaria Bolivariana, Universidad Pontificia Bolivariana, e Hospital Alma Máter de Antioquia, Medellín, Colômbia.

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