Compartilhar
Informação da revista
Visitas
15
Vol. 100. Núm. 4.
(1 julho 2025)
Cartas ‐ Investigação
Acesso de texto completo
Tradução, adaptação cultural e validação da versão brasileira do Alopecia Areata Quality of Life Index (AA‐QLI‐BRA)
Visitas
15
Paula Rosa Coutinho Goulart Borges Mariottonia, Leonardo Spagnol Abrahamb, Daniel Fernandes Meloc, Rodrigo Pirmezd, Leopoldo Duailibe Nogueira Santose, Paulo Müller Ramosa, Hélio Amante Miota,
a Ambulatório de Tricoses, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
b Ambulatório de Tricologia, Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil
c Ambulatório de Tricologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
d Centro de Estudos do Cabelo, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
e Ambulatório de Alopecias, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Este item recebeu
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (1)
Tabela 1. Dados demográficos, clínicos e de qualidade de vida dos 80 pacientes com AA
Tabelas
Texto Completo
Prezado Editor,

Alopecia areata (AA) é doença autoimune crônica que afeta até 1% da população durante a vida, independentemente de idade, gênero ou etnia. Formas graves são desafiadoras, demandando tratamentos que incluem corticosteroides, imunomoduladores e, mais recentemente, inibidores da Janus‐Kinase (JAK), que representam uma nova esperança para casos refratários.1,2

O impacto na qualidade de vida (QV) dos pacientes com AA vai além da perda capilar. Por ser condição socialmente perceptível, afeta a autoestima e autoimagem, podendo levar a sentimentos de vergonha, isolamento e estigmatização. Porquanto, muitos pacientes desenvolvem sintomas de ansiedade e depressão, especialmente nos casos mais graves. O impacto psicológico é mais acentuado em crianças e adolescentes em virtude da maior vulnerabilidade emocional. Ademais, sua natureza imprevisível e recidivante contribui para um estado de incerteza, afetando atividades cotidianas, relacionamentos e produtividade laboral.3–5

Fabroccini et al. desenvolveram um instrumento unidimensional específico para investigação do impacto na QV em adultos com AA, o Alopecia Areata Quality of Life Index (AA‐QLI).6 Esse instrumento autoadministrado é composto por 21 itens relacionados a sintomas (S), relacionamento (R) e sinais objetivos (O).

Realizou‐se estudo metodológico para adaptação e validação da versão brasileira do AA‐QLI. Após autorização para a tradução do material (#2023‐5634220334356), quatro dermatologistas, fluentes na língua inglesa, traduziram‐no para o português, gerando uma versão consensual (AA‐QLI‐BRA), que foi retrotraduzida para a língua inglesa por um não especialista e comparada à forma original. A fim de se obter a adaptação cultural, dez pacientes com AA avaliaram o instrumento e foram questionados quanto à clareza das perguntas, linguagem utilizada e sua aplicabilidade. A versão adaptada para a língua portuguesa do Brasil está disponível em https://doi.org/10.17632/jw2fxprgd3.1.

Para validação de conteúdo, sete dermatologistas com experiência em tricologia avaliaram e pontuaram (0 a 10) cada item quanto a relevância, em que 0 – Nada relevante e 10 – Muitíssimo relevante.

Para as demais validações, foram investigados 80 adultos, portadores de AA (diagnosticados por dermatologista), por meio de questionário on‐line contendo dados demográficos AA‐QLI‐BRA e o DLQI‐BRA (Dermatology Quality of Life Index), para validação concorrente. O estudo foi conduzido no ambulatório de Tricoses da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB‐UNESP), Ambulatório de Tricologia do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Ambulatório de Tricologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro de Estudos do Cabelo da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, e Ambulatório de Alopecias da Santa Casa de São Paulo. Um subgrupo de nove participantes preencheu novamente o questionário dentro do período de 14 dias, para investigar sua estabilidade temporal. A consistência interna do instrumento foi avaliada pelo coeficiente McDonald‐ꞷ. Os efeitos “chão” e “teto” foram definidos quando as respostas extremas (“nada” ou “demais”) implicaram em mais de 50% das respostas de um item.7

Os achados demográficos e de QV dos participantes estão apresentados na tabela 1. Nota‐se predomínio de mulheres >30 anos, com maior escolaridade e formas extensas de AA. Durante a aplicação presencial, o instrumento foi preenchido em menos de 10 minutos.

Tabela 1.

Dados demográficos, clínicos e de qualidade de vida dos 80 pacientes com AA

VariáveisValores 
Idade (anos)  Média (DP)  36 (15) 
SexoaFeminino  60 (75%) 
Masculino  20 (25%) 
EscolaridadeaFundamental  7 (9%) 
Médio  13 (16%) 
Superior  60 (75%) 
Estado civilaCasado  25 (31%) 
Divorciado  8 (10%) 
Solteiro  47 (59%) 
Cor autodeclaradaaBranca  49 (61%) 
Não branca  31 (39%) 
Idade de início (anos)  Média (DP)  24 (15) 
Extensão da alopeciaPequenas áreas  36 (45%) 
Total  19 (24%) 
Universal  25 (31%) 
DLQI‐BRA  Mediana (Q1–Q3)  7 (1–15) 
AA‐QLI‐BRA  Média (DP)  53 (17) 
a

n (%). DP, desvio padrão; Q1–Q3, primeiro e terceiro quartis.

Os escores de cada item do AA‐QLI‐BRA estão representados na figura 1. O item S4 (preocupação do problema perdurar pelo resto da vida) apresentou efeito teto. Já o efeito chão ocorreu nos itens R15 (pessoas têm medo do contágio) e R17 (dificuldade para estabelecer relacionamentos).

Figura 1.

Distribuição dos escores dos itens dos pacientes com AA‐QLI‐BRA (n=80).

A validade de conteúdo foi ratificada pela média dos especialistas >8 para todos os itens do instrumento, exceto S1 (desconfortável com peruca), S8 (gasto para cuidar do cabelo) e O21 (prurido no couro cabeludo).

A consistência interna do AA‐QLI‐BRA foi 0,95 (95%IC 0,94–0,97) e do DLQI foi 0,93 (95%IC 0,91–0,95). A correlação (rho de Spearman) entre os escores de AA‐QLI‐BRA e DLQI foi de 0,88 (p <0,01). A correlação dos escores dos itens do AA‐QLI‐BRA entre si e entre eles e o total (fig. 2) indicou menores coeficientes relacionados ao item O21.

Figura 2.

Mapa térmico das correlações (rho de Spearman) entre os itens do AA‐QLI‐BRA e o escore total (n=80).

A análise fatorial exploratória, pelo método de fatoração do eixo principal, indicou 49,0% de variância do construto explicada pelo fator unidimensional. O coeficiente KMO para a matriz foi 0,91, e o teste de esfericidade (Bartlett) resultou p<0,001, indicando adequação da amostra para análise. Todos os itens apresentaram carregamento fatorial >0,45 – exceto o O21que resultou 0,33.7–9

A análise de redes pelo método EBICglasso (fig. 3) mostrou maior influência para os itens do AA‐QLI‐BRA: R11 (pessoas reparam no meu problema) e S5 (não consigo me esquecer que tenho o problema). Já os itens S4, S6 (medo de a doença espalhar), R15 e O21 demonstraram menor influência na rede.

Figura 3.

Diagrama de redes entre os itens do DLQI‐BRA e AA‐QLI‐BRA (n=80).

A exclusão dos itens S4, S6, R15 e O21 não modificou a consistência interna do instrumento, e a variância da variável latente explicada elevou‐se para 54,7%.

Na avaliação de estabilidade temporal, a média (desvio‐padrão) dos escores dos testes foi de 58 (11), e nos retestes, de 57 (14), resultando em coeficiente de correlação intraclasse (concordância) de 0,89.

A análise psicométrica do AA‐QLI‐BRA demonstrou adequada consistência interna do instrumento, validade de conteúdo e estabilidade temporal, indicando seu uso no Brasil, permitindo quantificar mais precisamente a percepção das demandas dos pacientes, aprimorando sua assistência.

Neste trabalho, a média dos escores do DLQI indicou impacto moderado na QV, apesar de ainda não existir uma categorização dos escores do AA‐QLI quanto à dimensão do impacto na QV. De modo geral, questionários genéricos não detectam todos os aspectos afetados na vida dos pacientes, ratificando a preferência por instrumentos específicos.10 A maior consistência interna e o posicionamento centralizado dos itens do AA‐QLI‐BRA na rede ratificam o desempenho psicométrico superior ao DLQI em AA.11

Alguns itens do AA‐QLI‐BRA apresentaram comportamento psicométrico menos alinhado com os demais, devendo ser avaliados com atenção durante o uso do instrumento. O item O21 não é diretamente ligado ao curso clínico da doença. O item S6 pode não ser relevante em quem já está com AA total/universal. O item S4 pode não ser realístico em pacientes que estejam respondendo ao tratamento. E, por fim, o item R15 pode não refletir o principal estigma da AA extensa: a impressão de estar sendo submetido à quimioterapia.

Investigações posteriores devem explorar a correlação entre os escores do AA‐QLI com variáveis clínicas, culturais e escores de doenças afetivas, visto que a AA pode infligir contingência crônica que favoreça o desenvolvimento de doenças psiquiátricas.12,13

Este trabalho apresenta limitações ligadas à amostragem de pacientes mais graves e com maior escolaridade que a média da população brasileira.

A versão brasileira do AA‐QLI se provou válida e consistente e foi aprovada, estabelecendo‐se como instrumento útil na prática clínica, assim como em estudos clínicos em AA.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Paula Rosa Coutinho Goulart Borges Mariottoni: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Leonardo Spagnol Abraham: Revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Leopoldo Duailibe Nogueira Santos: Revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Daniel Fernandes Melo: Revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Rodrigo Pirmez: Revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Paulo Müller Ramos: Concepção e planejamento do estudo; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Hélio Amante Miot: Concepção e planejamento do estudo; análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
L.C. Strazzulla, E.H.C. Wang, L. Avila, K. Lo Sicco, N. Brinster, A.M. Christiano, et al.
Alopecia areata: disease characteristics, clinical evaluation, and new perspectives on pathogenesis.
J Am Acad Dermatol., 78 (2018), pp. 1-12
[2]
H.A. Miot, P.R. Criado, C.C.S. de Castro, M. Ianhez, C. Talhari, P.M. Ramos.
JAK‐STAT pathway inhibitors in dermatology.
An Bras Dermatol., 98 (2023), pp. 656-677
[3]
D. Williamson, M. Gonzalez, A.Y. Finlay.
The effect of hair loss on quality of life.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 15 (2001), pp. 137-139
[4]
C. Long, F. Samaan, C. Beauduy, L.C. Hollins.
Mental health impact of alopecia areata: a retrospective cohort study demonstrates females are more affected than males.
Int J Dermatol., 63 (2024), pp. e135-e136
[5]
F. Rencz, L. Gulacsi, M. Pentek, N. Wikonkal, P. Baji, V. Brodszky.
Alopecia areata and health‐related quality of life: a systematic review and meta‐analysis.
Br J Dermatol., 175 (2016), pp. 561-571
[6]
G. Fabbrocini, L. Panariello, V. De Vita, C. Vincenzi, C. Lauro, D. Nappo, et al.
Quality of life in alopecia areata: a disease‐specific questionnaire.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 27 (2013), pp. e276-e281
[7]
de Goes PSA, Tavares Bezerra A. Health measurement scales‐ a practical guide to their development and use. Oxford Press. 5A. An. Fac. Med. Olinda. 2022;1:55.
[8]
G.O. Boateng, T.B. Neilands, E.A. Frongillo, H.R. Melgar-Quinonez, S.L. Young.
Best practices for developing and validating scales for health, social, and behavioral research: a primer.
Front Public Health., 6 (2018), pp. 149
[9]
K.G. Sapnas, R.A. Zeller.
Minimizing sample size when using exploratory factor analysis for measurement.
J Nurs Meas., 10 (2002), pp. 135-154
[10]
S. Meneguin, I.B. Mourao, C.F. Pollo, H.A. Miot, M. Garuzi, C. de Oliveira.
Comparison of generic and specific instruments to assess the quality of life in patients with melasma.
BMC Med Res Methodol., 22 (2022), pp. 117
[11]
D. Borsboom, M.K. Deserno, M. Rhemtulla, S. Epskamp, E.I. Fried, R.J. McNally, et al.
Network analysis of multivariate data in psychological science.
Nature Reviews Methods Primers., 1 (2021), pp. 58
[12]
M.A. Penha, P.M. Santos, H.A. Miot.
Dimensioning the fear of dermatologic diseases.
An Bras Dermatol., 87 (2012), pp. 796-799
[13]
M. van Dalen, K.S. Muller, J.M. Kasperkovitz-Oosterloo, J.M.E. Okkerse, S.G.M.A. Pasmans.
Anxiety, depression, and quality of life in children and adults with alopecia areata: a systematic review and meta‐analysis.
Front Med (Lausanne)., 9 (2022), pp. 1054898

Como citar este artigo: Mariottoni P, Abraham LS, Melo DF, Pirmez R, Santos LDN, Müller Ramos P, et al. Translation, cultural adaptation and validation of the Brazilian version of the Alopecia Areata Quality of Life Index (AA‐QLI‐BRA). An Bras Dermatol. 2025;100:501146.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.

Copyright © 2025. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.