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Vol. 96. Núm. 5.
Páginas 617-619 (01 Setembro 2021)
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Páginas 617-619 (01 Setembro 2021)
Carta ‐ Investigação
Open Access
Perfil clínico e epidemiológico de pacientes com micetoma em centro de cuidados terciários em Karachi, Paquistão
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Yousuf Abd Mallick
Autor para correspondência
youmay2006@gmail.com

Autor para correspondência.
, Nausheen Yaqoob
The Indus Hospital, Karachi, Paquistão
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Tabelas (2)
Tabela 1. Dados sociodemográficos dos casos de micetoma
Tabela 2. Dados histopatológicos e microbiológicos dos casos de micetoma
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Prezado Editor,

O micetoma é uma infecção crônica, supurativa e granulomatosa dos tecidos moles e dos ossos, que pode afetar qualquer parte do corpo; os pés são o local de predileção. A famosa tríade consiste na formação de múltiplos trajetos fistulosos, presença de grânulos coloridos e edema subcutâneo indolor.1 Bactérias e fungos são responsáveis por essa doença e causam “actinomicetoma” e “eumicetoma”, respectivamente. O micetoma é predominantemente relatado em uma zona geográfica típica, conhecida como “cinturão do micetoma”, entre 15° Sul e 30° Norte no globo terrestre, o qual apresenta uma abundância de diferentes espécies de plantas, especialmente acácias, com espinhos longos, afiados e firmes. Esses espinhos, por sua vez, promovem a deposição de esporos nos tecidos profundos após ferimentos penetrantes.2,3

O micetoma não tem transmissão zoonótica documentada, nem vetor ou qualquer reservatório animal.4 As áreas rurais são as mais afetadas, e aqueles que trabalham descalços são as vítimas predominantes, como fazendeiros, pastores, trabalhadores de fazendas de laticínios, jardineiros e trabalhadores da pecuária. Nenhuma idade é imune ao micetoma, mas ele foi observado com mais frequência em homens jovens com idade entre 20 e 40 anos, com uma proporção de homens para mulheres de 3:1.4,5

Este foi um estudo retrospectivo e descritivo realizado em um centro de cuidados terciários em Karachi, cidade localizada no sul do Paquistão. Foram selecionados casos de micetoma não tratados ou tratados de maneira inadequada em todas as faixas etárias e qualquer sexo, atendidos no ambulatório de dermatologia da instituição entre outubro de 2017 a março de 2020. Pacientes que completaram o tratamento em outros hospitais, casos amputados e aqueles com tuberculose, vírus da imunodeficiência humana e síndrome da imunodeficiência adquirida concomitante foram excluídos.

Duas ou mais biópsias foram feitas em cada paciente e enviadas para análise histopatológica e cultura de tecidos. A extração de grânulos, seguida de montagem com hidróxido de potássio, colorações pelos métodos de Gram e para bacilos álcool‐ácido resistentes, bem como culturas foram realizadas.

Radiografias e exame de imagem de ressonância magnética (RM) com contraste foram realizados como investigação inicial para detectar a extensão da doença e o envolvimento ósseo. O envolvimento ósseo na RM foi classificado como nenhum, mínimo e extenso quando não havia nenhum osso afetado, quando havia um a três ossos afetados e mais de três ossos afetados, respectivamente.

A aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional foi obtida, sob número IRD_IRB_2020_04_004.

Neste estudo, de 12 pacientes selecionados, sete eram do sexo masculino e cinco do feminino, com razão M:F de 1,4:1. Apenas um paciente era da faixa etária pediátrica, e a média de idade dos adultos era de 43,54±11,76 anos. Nove pacientes viviam em áreas rurais, com proporção de residência rural/urbana de 3:1. A profissão mais comum entre os pacientes afetados foi agricultor (cinco pacientes), seguida por trabalhadores diaristas (dois pacientes), do lar (duas pacientes), lojista (um paciente) e estudante (uma paciente). Neste estudo, o pé foi afetado em 10 pacientes, enquanto a mão e o joelho foram afetados em um paciente cada. A duração média do tempo até o diagnóstico foi de sete anos (tabela 1).

Tabela 1.

Dados sociodemográficos dos casos de micetoma

Caso n°  Idade (anos)  Sexo  Residência  Ocupação  Região do corpo  Atraso no diagnóstico 
44  Urbana  Do lar  Pé direito  14 anos 
60  Rural  Lojista  Pé direito  3 meses 
45  Rural  Pescador  Mão direita  12 anos 
48  Rural  Agricultor  Pé direito  8 anos 
64  Rural  Agricultora  Pé direito  10 anos 
41  Rural  Agricultor  Pé esquerdo  12 anos 
49  Rural  Agricultor  Pé esquerdo  7 anos 
9,3  Rural  Estudante  Pé esquerdo  3,5 anos 
32  Urbana  Do lar  Pé direito  3 anos 
10  40  Rural  Trabalhador diarista  Pé esquerdo  7 anos 
11  26  Urbana  Trabalhador diarista  Pé esquerdo  3 anos 
12  30  Rural  Agricultora  Joelho direito  6 anos 

A histopatologia ajudou a estabelecer o diagnóstico em nove casos. Seis e duas biópsias favoreceram o diagnóstico de eumicetoma e actinomicetoma, respectivamente, enquanto uma mostrou características de ambos – ou seja, uma infecção mista com actinomicetos e fungos, que foi posteriormente confirmada por culturas (fig. 1).

Figura 1.

Histopatologia mostrando dois tipos diferentes de colônias (Hematoxilina & eosina, 10×).

(0,26MB).

A cultura foi positiva em nove casos e relatou organismos fúngicos, bacterianos e mistos em cinco, três e um casos, respectivamente. As culturas permaneceram negativas em três casos, apesar de todos os esforços para obter o crescimento em diferentes meios de cultura para microrganismos aeróbios, anaeróbios, microaerofílicos e ágar Sabouraud modificado. Foi relatado que Aspergillus foi a espécie mais comum em cinco pacientes. O restante dos organismos relatados e a cor dos grânulos são mencionados na tabela 2.

Tabela 2.

Dados histopatológicos e microbiológicos dos casos de micetoma

Caso n°  Coloração dos grânulos  Achados da biópsia  Cultura  Tipos de espécies  Nome da espécie  Diagnóstico final  Envolvimento ósseo 
Branca  MM  Positiva  Ambas  Actinomadura madurae & Aspergillus fumigatus  Micetoma misto  Mínimo 
Branca  IC  Positiva  Bactérias  Streptomyces s.  Actinomicetoma  Nenhum 
Preta  MF  Positiva  Fungos  Madurella mycetomatis  Eumicetoma  Extenso 
Preta  MF  Positiva  Fungos  Aspergillus niger  Eumicetoma  Mínimo 
Branca  MB  Positiva  Bactérias  Actinomadura madurae  Actinomicetoma  Extenso 
Preta  MF  Positiva  Fungos  Aspergillus niger  Eumicetoma  Nenhum 
Branca  MF  Positiva  Fungos  Aspergillus flavus  Eumicetoma  Mínimo 
Vermelha  MB  Positiva  Bactérias  Actinomadura pelletieri  Actinomicetoma  Extenso 
Preta  MF  Negativa  Nenhuma  Nenhuma  Eumicetoma  Extenso 
10  Amarela  MF  Negativa  Nenhuma  Nenhuma  Eumicetoma  Extenso 
11  Amarela  IC  Negativa  Nenhuma  Nenhuma  Nenhum  Extenso 
12  Branca  IC  Positiva  Fungos  Aspergillus flavus  Eumicetoma  Nenhum 

MB, micetoma bacteriano; MF, micetoma fúngico; IC, inconclusivo; MM, micetoma misto.

A característica mais marcante relatada neste estudo foi a detecção de Aspergillus niger em dois pacientes, representando uma nova espécie de fungo associada ao micetoma (fig. 2). Ambos os pacientes eram residentes da parte oriental da província de Sindh, trabalhavam como agricultores em campos de trigo e viviam em condições ambientais semelhantes. Apesar de ser um diagnóstico tardio, anos após a aquisição da infecção, o envolvimento ósseo nesses dois pacientes variou de nenhum a envolvimento mínimo.

Figura 2.

Hifas fúngicas septadas com brotamento hialino circundadas por células gigantes multinucleadas, neutrófilos, eosinófilos e linfócitos (Hematoxilina & eosina, 40×).

(0,2MB).

O diagnóstico final foi estabelecido em 11 pacientes (91,67%). Destes, sete eram casos de eumicetoma, três de actinomicetoma e um de infecção mista, enquanto um paciente ainda não teve diagnóstico definitivo. A proporção de casos de eumicetoma para actinomicetoma foi de 2,3:1 (7 vs. 3).

O envolvimento ósseo foi variável e não se correlacionou com as espécies envolvidas ou o diagnóstico final (tabela 2). Apenas um paciente (caso 12) apresentava um depósito metastático na região inguinal direita a partir do sítio primário no joelho direito. A cultura evidenciou espécies de Aspergillus flavus em ambos os locais.

Voriconazol 400mg/dia e terbinafina 500mg/dia foram administrados em seis e um pacientes com eumicetoma, respectivamente, por pelo menos seis meses. A resposta à terapia foi deficiente e a amputação foi planejada em três pacientes. Outros responderam de maneira variável ao voriconazol, e a cirurgia redutora (debulking) foi necessária na maioria.

Ambos os pacientes com eumicetoma por Aspergillus niger receberam voriconazol por um ano e obtiveram cura clínica e microbiológica completa, um com voriconazol isoladamente e outro com tratamento cirúrgico associado, sem recidiva da doença na RM de seguimento.

Entre os casos de actinomicetoma, um caso causado pela espécie Streptomyces foi tratado com uma combinação de cotrimoxazol e rifampicina com excelente resposta e eliminação da doença após seis meses. Outros dois casos causados por espécies de Actinomadura foram tratados com regime de Walsh (combinação de amicacina e cotrimoxazol) com resposta parcial, com cirurgia redutora (debulking) posteriormente.

O caso de micetoma misto foi tratado com antibióticos (amoxicilina 1000mg/dia por 18 meses junto com linezolida 1.200mg/dia por seis meses) e antifúngicos (itraconazol 400mg/dia por seis meses seguido por voriconazol 400mg/dia por 15 meses). A sequestrectomia foi realizada uma vez. As avaliações por RM no seguimento não revelaram quaisquer sinais da doença.

O micetoma é uma doença potencialmente evitável. Medidas de proteção, educação do paciente associadas a diagnóstico e tratamento precoces podem salvar muitos pacientes de incapacidades permanentes e amputações. Este estudo mostrou que o eumicetoma é mais comum na parte sul do Paquistão, e Aspergillus é a espécie predominantemente responsável pela doença. Um novo agente fúngico, o Aspergillus niger, também é prevalente nessa parte do mundo e responsável por causar micetoma em indivíduos imunocompetentes.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Yousuf Abd Mallick: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Nausheen Yaqoob: Concepção e planejamento do estudo; obtenção e análise de dados; redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
A. Fahal, E.S. Mahgoub, A.M.E. Hassan, M.E. Abdel-Rahman.
Mycetoma in the Sudan: an update from the Mycetoma Research Centre, University of Khartoum.
Sudan. PLoS Negl Trop Dis., 9 (2015), pp. e0003679
[2]
O. Welsh, M.C. Salinas-Carmona, J.A.C. La Garza, I.M. Rodriguez-Escamilla, E. Sanchez-Meza.
Current treatment of mycetoma.
Curr Treat Options Infect Dis., 10 (2018), pp. 389-396
[3]
P. Verma, A. Jha.
Mycetoma: reviewing a neglected disease.
Clin Exp Dermatol., 44 (2019), pp. 123-129
[4]
C.M.S. Reis, E.G.M. Reis-Filho.
Mycetomas: an epidemiological, etiological, clinical, laboratory and therapeutic review.
An Bras Dermatol., 93 (2018), pp. 8-18
[5]
A.H. Fahal, A.H.A. Sabaa.
Mycetoma in children in Sudan.
Trans R Soc Trop Med Hyg., 104 (2010), pp. 117-121

Como citar este artigo: Mallick YA, Yaqoob N. Clinical and epidemiological profile of mycetoma patients from a tertiary care center in Karachi, Pakistan. An Bras Dermatol. 2021;96:617–9.

Trabalho realizado no The Indus Hospital, Karachi, Paquistão.

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