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Vol. 97. Núm. 5.
Páginas 583-591 (01 Setembro 2022)
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Páginas 583-591 (01 Setembro 2022)
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O uso da técnica de avaliação intraoperatória de margens cirúrgicas por congelação “en face” no manejo de carcinomas cutâneos: resultados oncológicos de uma única instituição
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Ana Carolina Vasconcellos Guedes Otsukaa,
Autor para correspondência
ac.otsuka@gmail.com

Autor para correspondência.
, Eduardo Bertollib, Mariana Petaccia de Macedoc, Clovis Antonio Lopes Pintod, João Pedreira Duprat Netob
a Cirurgia Plástica, A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento da Oncologia Cutânea, A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil
c Departamento de Patologia, Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, Brasil
d Departamento de Patologia, A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo
Fundamentos

Os carcinomas cutâneos dos tipos basocelular e espinocelular (CBC e CEC) são os tipos mais comuns de câncer no mundo. A avaliação intraoperatória de margens cirúrgicas por congelação vem sendo largamente utilizada para assegurar margens livres de doença. A técnica de congelação intraoperatória “en face” avalia todas as margens periféricas e profunda.

Objetivo

Relatar os resultados da técnica de congelação “en face” em relação à recorrência tumoral e à concordância com o exame histopatológico em parafina.

Métodos

Análise retrospectiva dos pacientes submetidos à exérese cirúrgica de CBC e CEC pelo Núcleo de Câncer de Pele do A.C.Camargo Cancer Center, Brasil.

Resultados

Nosso estudo incluiu 542 carcinomas de pele, que foram excisados de 397 pacientes – 201 do sexo masculino (50,6%), 196 do sexo feminino (49,4%), com idade média de 64 anos. Os tumores foram localizados em sua maioria na região da cabeça e pescoço (87,8%). O CBC correspondeu a 79,7% dos casos. O seguimento médio foi de 38 meses. A recidiva tumoral ocorreu em 0,86% para os tumores primários e 3,7% para os tumores recorrentes. O resultado da congelação intraoperatória “en face” foi concordante com o resultado final do exame anatomopatológico (exame em parafina) em 98% das lesões.

Limitações do estudo

Não ter o tempo de seguimento mínimo de cinco anos em todos os pacientes.

Conclusão

A técnica de congelação “en face” é uma técnica com baixa recidiva tumoral, confiável e segura para garantir margens cirúrgicas negativas de tumor.

Palavras‐chave:
Ceratinócitos
Neoplasias cutâneas
Parafina
Texto Completo
Introdução

Os cânceres de pele carcinoma cutâneo basocelular (CBC) e carcinoma cutâneo espinocelular (CEC) são mais prevalentes que todos os outros tipos de câncer combinados.1,2 No Brasil correspondem a 30% de todos os tumores malignos registrados no país. Conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), estima‐se 176.930 novos casos em 2020 – 83.770 em homens e 93.160 em mulheres.3

De acordo com o National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Guidelines, o principal objetivo do tratamento do CBC e CEC é a remoção cirúrgica completa do tumor e a preservação máxima da função e cosmética.2

A exérese com margem cirúrgica ampla pode ocasionar desfiguramento e cicatrizes desnecessárias, enquanto as ressecções conservadoras podem resultar na remoção incompleta do tumor e maior recorrência local, especialmente em lesões com alto risco de recorrência. As características de alto risco de CBC e CEC são: profundidade de invasão (> 6mm ou invasão além do subcutâneo para CEC), grau de diferenciação histológica pouco diferenciado, localização anatômica de alto risco (face, orelha, pré/pós‐auricular, genitália, mãos e pés), envolvimento perineural, lesões recorrentes após cirurgia e/ou radioterapia, imunossupressão e bordas mal definidas.2

A avaliação intraoperatória de margens cirúrgicas da lesão por exame de congelação vem sendo largamente utilizada para tentar assegurar margens livres de doença, e é mais seguro em planejar a reconstrução definitiva.4,5 A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é uma das técnicas propostas para CBC e CEC de alto risco, pois propicia a análise intraoperatória de 100% da margem de excisão.2 Porém, é importante haver uma alternativa aceitável e segura para suprir a CMM, pois essa técnica pode ser financeiramente inviável e limitada em sua disponibilidade.5 Outra técnica em que também há uma avaliação completa de todas as margens é a avaliação intraoperatória de margens cirúrgicas por congelação “en face”, uma possível alternativa à CMM.4–6

O termo “en face” é uma expressão usada para se referir que ao examinar a peça cirúrgica durante a congelação intraoperatória, as seções de margens analisadas são processadas paralelo à margem cirúrgica.7

Nosso objetivo é relatar os resultados da técnica de congelação “en face” quanto à recorrência do tumor e a concordância com os cortes de parafina, na rotina de uma instituição.

Material e métodos

Análise retrospectiva de pacientes submetidos à exérese cirúrgica de CBC e CEC pelo Núcleo de Câncer de Pele do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo/SP – Brasil, entre janeiro a dezembro de 2013. Houve aprovação do Comitê de Ética em pesquisa local para estse estudo, n° 2602/18.

Pacientes

Foram incluídos no estudo pacientes com CBC e/ou CEC, primário ou recorrente, submetidos à técnica de congelação “en face”, independente da topografia da lesão. Os critérios de não inclusão foram pacientes com outros tipos de neoplasia cutâneas e pacientes que não realizaram a técnica de congelação intraoperatória “en face”.

Foram avaliados os seguintes dados clínicos, epidemiológicos, de anatomia patológica e tratamento de cada paciente: sexo, idade, tipo e subtipo de tumor, tipo de reconstrução, número de ressecções necessárias para obter margens cirúrgicas livre de tumor, o resultado do exame intraoperatório de congelação “en face” e resultado final do anatomopatológico após processamento histopatológico convencional com confecção de blocos de parafina, necessidade de tratamento complementar, tempo de seguimento e recorrência tumoral (a recorrência foi definida como o reaparecimento da lesão no acompanhamento clínico confirmado por exame histológico). As lesões primárias foram consideradas CBCs ou CECs recém‐diagnosticados clinicamente, e as lesões secundárias foram aquelas que haviam sido tratadas anteriormente em outros hospitais e recorreram.

Análise estatística

A análise descritiva foi realizada com a avaliação dos prontuários. Regressões logísticas simples foram utilizadas para identificar variáveis que se associaram aos desfechos estudados. Todas as variáveis com valor de p <0,05 foram incluídas nos modelos de regressão logística múltipla. O software IBM SPSS v 20.0® foi utilizado para a análise estatística.

Técnica de congelação intraoperatória “en face”

A técnica de congelação “en face” propicia o exame de todas as margens do tumor. Todas as margens periféricas e profunda da peça analisada na congelação “en face” foram enviadas para processamento histopatológico convencional com confecção de blocos de parafina. Assim, foram comparados os resultados do exame intraoperatório da congelação com o resultado final anatomopatológico após processamento histopatológico com confecção de blocos de parafina.

O procedimento cirúrgico foi realizado da seguinte maneira: as margens de ressecção do tumor cutâneo foram demarcadas com auxílio de dermatoscópio manual utilizado pelo cirurgião responsável pelo procedimento, com o objetivo de alcançar margens de ressecção livres. Não foi possível documentar a margem cirúrgica utilizada para a excisão, por se tratar de um estudo retrospectivo. A excisão foi realizada sob anestesia geral, anestesia local associada com sedação, anestesia local pura ou raquianestesia associada a sedação, dependendo das comorbidades do paciente, do planejamento da reconstrução e do tamanho da lesão. A excisão da lesão foi realizada com a borda circunferencial reta e a margem profunda plana, diferindo da forma angulada da ressecção CMM. Na figura 1 demonstramos o aspecto clínico da lesão antes da excisão com delimitação dermatoscópica das margens cirúrgicas.

Figura 1.

(A) Aspecto clínico da lesão antes da excisão com delimitação dermatoscópica das margens cirúrgicas. (B) Amostra ressecada e identificada com fio cirúrgico pelo cirurgião do ponto de referência do paciente de 12 horas.

(0,36MB).

O exame intraoperatório para avaliação de margens cirúrgicas da lesão excisada se inicia com o recebimento pelo patologista do espécime a fresco com identificação prévia pelo cirurgião do ponto de referência do paciente de 12 horas. Todas as margens laterais e profunda do espécime são então pintadas com tinta nankin (fig. 2).

Figura 2.

(A) As margens periféricas e profunda da amostra são pintadas por um patologista. (B) A excisão da margem periférica da peça, para o envio aos cortes congelados, consiste em uma incisão no ponto de referência com 2,0 a 3,0mm de espessura da pele paralela à margem periférica.

(0,31MB).

As margens laterais do espécime são seccionadas em quatro setores considerando o ponto fiducial de 12 horas identificado previamente pelo cirurgião e em cortes considerando o sentido horário do espécime conforme a seguir: 12‐3 horas, 3‐6 horas, 6‐9 horas e 9‐12 horas (método de orientação “face do relógio”). Essas margens são separadas da amostra com uma incisão com a ajuda de uma lâmina cirúrgica no ponto inicial (p. ex., 12 horas) e uma ressecção interna de 2,0 a 3,0mm de espessura da pele paralela à borda circunferencial. Toda a extensão lateral daquele setor é considerada para avaliação microscópica. A margem profunda é analisada em corte paralelo, tangencial à face cruenta. O procedimento está ilustrado na figura 3.

Figura 3.

(A) Excisão da margem profunda consistindo em uma seção paralela contendo as margens da superfície com tinta. (B) Vista esquemática do resultado final das margens circunferenciais separadas em setores e margem profunda.

(0,32MB).

Os fragmentos representativos de cada margem são então individual e sequencialmente submetidos para cortes de congelação por embebição em meio de inclusão de congelação (tissue tek®) e congelamento a −30°C em criótomo, com a face da tinta (ou face externa) voltada para a face de corte do aparelho. São realizados cortes de 5,0μm seguidos de coloração com hematoxilina e eosina, montagem das lâminas e avaliação pelo patologista.

As margens são laudadas pelo patologista separadamente de acordo com a identificação dos setores como margem livre de neoplasia ou margem comprometida pela neoplasia. Quando uma amostra do fragmento for positiva para células tumorais após o exame histopatológico, uma amostra adicional de tecido, na área acometida pelo tumor, será retirada e enviada novamente para análise do patologista. O procedimento é repetido até que margens livres de neoplasia sejam obtidas, e assim o cirurgião realiza a reconstrução da área acometida após a retirada da lesão. Todas as amostras analisadas na congelação (margens periféricas e profunda) são submetidas a processamento histopatológico convencional com confecção de blocos de parafina para confirmar o diagnóstico do espécime congelado no intraoperatório.

ResultadosResultados gerais

Nosso estudo foi composto por 542 carcinomas cutâneos, excisados de 397 pacientes (201 homens e 196 mulheres), com idade média de 64 anos. As características clínicas e de anatomia patológica dos casos incluídos no estudo estão apresentadas na tabela 1. O tamanho da lesão por medição da peça patológica (cm) foi em média 2,0 × 1,4 × 0,56 (diâmetro maior × diâmetro menor × espessura).

Tabela 1.

Características qualitativas dos pacientes submetidos à exérese de carcinomas cutâneos basocelular (CBC) e espinocelular (CEC), no ano de 2013, de janeiro a dezembro no A.C.Camargo Cancer Center

Variável  Categorias  (%) 
Localização do tumorCouro cabeludo  28  5,2% 
Fronte  57  10,5% 
Nariz  199  36,7% 
Lábio  37  6,8% 
Região malar  47  8,7% 
Região temporal  34  6,3% 
Região retroauricular  0,6% 
Orelha  33  6,1% 
Pálpebra  25  4,6% 
Mento  0,7% 
Região cervical  1,7% 
Tronco  1,7% 
Dorso  0,9% 
Flanco  0,2% 
Membros  51  9,4% 
Subtipos histológicos de carcinoma cutâneo basocelularNodular  104  29,4% 
Superficial  42  11,8% 
Esclerodermiforme  33  9,3% 
Micronodular  2,5% 
Mistoa  159  45% 
Outrosb  1,3% 
Tipo de anestesiaLocal exclusiva  17  3,1% 
Local e sedação  192  35,4% 
Geral  329  60,7% 
Bloqueio  0,7% 
Apresentação inicial da lesãoVirgem de tratamento  463  85,4% 
Tumor recidivado  79  14,6% 
Invasão perineuralPresente  1,7% 
Ausente  533  98,3% 
Resultado primeira congelaçãoMargens livres  392  72,3% 
Margens comprometidasc  150  27,7% 
Não  511  96,6% 
Tratamento complementar (após a cirurgia)Radioterapia  0,9% 
Cirurgia complementar  11  2,1% 
Tratamento tópico  0,4% 
a

Mais de um subtipo histológico.

b

Outros subtipos de CBC: adenoide e basoescamoso.

c

Em 116 lesões foi necessária uma ampliação de margem cirúrgica no intraoperatório para obter margens livres de tumor. Em 20 lesões, foram necessárias duas ampliações. Em 11 lesões, foram necessárias três ampliações. Em duas lesões, foram necessárias quatro ampliações; e em uma lesão, foram necessários seis ampliações de margens cirúrgicas para obter margens livres.

A topografia mais comum das lesões ocorreu na região de cabeça e pescoço (87,8%), seguida por extremidades (9,4%) e tronco (2,8%). As lesões acometendo as extremidades foram: seis lesões nas mãos, três lesões nos pés, cinco na região pré‐tibial, 13 nos membros superiores e 24 lesões nos membros inferiores. O CBC correspondeu a 79,7% dos casos, e o CEC a 20,3%.

O seguimento médio foi de 38 meses. Em 53 casos tivemos perda de seguimento. O tempo máximo de seguimento foi de 74,43 meses. Os tipos de reconstrução após a exérese cirúrgica do carcinoma cutâneo foram: 454 retalho local (83,8%), 39 enxerto cutâneo (7,2%), 34 fechamento primário (6,3%), 14 técnica combinada (2,6%) e um microcirúrgico (0,2%).

Recorrência

A recorrência tumoral total (mediana de 38 meses) foi de 1,4% – 0,86% para lesões virgens de tratamento e 3,7% para lesões secundárias.

Também avaliamos as associações entre as variáveis e a sobrevida livre de recorrência com a regressão COX, mostrada na tabela 2.

Tabela 2.

Regressão de Cox simples e múltipla com variáveis associadas à sobrevida livre de recorrência em pacientes submetidos a exérese de CBC e CEC, no ano de 2013, de janeiro a dezembro no A.C.Camargo Cancer Center

Variável  Regressão de COX simplesRegressão de COX múltipla
  RR  95% IC  RR  95% IC 
Invasão perineural  0,048  8.507  1.023‐70.758  0,02  13.049  1.504‐113.216 
Número de ampliações até obter margens livres  0,008  1.841  1.170‐2.895  0,005  1.872  1.205‐2.907 

RR, risco relativo; 95% IC, intervalo de confiança; CBC, carcinoma basocelular; CEC, carcinoma espinocelular.

Usando a regressão de COX múltipla, a associação com a invasão perineural positiva apresentou um aumento de 13 vezes o risco de ter recidiva tumoral. O número de ampliações de margens cirúrgicas no intraoperatório também apresentou associação, com um aumento de 1,8 vez o risco de recidiva tumoral para cada ampliação de margens. Então, quanto maior o número de ampliações de margens, maior o risco de recidiva tumoral no futuro.

Dos sete casos recidivados, quatro eram CBCs. Desses, três eram do subtipo histológico misto (mais de um subtipo histológico) e um CBC superficial, todos localizados na face (duas lesões no couro cabeludo, uma na fronte e uma no nariz), três já eram tumores previamente recidivados (subtipo histológico misto) e apresentaram margens comprometidas na primeira ressecção cirúrgica – uma lesão foi ampliada por até quatro vezes até atingir margens cirúrgicas livres de tumor. Os outros três casos recidivados eram CECs, também localizados na face (orelha, couro cabeludo e nariz), todos lesões virgens de tratamento.

Todos os pacientes que recidivaram tiveram um tempo mínimo de seguimento de quatro anos. As recidivas ocorreram entre cinco e 44 meses após o procedimento cirúrgico. A sobrevida mediana livre de recidiva foi de 25 meses (SD 5‐44).

Revisamos as lesões incluídas no estudo, e 536 lesões foram consideradas de alto risco. A taxa de recidiva tumoral total nas lesões de alto risco foi de 1,3% – 0,87% recidiva em tumor primário e 3,7% em tumor recorrente.

Relação entre a congelação intraoperatória “en face” e o resultado do processamento histopatológico com confecção de blocos de parafina (concordante ou discordante)

Os resultados do processamento histopatológico com confecção de blocos de parafina estiveram de acordo com o resultado da congelação intraoperatória “en face” em 98% das lesões.

Avaliamos as associações entre as variáveis do paciente e o resultado da patologia permanente (parafina) em relação à concordância com a congelação “en face”. As variáveis qualitativas descritas na tabela 1 não apresentaram significância estatística. Por outro lado, houve significância estatística em relação às variáveis quantitativas.

Observou‐se que existe uma relação direta entre o número de lesões operadas de um mesmo paciente e o aumento da discordância entre os métodos diagnósticos. Cada lesão operada em um mesmo paciente aumenta em 24% o risco de discordância entre o resultado final do anatomopatológico e a congelação intraoperatória “en face”. Em relação às ampliações de margens, para cada lesão (margem) ampliada há um aumento de duas vezes no risco de haver discordância entre o resultado final do anatomopatológico e a congelação intraoperatória “enface”. Os resultados estão resumidos na tabela 3.

Tabela 3.

Regressão logística simples e múltipla com variáveis associadas ao resultado final do anatomopatológico (concordante e discordante) em pacientes submetidos a exérese de CBC e CEC, no ano de 2013, de janeiro a dezembro no A.C.Camargo Cancer Center

Variável  Regressão logística simplesRegressão logística múltipla
  OR  95% IC  OR  95% IC 
Número de lesões operadas  0,001  1.227  1.089‐1.383  0,000  1.243  1.101‐1.403 
Número de ampliações até margens livres  0,004  1.945  1.231‐3.073  0,005  2.035  1.237‐3.347 

OR, odds ratio; 95% IC, intervalo de confiança; CBC, carcinoma basocelular; CEC, carcinoma espinocelular.

Todas as variáveis com valor de p <0,05 foram incluídas na regressão logística múltipla (tabela 3).

Discussão

Analisamos 397 pacientes, com um total de 542 lesões, carcinomas cutâneos (CBC e CEC), entre 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2013 (período de um ano), em que foi realizado a congelação intraoperatória “en face”. Esse fato é importante, pois na literatura não há estudos avaliando o uso da técnica de congelação intraoperatória “en face” com um número de casos similar em um período de tempo tão curto. Na tabela 4 demonstramos de modo resumido algumas características importantes de trabalhos encontrados na literatura sobre a congelação “en face”.

Tabela 4.

Dados encontrados na literatura sobre o uso da congelação intraoperatória “en face

Autores  Período estudado  Número de lesões  Localização  Seguimento (meses)  Taxa de recorrência (%) 
Gayre et al.10  1985 a 2008  1638  CBC periocular  84  1,7% 
Wong et al.4  1992 a 2001  534  CBC periocular  60  2,2%a 
Gill et al.13  1997 a 2011  77  CBC periocular  54  1,3% 
Resti et al.12  1998 a 2010  110  CBC palpebral  63  1,8% 
Kvannli et al.11  1999 a 2007  262  CBC e CEC periorbitais  ‐  ‐ 
Menesi et al.5  2002 a 2006  53  CBC na face  36  1,7% 
Tullett et al.7  2003 a 2009  78  CBC periocular  23  1% 
Nizamoglu et al.9  2010 a 2014  70  Carcinomas de alto risco  12  0% 
Presente estudob  2013  542  CBC e CEC cabeça e pescoço, tronco e membros  38  1,4% 

CBC, carcinoma basocelular; CEC, carcinoma espinocelular.

a

Lesão primária.

b

Estudo atual.

A maioria dos estudos encontrados na literatura sobre a técnica de congelação “en face” é restrita a uma topografia específica, descrevendo lesões em região periorbital e na face, mas nosso estudo teve um critério de inclusão mais amplo em relação à localização, demonstrando que essa técnica de congelação pode ser utilizada em outros sítios anatômicos de maneira segura.

Tivemos uma taxa de 1,4% de recorrência tumoral total (7/542 lesões). Estratificando esse resultado, houve uma taxa de 0,86% de recidiva para o tumor primário e 3,7% para o tumor recorrente, com seguimento mediano superior a três anos. Nenhum paciente que recorreu apresentou discordância entre o resultado da congelação “en face” intraoperatório e o resultado final do exame anatomopatológico (exame de parafina), demonstrando que essa técnica de congelação é segura e não foi o fator determinante para a recorrência tumoral, mais relacionada com a biologia do tumor.4,5,8 Nossa taxa de recorrência tumoral total se assemelha com a da literatura.

Com base em uma revisão da literatura, a taxa de recorrência em cinco anos para CMM foi de 0,6 a 3% para CBC primário e 6 a 10% para CBC recorrente.9,10 Montamos um fluxograma especificando os resultados separadamente de CBC e CEC quanto aos tumores primários, recorrentes e ao índice de recorrência (fig. 4). Assim, nossa taxa de recorrência para o CBC primário (0,3%) e o CBC recorrente (4,3%), com o uso da técnica de congelação intraoperatória “en face”, é semelhante aos resultados da CMM relatados na literatura. Porém, não podemos comparar os resultados da congelação “en face” com a CMM, pois não há estudos na literatura comparando essas duas técnicas.

Figura 4.

Fluxograma especificando os resultados separadamente de CBC e CEC, quanto aos tumores primários, recorrentes e ao índice de recorrência, que se encontra em porcentagem.

(0,19MB).

Não relatamos o tempo cirúrgico encontrado com o uso da técnica de congelação “en face”, pois encontramos discordâncias entre anotações no prontuário, tornando os dados incertos. Tullett et al. relatam que o tempo para a preparação das lâminas na técnica de congelação “en face” é de 45 a 75 minutos, demonstrando que o uso dessa técnica de congelação é rápida.8

Todas as margens periféricas e profunda analisadas na congelação foram enviadas para análise com a confecção de blocos de parafina, afim de revisar as lâminas da congelação de modo que o resultado seja seguro e assertivo que não tenha havido tumor residual. Na confecção de blocos de parafina, as estruturas ficam mais evidentes e mais claras em virtude do corte histológico mais fino, possibilitando uma análise mais detalhada. Em 98% dos casos tivemos o resultado da congelação intra‐operatória concordante com o resultado final do exame anatomopatológico da peça cirúrgica (exame de parafina). Na experiência dos patologistas do nosso serviço, essa discordância de interpretação, gerando o resultado da congelação falso‐negativo, é comumente relacionada a cortes histológicos espessos, proliferação inflamatória, proliferação folicular e lesões triquelimais. Uma armadilha diagnóstica comum na congelação de tumores cutâneo é confundir folículos capilares seccionados tangencialmente em CBC. A inflamação também pode ser confundida com tumor ou pode obscurecer uma malignidade subjacente.11

A técnica de congelação intraoperatória padrão (corte em “pão de forma”) normalmente envolve seções por meio de amostras em seu eixo horizontal e longitudinal. De acordo com a literatura, aproximadamente 44% de toda a margem é normalmente examinada, o que explica em parte por que os tumores inicialmente relatados como “completamente excisados” ocasionalmente recorrem.12

A técnica de avaliação intraoperatória de margens cirúrgicas por congelação “en face” descrita neste estudo oferece certos benefícios sobre as técnicas de congelação padrão. Um desses benefícios é que essa técnica examina todas as margens periféricas e profunda, evitando casos falso‐negativos; é também uma técnica de rápida execução e de fácil disponibilidade.5,7,8,13–15 Na figura 5 demonstramos um desenho esquemático da técnica de congelação “en face” e da técnica de congelação padrão.

Figura 5.

(A) Desenho esquemático, demonstrando a técnica de congelação padrão, a amostra é seccionada removendo tiras transversais em ângulo reto entre si. (B) Demonstramos a técnica de congelação “en face”, onde examina todas as margens periféricas e profunda da lesão.

(0,17MB).

Podemos, no entanto, citar algumas limitações do uso da técnica de congelação “en face”: ela não permite determinar a distância entre o tumor e a margem final da peça. Mesmo que a margem seja negativa, o tumor pode estar a apenas alguns micrômetros de distância. Assim, embora uma margem clínica livre de 4mm não seja necessária, ainda é preferido algum grau de margem clínica livre ao utilizar a técnica “en face” para minimizar o risco de uma margem histológica livre pequena.7,16,17 De acordo com a literatura, uma grande parte das recorrências tumorais ocorre após o quinto ano de tratamento. Esse achado enfatiza a importância de um seguimento a longo prazo.2 Esse fato demonstra um percalço em nosso estudo, pois obtivemos um tempo de seguimento mediano de três anos. No entanto, nossos dados são comparáveis aos de outros estudos na literatura sobre uso de congelação intraoperatória “en face”.

As lesões em que houve discordância entre o resultado da congelação intraoperatória e o resultado do processamento histopatológico com confecção de blocos de parafina foram submetidas a tratamento complementar (nova excisão cirúrgica).

Conclusão

A técnica de congelação intraoperatória “en face” é rápida, segura e confiável para garantir margens cirúrgicas livres de tumor para CBC e CEC. Nossa taxa de recorrência tumoral é aceitável, de acordo com a literatura.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Ana Carolina Vasconcellos Guedes Otsuka: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação da versão final do manuscrito.

Eduardo Bertolli: Concepção e o desenho do estudo, análise estatística; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Mariana Petaccia de Macedo: Concepção e o desenho do estudo; Participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Clovis Antonio Lopes Pinto: Participação efetiva na orientação da pesquisa; Aprovação final da versão final do manuscrito.

João Pedreira Duprat Neto: Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação final da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Br J Dermatol., 166 (2012), pp. 1069-1080
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Como citar este artigo: Otsuka ACVG, Bertolli E, Macedo MP, Pinto CAL, Duprat Neto JP. Intraoperative assessment of surgical margins using “en face” frozen sections in the management of cutaneous carcinomas. An Bras Dermatol. 2022;97:583–91.

Trabalho realizado na Instituição A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

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