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Vol. 94. Issue 6.
Pages 713-716 (01 November 2019)
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Vol. 94. Issue 6.
Pages 713-716 (01 November 2019)
Caso Clínico
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Lesões extensas tipo pioderma gangrenoso revelando um caso de hiperzinquemia e hipercalprotectinemia: quando suspeitar?
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Ludimila Oliveira Resendea,
Corresponding author
ludi.lor07@gmail.com

Autor para correspondência.
, Marilia Formentini Scotton Jorgeb, Juliano Vilaverde Schmittb
a Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
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Tabela 1. Relatos de casos de Hz/Hc descritos na literatura com avaliação dermatológica1,3,4
Tabela 2. Resumo das características clínicas dos casos de Hz/Hc com alterações cutâneas relatadas
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Resumo

Hiperzinquemia e hipercalprotectinemia são doenças inflamatórias raras causadas por mutação no gene PSTPIP1, com desregulação no metabolismo da calprotectina, que é uma proteína quelante de zinco com propriedades antimicrobianas e pró‐inflamatórias. Reportamos o caso de uma mulher de 20 anos com úlceras cutâneas persistentes, compatíveis com pioderma gangrenoso, déficit de crescimento e anemia crônica, que levaram ao diagnóstico de hiperzinquemia e hipercalprotectinemia. Sugere‐se a dosagem de zinco e calprotectina em casos compatíveis.

Palavras‐chave:
Artrite
Inflamação
Manifestações cutâneas
Zinco
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Introdução

Hiperzinquemia e hipercalprotectinemia (Hz/Hc) é uma desordem autoinflamatória caracterizada por inflamação sistêmica crônica, lesões cutâneas, artralgia/artrite, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e déficit de crescimento, descrita em 1985.1 Sua causa está relacionada com uma mutação no gene “proline‐serine‐threonine phosphatase‐interacting protein 1” (PSTPIP1), a qual acarreta uma desregulação no metabolismo da calprotectina. Essa proteína tem capacidade quelante de zinco e apresenta atividade antimicrobiana e pró‐inflamatória. Raros casos, sobretudo com detalhamento dos aspectos dermatológicos, foram descritos na literatura e nenhum é proveniente da América Latina (tabelas 1 e 2).2–4

Tabela 1.

Relatos de casos de Hz/Hc descritos na literatura com avaliação dermatológica1,3,4

  Relatos préviosRelato Atual 
Idade ao diagnóstico  18  18  14  35  21  10  20 
Sexo 
Crescimento  Reduzido  Reduzido  Reduzido  Reduzido  Normal  Normal  Reduzido  Reduzido  Reduzido 
Hepatoesplenomegalia  –  Sim  Sim  Sim  Sim  Sim  Sim  Sim  Sim 
Alterações dermatológicas  PG  Vasc  Não  Não  Vasc, eczema  Vasc, úlceras  PG  Lesões pálpebras  PG 
Alterações reumatológicas  –  Artrite  Artrite  Artrite  Artrite, uveíte  Artrite  Artrite  Artrite  Artrite 
PCR (< 10 mg/L)  –  41–143  100–200  22  17  45–146  60  108  35 
Hemoglobina (g/L)  –  10,9  12,5  5,5  7,6  7,3 
Zinco (10–18μm/L)  120–197  180–200  82–96  160–200  175  77  183  152  138 
Calprotectina (< 0,001 g/L)  –  6,5  1,4–2,55  6,1  1,5  12,5  2,3  0,6 

PCR, proteína C‐reativa; PG, pioderma gangrenoso; Vasc, vasculite.

Tabela 2.

Resumo das características clínicas dos casos de Hz/Hc com alterações cutâneas relatadas

Característica  Valor 
Idade ao diagnóstico (anos)a  18,1 (8,7) 
Sexo
Feminino  3/7 (43%) 
Masculino  4/7 (57%) 
Hepatoesplenomegalia  6/6 (100%) 
Déficit de crescimento  5/7 (71%) 
Artrite  6/6 (100%) 
Anemia  5/6 (83%) 
Hemoglobina (g/L)a  8,2 (2,1) 
Zinco sérico (μm/L)a  153,4 (35,4) 
Calprotectina (g/L)b  4,9 (1,5–6,1) 
a

Média (desvio‐padrão).

b

Mediana (1° quartil – 3° quartil).

Relato de caso

Mulher de 20 anos relatava lesões cutâneas ulceradas persistentes com gravidade oscilante havia 5 anos, dor abdominal recorrente com episódios de diarreia e dores articulares em joelhos acompanhadas de edema e eritema local desde a infância. Relatava anemia crônica não responsiva a diversos tratamentos. No exame físico, apresentava baixa estatura (percentil <3%), úlceras de bordas violáceas, entremeadas por tecido cicatricial e pústulas, com centro granuloso friável, sangrante, presença de exsudato purulento e crostas hemáticas que acometia, pálpebras inferiores, mamas e pernas, além de hepatoesplenomegalia pronunciada (fig. 1A, 1B e 1C). O exame histopatológico das lesões cutâneas mostrou‐se inespecífico, porém compatível com pioderma gangrenoso (PG). Exames iniciais revelaram pancitopenia, inversão do padrão albumina/globulina (0,55; normal: 1,9–1,63), proteína C‐reativa elevada (PCR=35; normal: <10mg/L) e hepatoesplenomegalia à ultrassonografia, revelaram parênquima preservado com hematopoiese extramedular na histopatologia de biópsia hepática. Apresentava hipertensão portal com varizes esofágicas e osteoporose pronunciada com fratura patológica em T12.

Figura 1.

Lesões cutâneas antes (direita) e após (esquerda) seis meses de tratamento.

(0.2MB).

Considerando a hipótese diagnóstica de Hz/Hc, foram feitas dosagens séricas de zinco e calprotectina, obtiveram‐se os valores de 869μg/L (normal: 70–120μg/L) e 642μg/L (normal: <1,6μg/L), respectivamente.

Foram iniciadas ciclosporina A (3,5mg/kg/dia) e prednisolona (1,5mg/kg/dia), evolui com cicatrização das lesões, ganho de peso e melhoria parcial da anemia, porém a resposta terapêutica piorou após regressão dos níveis de imunossupressão, evoluiu com o agravamento de lesões preexistentes e a formação de lesão ulcerada no ponto de feitura da biópsia hepática transcutânea, compatível com patergia (fig. 1D, 1E e 1F). Os níveis de imunossupressão foram restaurados e foi associado adalimumabe 40mg quinzenalmente, com melhoria significativa, porém parcial, das lesões cutâneas.

Em estudo genético da paciente encontrou‐se a variante c.748G>A p. (Glu250Lys) no éxon 1 do gene PSTPIP1, em heterozigose. Essa variante substitui um ácido glutâmico por uma lisina no códon 250da proteína traduzida, que foi descrita como patogênica no banco de dados Infervers e Clinvar (rs28939089) quando associada à síndrome de PAPA (MIM 604416).

Discussão

A Hz/Hc é uma rara condição autoinflamatória caracterizada clinicamente por lesões cutâneas inflamatórias pustulosas e ulcerativas, artrite recorrente, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e déficit de crescimento, sem predileção por sexo, geralmente diagnosticada na juventude. A doença apresenta achados laboratoriais característicos, como níveis séricos extremamente altos do zinco e principalmente da calprotectina (500–12.000 vezes os níveis normais).3

A calprotectina é formada por um complexo de duas proteínas MRP8/14, ativadores endógenos do receptor Toll‐like 4 (TLR‐4) e pertencentes à família das alarminas. É encontrada no citoplasma de neutrófilos e apresenta intensa atividade pró‐inflamatória.5,6 Recentemente, identificaram‐se nesses pacientes mutações específicas com alteração de um único aminoácido na PSTPIP1, proteína associada ao citoesqueleto responsável pela ativação de células T e liberação de IL‐1b. Outras mutações nesse mesmo gene já foram associadas a outras doenças autoinflamatórias, como a síndrome PAPA (artrite piogênica, PG e acne), com algumas semelhanças clínicas com a Hz/Hc, porém nenhuma apresentava níveis tão elevados de calprotectina e zinco.2

Até o momento, nenhum tratamento mostrou‐se totalmente eficaz, com relatos de uso de corticosteroides, ciclosporina, tacrolimus, inibidores de TNF e IL‐1. A Hz/Hc é uma doença multissistêmica com sintomatologia inespecífica, porém crônica, e já se apresenta desde a infância na maioria dos casos.2,4–7 Os níveis extremamente elevados de zinco e calprotectina séricos favorecem fortemente o diagnóstico, portanto devem ser considerados em casos suspeitos.

As alterações cutâneas na Hz/Hc foram relatadas como vasculite, eczemas, úlceras furunculoides e lesões necróticas, porém ressalta‐se que tendem a ser inflamatórias, ulceradas, por vezes pruriginosas, com clínica e histopatologia semelhantes ao PG, tendem a acometer extremidades inferiores simetricamente, com relatos de lesões faciais, particularmente nas pálpebras. A observação de tais lesões crônicas em crianças e adultos jovens com hepatoesplenomegalia, artralgia/artrite, PCR elevado e anemia microcítica devem levar à suspeita diagnóstica de Hz/Hc.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Ludimila Oliveira Resende: Elaboração e redação do manuscrito.

Marilia Formentini Scotton Jorge: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Juliano Vilaverde Schmitt: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Conflitos de interesse

Nenhum.

Referências
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K.M. Hambidge, D.A. Norris, J.H. Githens, D. Ambruso, F.A. Catalanotto.
Hyperzincemia in a patient with pyoderma gangrenosum.
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D. Holzinger, S.K. Fassl, W. de Jager, P. Lohse, U.F. Röhrig, M. Gattorno, et al.
Single amino acid switch defines clinically distinct Proline‐Serine‐Threonine Phosphatase‐Interacting Protein 1 (PSTPIP1) – associated inflammatory diseases.
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Lancet., 360 (2002), pp. 1742-1745
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Hyperzincemia and hypercalprotectinemia: unsuccessful treatment with tacrolimus.
Acta Paediatr., 98 (2009), pp. 410-412
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J.M. Ehrchen, C. Sunderkötter, D. Foell, T. Vogl, J. Roth.
The endogenous Toll‐like receptor 4 agonist S100A8/S100A9 (calprotectin) as innate amplifier of infection, autoimmunity, and cancer.
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T. Sugiura, K. Goto, K. Ito, K. Ban, S. Okada, A. Moriyama, et al.
Effects os ciclosporine A in hyperzincaemia and hypercalprotectinaemia.
Acta Paediatr., 95 (2006), pp. 857-860

Como citar este artigo: Resende LO, Jorge MFS, Schmitt JV. Extensive pyoderma gangrenosum‐like lesions revealing a case of hyperzinquemia and hypercalprotectinemia: when to suspect it? An Bras Dermatol. 2019;94:713–6.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.

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